Os indígenas enfrentam novos conflitos de terras e uma comissão do STF reabre discussão sobre marco temporal, que já estava resolvida pelo próprio Supremo
O secretário-executivo do Ministério dos Povos Indígenas, o advogado Eloy Terena, estava na segunda-feira no Supremo Tribunal Federal, onde se discutia o marco temporal. Na terça-feira, foi ao Mato Grosso do Sul com a ministra Sonia Guajajara para falar com ruralistas e indígenas sobre o confronto que deixou dez feridos e voltou na madrugada de quarta-feira a Brasília. A complicada questão indígena está tendo uma semana intensa. Eloy avalia que o STF está misturando temas que precisam ser debatidos com cláusulas pétreas, que são inegociáveis, referindo-se à Comissão de Conciliação criada pelo ministro Gilmar Mendes. Alerta ainda que, se os indígenas saírem da comissão, não haverá razão para que ela continue.
Houve um momento dos trabalhos, na segunda-feira, em que os membros das entidades representantes dos indígenas ameaçaram abandonar a comissão. O que foi dito é que a negociação continuaria mesmo sem a presença das entidades, que passariam a ser representadas pelo MPI e pela Funai. Isso enfureceu lideranças indígenas e não teve o apoio do governo.
— O Ministério e a Funai não exercem mais a tutela no sentido de representar e suprimir a vontade dos povos indígenas. Se a Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) sair da mesa de diálogo, da mesa de conciliação, não há por que prosseguir. Até porque eles são os maiores interessados e impactados. Não exercemos esse papel de tutela representativa dos povos indígenas. Isso foi no passado, é um resquício do passado — me disse Eloy Terena, em entrevista na GloboNews.
Os casos de violência contra indígenas têm aumentado e, segundo o secretário-executivo, a situação está sendo acompanhada pelo ministério.
—Há dias, o ministério já vinha monitorando o aumento desses conflitos nos territórios indígenas do Mato Grosso do Sul, Paraná, Rio Grande do Sul, sul da Bahia e Ceará. Estes conflitos estão intimamente relacionados com a insegurança jurídica que foi gerada pela discussão novamente do marco temporal no Supremo Tribunal Federal. É importante dizer que essa tese já foi declarada inconstitucional no ano passado pelo Supremo e os indígenas olham para essa comissão, essa tentativa de conciliação, como se fosse um terceiro tempo — me disse Eloy Terena.
Este terceiro tempo de um jogo já resolvido — por uma histórica votação de nove a dois no STF, que considerou inconstitucional o marco temporal — está além de tudo misturando temas. Tem a questão da mineração em terra indígena ou a das indenizações a quem recebeu de boa-fé terra da União em território posteriormente demarcado como indígena. Isso precisa ser mesmo discutido, talvez não no órgão máximo do Judiciário. Mas no rol de temas, há o próprio marco temporal. Depois da decisão do STF, o Congresso aprovou um projeto de lei estabelecendo o marco temporal. O que não faz sentido, dado que um PL não muda a Constituição. O ministro Gilmar Mendes convocou essa Comissão de Conciliação que, da maneira como está, pode ser muito ruim para os indígenas, se acabar flexibilizando um princípio constitucional.
No caso do conflito de Douradina, em Mato Grosso do Sul, Eloy Terena contou que a ministra Sonia Guajajara dobrou o efetivo da Força Nacional, sob novo comando, porque houve uma quebra de confiança na equipe anterior, que ao sair de lá permitiu o confronto. O secretário disse que, nesse caso, houve um erro do Estado que, no passado, distribuiu títulos de propriedade em território indígena, e confinou os povos originários em reservas. A TI Panambi- Lagoa Rica foi depois delimitada, mas ainda não demarcada, exatamente por esse impasse. Mas há, segundo ele, inúmeros casos de invasões que são feitas por grileiros mesmo, sem nenhum antecedente de distribuição de terra.
— A maioria dos casos é invasão por invasão e boa parte desses casos já foi resolvida no passado. Boa parte das terras que foram demarcadas encontra-se na Amazônia Legal — disse Eloy.
Houve um momento forte na reunião da última segunda-feira, em que a advogada Kari Guajajara, da Apib, fala com grande eloquência contra a comissão e reclamou de não ter sido ouvida. “A sensação que eu tenho nestas quatro horas que estamos aqui é que toda vez que nós indígenas falamos, somos refutados. Nós havíamos solicitado algo que não nos foi dado, e quando uma não indígena falou, foi dado. Qual o valor da voz indígena nessa mesa? Como continuar aqui se nós não somos ouvidos?”. Assim começou o trabalho dessa comissão do STF.
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