segunda-feira, 13 de janeiro de 2025

ESTOURO DA META DECORREU DE ESCOLHAS DA POLÍTICA ECONÔMICA

Editorial Valor Econômico

O custo para desinflacionar a economia é mais alto em virtude da desancoragem das expectativas de inflação e da inércia inflacionária do ano anterior

A inflação oficial superou, pela terceira vez nos últimos quatro anos, o intervalo de tolerância estabelecido pelo regime de metas. O responsável maior por recolocar o índice de preços no alvo de 3% é o Banco Central, que tem mandato legal, autonomia e os instrumentos necessários à sua disposição. A tarefa será tão menos custosa para o setor real da economia quanto maior for o apoio da política fiscal - e quanto menores forem os ruídos políticos em torno do trabalho técnico do BC. O IBGE divulgou na sexta-feira o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de 2024, que ficou em 4,83%. O percentual supera o limite superior do intervalo de tolerância da meta de inflação, de 4,5%.

Como determina a legislação, o presidente do BC, Gabriel Galípolo, escreveu uma carta aberta ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad, explicando os motivos do novo estouro, as providências que estão sendo tomadas para corrigir o problema e o horizonte em que pretende colocar o IPCA de volta na meta.

O BC apresenta uma análise numérica, com o uso de instrumentos matemáticos e estatísticos, que decompõe os fatores que levaram ao estouro da meta. A seca, que afetou negativamente os preços dos alimentos, teve um papel importante, com um impacto de 0,38 ponto percentual na inflação de 2024. A alta do dólar deu uma contribuição mais expressiva, de 1,21 ponto percentual. O sobreaquecimento da economia teve peso relevante, com um impacto de 0,49 ponto. A inércia inflacionária (0,52 ponto) e a desancoragem das expectativas (0,3 ponto) também foram fatores preponderantes.

Corretamente, a autoridade monetária se restringe à análise técnica do descumprimento da meta, sem nomear os responsáveis. Mas seria um erro entender todos esses eventos como exógenos, ou seja, como acontecimentos fora do controle do BC e do próprio governo. A inflação acima da meta é resultado também das decisões sobre a taxa de juros tomadas pelo próprio BC, do conjunto da política econômica adotada pelo governo e do ambiente político em que a autoridade monetária operou.

Houve acontecimentos fora do controle direto das autoridades de Brasília, como a seca, que contribuiu para uma alta de 8,22% nos preços do grupo alimentação e bebidas. Uma parte da desvalorização cambial de 21,8% ocorrida em 2024 pode ser atribuída aos cortes menos profundos do que o esperado na taxa de juros pelo Federal Reserve (Fed).

Choques inesperados de oferta, como esses, ocorrem corriqueiramente, e, ao BC, nada resta além de acomodá-los no intervalo de tolerância da meta - além de combater os seus efeitos secundários, evitando que se espalhem para outros preços da economia. Não teria havido o estouro do teto da meta se a pressão inflacionária se restringisse a esses fatores.

Mas houve danos autoinfligidos. A carta aberta reconhece, acertadamente, que a significativa depreciação cambial "decorreu principalmente de fatores domésticos". Ou seja, da percepção dos mercados de que o governo não está disposto a apresentar um plano crível para gerar os superávits primários necessários para, num horizonte razoável, estabilizar e reduzir a dívida bruta.

“O crescimento da atividade econômica, que surpreendeu para cima ao longo do ano, foi forte e também contribuiu para a inflação acima do intervalo de tolerância”, completa o documento. A demanda agregada cresceu acima da capacidade de oferta em decorrência da expansão fiscal, da força do mercado de trabalho e do vigoroso crescimento do crédito bancário e do mercado de capitais. Esses fatores são decorrentes de escolhas de política econômica. Em todas as circunstâncias, estava ao alcance da política de juros agir de forma contracíclica.

O custo para desinflacionar a economia é mais alto em virtude da desancoragem das expectativas de inflação e da inércia inflacionária do ano anterior. Os participantes do mercado estão céticos sobre a possibilidade de o BC cumprir o centro da meta de inflação sem o controle das contas públicas. Ataques ao BC das alas políticas do governo, incluindo o presidente Lula, levantaram dúvidas sobre se a política monetária seria autônoma o suficiente para executar o seu trabalho.

Na carta aberta, Galípolo repassa o plano para recolocar a inflação na meta, que já é conhecido. O Copom do BC iniciou, em dezembro, um choque de juros, que levará a Selic a 14,25% ao ano até março. Os especialistas já esperam que o aperto siga até meados do ano, com uma taxa de 15% ao ano. O BC passa o recado de que, independentemente das origens da inflação, a política monetária é eficaz para equacionar o problema.

Os modelos de projeção do Copom sugerem que, seguindo essa estratégia, a inflação vai cair à meta no final de 2026, com um custo mínimo em termos de perda de atividade. A desaceleração tende a ser gradual, sem recessão, com um nível de ociosidade da economia estimado em 0,6% do PIB potencial em meados de 2026.

Esse pouso suave da economia assume como premissa que o governo vai fazer a sua parte, reduzindo os estímulos à economia por meio do cumprimento das metas de resultado primário e dos limites do arcabouço fiscal. Ainda assim, a incerteza fiscal tende a perdurar, já que os compromissos assumidos pelo governo são insuficientes para conter a trajetória insustentável da dívida pública. Isso deixa a economia vulnerável a novos choques negativos que podem aumentar ainda mais os custos para o BC baixar a inflação para a meta definida pelo governo.

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