Ex-presidente quer usar vitória até de candidatos a quem não ajudou
para pressionar por anistia para si e para seus aliados
A ascensão da direita nas eleições municipais deu fôlego a uma estratégia
que Jair Bolsonaro já vinha colocando em marcha: segurar ao máximo a disputa
por seu próprio lugar na sucessão presidencial de 2026. Bolsonaro pretende propagandear
a vitória de seus candidatos para pressionar o Congresso pela aprovação de
diferentes projetos confrontando o Supremo Tribunal Federal, com ênfase
naqueles que propõem algum tipo de anistia a condenados pelo 8 de Janeiro e, se
possível, a sua própria inelegibilidade.
Não é tão simples assim. Depois de um período de exílio doméstico para
costurar as campanhas às prefeituras de Alagoas, Arthur Lira começa a voltar a
Brasília para deflagrar a campanha por sua própria cadeira de presidente da
Câmara. Diante do temor de aliados de que a tropa bolsonarista volte com a faca
no dente para transformar a agenda pessoal do capitão reformado em exigência
para apoiar o nome indicado por ele, o líder do Republicanos, Hugo Motta (PB),
Lira tem dito que resolverá isso e evitará que anistia e projetos afins sejam
transformados no cerne da discussão pelo controle da Casa.
De acordo com interlocutores do atual presidente,
ele lembra que Bolsonaro já reiterou em algumas ocasiões que estará com o
candidato apoiado por Lira. Além disso, o PL não vai querer ameaçar sua
presença na Mesa condicionando a entrada na chapa de Motta a uma agenda que, se
levada a ferro e fogo, afastaria o governo do acordo. Na sanha por lançar um
movimento nacional por sua reabilitação política, Bolsonaro vai querer receber
louros até por resultados no pleito atual para os quais pouco contribuiu.
A presença tardia do ex-presidente em atos da campanha de Ricardo Nunes
ontem demonstrou a falta de sincronia entre eles. Quando mais o prefeito de São
Paulo precisou que Bolsonaro evitasse a debandada de aliados e, sobretudo, de
eleitores seus para os braços de Pablo Marçal, o ex-presidente ficou na moita.
Agora que as pesquisas mostram favoritismo do emedebista, foi só sorrisos e uma
empolgação nada genuína no almoço realizado numa churrascaria.
A prova de que ninguém engoliu as sucessivas humilhações impostas a Nunes
nos tempos das vacas magras é que, até ontem, ninguém na coordenação da
campanha do prefeito cravava se as gravações aos 45 minutos do segundo tempo
feitas por Bolsonaro seriam exibidas no horário eleitoral ou se ficariam apenas
para o “lado B” das redes sociais.
Ao segurar as rédeas dos aspirantes a enfrentar Lula daqui a dois anos,
Bolsonaro, ironicamente, repete a tática de seu principal adversário.
Inelegível em 2018, Lula recorreu até o último momento, e o partido só
oficializou a candidatura de Fernando Haddad em 11 de setembro — depois,
portanto, da facada recebida por Bolsonaro cinco dias antes, que, para muitos,
selou seu favoritismo.
No entorno bolsonarista, a avaliação é que o ex-presidente sabe
perfeitamente que não conseguirá reverter a inelegibilidade impingida pela
Justiça Eleitoral, que deverá ser referendada pelo Supremo. Mas quer deixar no
ar uma candidatura até quando conseguir, correndo o Brasil e entoando o
discurso de que sofre perseguição política implacável do STF.
Isso o ajudaria a manter um eleitorado que, neste ciclo, deu
demonstrações de estar à procura de um novo Messias. Como espera voltar em
2030, quer evitar que, até lá, surja um Marçal menos tresloucado que se
viabilize. Nessa lógica, uma derrota da direita para Lula em 2026 seria o
melhor cenário para um político que só pensa no próprio umbigo.
O ex-coach escancarou um fato: o que se convencionou chamar bolsonarismo
é, na verdade, um movimento reacionário muito menos coeso do que se supunha.
Daí a presença ostensiva do capitão reformado nos palanques dos “seus”
candidatos nesta segunda fase da disputa — às vezes, como ontem, sob o risco de
parecer aquele parente indesejado que aparece para o almoço sem ser convidado.
Nenhum comentário:
Postar um comentário