Kamala Harris avança, mas faz uma aposta arriscada ao prometer pacotes econômicos populistas
Candidata democrata apresentou plano econômico para recuperar o poder de compra da classe média, mas estratégia pode atrair o voto da baixa renda e repelir o eleitor moderado
O que pode salvar Kamala Harris é a rejeição do eleitor americano a Donald Trump
No dia 21 de julho, escrevi aqui que Joe Biden já havia desistido da corrida presidencial, que provavelmente apoiaria Kamala Harris, e a iniciativa da disputa estava com os democratas. Horas depois, Biden anunciou essas decisões. E Kamala tirou de Donald Trump o favoritismo.
Pela média das pesquisas nacionais, calculada pelo site FiveThirtyEight, Kamala tem 46,3% das intenções de voto, ante 43,7% de Trump. Bem mais significativo: ela está à frente 4 pontos porcentuais nos três Estados decisivos: Pensilvânia, Michigan e Wisconsin.
Muita coisa pode acontecer até novembro, mas a tendência está a favor de Kamala, porque ela não carrega o peso da rejeição a Trump e a Biden.
Kamala foi incumbida por Biden de cuidar da imigração, mas não foi bem. O tema é uma das principais linhas de ataque de Trump, que despeja números falsos, como o de que 20 milhões de estrangeiros teriam entrado ilegalmente nos EUA, incluindo 70% dos presos da Venezuela, 20 mil soldados chineses, estupradores e assassinos.
INFLAÇÃO. Outra é a inflação: os preços dos alimentos subiram 20% no governo Biden, castigando o eleitor de mais baixa renda, base dos democratas, embora Trump tenha arrastado parte dessa fatia em 2016, e perdido em 2020. Kamala apresentou na sexta-feira um plano populista para recuperar o poder de compra da classe média, que inclui US$ 25 mil de subsídios para a compra da primeira casa, perdão de dívida com serviços de saúde e dedução tributária de US$ 6 mil para famílias no primeiro ano de vida do bebê. O Comitê para um Orçamento Federal Responsável, instituto independente, calcula que essas promessas elevariam em US$ 1,7 trilhão em uma década o déficit, que já alcança US$ 31 trilhões.
Kamala promete ainda combater a “especulação dos preços”, um tipo de controle que nunca houve nos EUA, mas sim no Brasil, Argentina e Venezuela, sempre levando à hiperinflação. Antes desse anúncio, os discursos de Kamala focavam em temas genéricos, como olhar para o futuro em contraste com a proposta de Trump de “tornar a América grande de novo”. Isso injetou um tom positivo na campanha, em contraste com o mote negativo de Biden, de que Trump ameaça a democracia.
As pesquisas que colocam Kamala à frente capturam a primeira fase da campanha, em que ela representou a novidade e as promessas genéricas. Agora, Kamala entrou numa nova etapa, que apresenta oportunidades e riscos. A estratégia de intervenção do Estado na economia, que na pandemia se traduziu em transferência de dinheiro aos necessitados, é em parte responsável pela inflação. O Banco Central procurou contê-la com aumento dos juros, que elevou o preço dos empréstimos para a compra de bens duráveis e moradia. A aposta é arriscada: pode atrair o voto da baixa renda e repelir o eleitor moderado. O que pode salvá-la é a rejeição a Trump.
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