Laços da jogatina com o crime organizado são conhecidos
O repórter Pedro S. Teixeira contou que dois economistas do banco Itaú estimaram que, nos 12 meses de junho de 2023 a junho de 2024, os brasileiros perderam R$ 23,9 bilhões apostando no setor legalizado da jogatina, as bets. Esse ervanário equivale a 1,9% da massa salarial do país e é apenas uma fatia do jogo legalizado.
Está nas livrarias “O lado B de Boni”, com um depoimento de José Bonifácio de Oliveira Sobrinho sobre sua carreira redesenhando a televisão brasileira. A certa altura, Boni conta uma de suas muitas peripécias para encantar artistas. Ele tinha dado um carro de quatro portas a Dercy Gonçalves (1907-2008). Dias depois, ela vendeu o carro, e ele reclamou:
— Você que escolheu o carro. Por que vendeu?
— Vendi para jogar no bingo. Se eu dissesse que era para jogar, você não me daria.
Nem todo cidadão tem um Boni do outro lado da linha. Disso resulta que, segundo uma estimativa, um terço dos apostadores está endividado e/ou com o nome sujo na praça.
A jogatina tem cobrado um preço alto, não só em dinheiro. Seus laços com o crime organizado são conhecidos, e ela vem avançando. As redes dos bicheiros, secularmente contidas num nicho da contravenção, expandiram-se com as máquinas de caça-níqueis.
Jogo, milícias e tráfico de drogas formam o triângulo que alimenta o crime organizado. Depois de uma década de investigações com idas e vindas, há um ano o juiz Bruno Rulière, da 1ª Vara de Combate ao Crime Organizado, do Rio de Janeiro, condenou a 13 anos de cadeia dois integrantes do Escritório do Crime. Na sua sentença, Rulière lembrou a “omissão deliberada” de agentes públicos.
É mais que isso.
Com um braço, o governo federal trata de regulamentar o que chama de “jogo responsável”. Entre março de 2023 e 31 de julho deste ano, fez 251 reuniões com representantes dessa modalidade de jogatina. (Dois jogotecas usaram a porta giratória de Brasília indo do governo para a guilda do “jogo responsável”.) Nenhuma dessas reuniões incluiu o grupo de psiquiatras do Hospital das Clínicas da USP que atende viciados no jogo.
No ano passado, a oposição derrubou no Senado o jabuti que permitiria o jogo em cassinos eletrônicos. Em junho, contudo, uma comissão de senadores aprovou, por 14 a 12, um projeto que legaliza o bicho, cassinos e bingos (alô, alô, Dercy!).
Para combater o crime organizado, os agentes públicos deveriam restringir suas áreas de atuação, em vez de expandi-las. Vários projetos legalizadores da jogatina tramitam no Congresso, sempre bafejados pela sede arrecadatória do governo. Com outro braço, tentando mostrar eficiência, Brasília cria programas grandiloquentes.
É sabido que a segurança pública tornou-se item prioritário na agenda dos brasileiros. Afora os males individuais provocados pelo jogo, ele serve para lavar dinheiro do tráfico de drogas e da corrupção. Com o jogo que já existe, está documentada sua conexão com o crime organizado.
Jair Bolsonaro sonhava com Sheldon Adelson, o magnata dos cassinos americanos e asiáticos. Pensavam, com o apoio do prefeito Marcelo Crivella, em criar resorts hoteleiros com cassinos no Rio e em cidades turísticas. O próprio ex-capitão deu uma pista reveladora de seu objetivo quando prometeu “um projeto” capaz de gerar uma “caixa maior do que a reforma previdenciária em dez anos”. Eram os cassinos de Adelson.
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