terça-feira, 10 de setembro de 2024

OS PROBLEMAS E A BRIGA DA DIREITA

Míriam Leitão, O Globo

Bolsonaro conseguiu levar milhares para a Paulista, mas coleciona derrotas que vão do fracasso de candidatos às brigas na extrema direita

Jair Bolsonaro conseguiu reunir uma multidão na Avenida Paulista, mas, ao mesmo tempo, viu as fraturas dentro do seu grupo e já sabe que vai perder a eleição no seu reduto. Na Polícia Federal prosseguem outras investigações que podem levar a novos indiciamentos tanto dele, quanto do seu candidato no Rio. A direita extrema se divide e não surge daí uma linha democrática. Do ponto de vista das ideias, a emergência climática é outra complicação. Atinge em cheio o negacionismo desse grupo político e da parte do agro que o apoia. Não há mais como negar.

A escolha do ministro Alexandre de Moraes como alvo do dia 7 de setembro é bem óbvia. Ele é o presidente do inquérito que mais ameaça Bolsonaro e a todos os que cometeram crimes na preparação e na execução da tentativa de golpe de 8 de janeiro. Por isso, ele diz que Moraes é “pior do que Lula”. Lula o derrotou em 2022. Moraes pode mandar prendê-lo. O ataque a Alexandre de Moraes tentou aproveitar o momento em que o ministro sofreu desgaste com a suspensão do X e por ter supostamente quebrado o rito ao pedir ao TSE informações públicas sobre perfis que defendiam golpe de Estado.

Na Paulista, Bolsonaro mentiu sobre a eleição que ganhou, a que perdeu e sobre seu adversário em 2022. Disse que foi eleito por uma falha do sistema em 2018 e que a eleição de 2022 foi manipulada por Alexandre de Moraes. Ou seja, continua afirmando ter havido fraude em duas eleições, segue fazendo acusações sem provas, denunciação caluniosa, contra o sistema eleitoral brasileiro. Isso é crime e ele é reincidente. Repete porque tem o projeto de minar a confiança na democracia.

Nem todos os que votaram em Bolsonaro concordam com essa visão conspiratória sobre as urnas ou desejam o fim da democracia. Do contrário teríamos 58 milhões de golpistas no Brasil. Mas é cúmplice quem, no palanque, consentiu pelo silêncio com essa mentira sobre o processo eleitoral. O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, por exemplo. Ele nada tem feito que o diferencie do seu ídolo, apesar do contorcionismo das análises que sustentam ser Tarcísio da direita moderada.

O fato de Bolsonaro não ter ameaçado diretamente a democracia não significa qualquer moderação. Ele agora não tem os poderes que já teve. Era um perigo quando ameaçava as instituições e tinha de fato o poder de feri-las com a força da Presidência, com o fato de ser o comandante em chefe das Forças Armadas e com o peso da máquina pública do Executivo. Agora não tem mais esse poder, exceto o de continuar incutindo que não se pode confiar no processo eleitoral brasileiro em quem o segue e em quem vai até uma manifestação convocada por ele.

Ele está sob investigação por isso e muito mais, dado que foi das palavras para as conspirações e as ações. Também sob investigação está o seu candidato no Rio de JaneiroAlexandre Ramagem. O inquérito da Abin Paralela tem fartas provas de que o uso mais intensivo da ferramenta First Mile de espionagem de supostos adversários políticos durante o período em que Ramagem comandava a Abin. Pior, em 49% das vezes que a ferramenta foi utilizada, isso ocorreu durante o período eleitoral de 2020. Há muitos outros indícios de crime de uso da máquina pública contra supostos adversários políticos ou para favorecer pessoas da família de Bolsonaro.

Ramagem também representa a maior derrota de Bolsonaro, porque há pouca possibilidade de reversão do quadro eleitoral no Rio de Janeiro, com vitória praticamente certa do atual prefeito Eduardo Paes. O Rio é o reduto no qual Bolsonaro construiu toda a sua vida política e a dos seus filhos. Eduardo foi para São Paulo por uma circunstância familiar. Na disputa paulista também o que se vê é que o prefeito Ricardo Nunes foi esquecido no fundo do palanque e o candidato Pablo Marçal usou a passeata para fazer seu show à parte.

A derrota talvez mais permanente desse grupo político é no negacionismo que eles sempre exibiram em relação à ciência e à mudança do clima. Os eventos extremos estão levando prejuízo ao agronegócio, que majoritariamente votou em Bolsonaro. A política do “passar a boiada” perdeu. A opinião pública está cada vez mais convencida das causas ambiental e climática. Eles foram derrotados na aposta e no discurso. Não têm agenda nem resposta para a grave crise do século XXI.

Bookmark and Share

Nenhum comentário:

Postar um comentário