O país das próximas décadas será necessariamente muito
diferente do atual. E a história está cheia de exemplos de pessoas,
instituições e países que foram engolfadas pelo rápido processo de
desenvolvimento
Nos últimos dias, foram realizadas merecidas homenagens aos
políticos que trabalharam no sentido de o brasileiro poder comemorar hoje os 40
anos da redemocratização. O Brasil, vez por outra, produz esses milagres: um
deles foi a transição do poder militar para o civil sem que tenha havido tiros,
bombas ou prisão, nem mesmo a tradicional censura à imprensa. O movimento foi
obra de uma turma de políticos experientes, calmos e tocados pelo mesmo
desafio: o governo dos militares pressionava a todos por igual e significava o
fim da política.
Havia, portanto, um adversário comum, que não raro agia como
inimigo; torturava, matava, exilava. Os jovens de hoje não conheceram os
rigores daquela época. Os discursos dos apologistas das soluções radicais de
direita não conheceram a censura de imprensa, nem viveram os momentos
angustiantes da falta de expectativas da juventude. O Brasil cresceu na
economia cheio de desigualdades que políticos não foram capazes de consertar
nos tempos democráticos. Acabou a hiperinflação, o país ganhou uma moeda forte,
a administração federal foi razoavelmente modernizada, mas o país continuou a
ser o legítimo herdeiro do velho do Restelo, personagem imortal de Camões nos
Lusíadas.
Os portugueses fizeram suas incríveis
navegações sob intensa desconfiança dos próprios cidadãos. Era essa a voz
ouvida no cais em Lisboa, "isso não vai dar certo". O pessimismo era
generalizado. As navegações estabeleceram feitorias nos pontos mais longínquos
do mundo para criar pontos de comércio. Jamais tentaram colonizar o interior. O
Brasil durante muitos anos viveu apenas na sua costa. Até hoje, os políticos
não conseguem enxergar horizonte mais amplo para o país, que permanece com
quase 50% de seu território intocado. A única preocupação, meia-verdade, é
conservar a Amazônia, mas ninguém se lembra de tomar posse efetiva do
território, conquistá-lo e integrá-lo à economia e à sociedade nacionais.
A herança portuguesa é muito forte, tanto no pessimismo
quanto na burocracia. As decisões são demoradas e profundamente conservadoras,
quando não são reacionárias, no sentido estrito da palavra. Reagem ao novo. O
presidente Juscelino Kubitschek rompeu com essa inércia e abriu o caminho para
o Centro-Oeste e o Norte. Mas os que vieram depois decidiram estacionar no
tempo. Jânio chamou a rodovia Belém-Brasília de estrada das onças, hoje uma via
muito movimentada e cheia de cidades de médio porte. Aliás, na Transamazônica
foi criada nos anos setenta as agrovilas. Uma delas, chamada de presidente
Médici, é hoje conhecida como Medicilândia. É a maior produtora de cacau do
Brasil, e o estado do Pará ultrapassou a Bahia na produção dessa fruta. E
também tem pimenta, açaí, gado, arroz e outras manifestações de resistência
brasileira ao conservadorismo da política nacional. Aos trancos e barrancos, o
país vai se reconhecendo e assumindo suas responsabilidades no seu vasto
território.
Quando, afinal, o Ministério do Meio Ambiente e seus
controlados permitir que a Petrobras inicie a exploração do petróleo na Margem
Equatorial, haverá uma natural expansão da economia na região, situação que o
país nunca viu ocorrer: desenvolvimento sustentável na Região Norte. Amapá,
Roraima, Amazonas e Pará tendem a se beneficiar muito não apenas dos royalties,
mas dos negócios que envolvem a atividade de extração do petróleo. Os países
árabes que eram desertos improdutivos na década de trinta do século passado,
hoje, como consequência do petróleo, exibem nível de vida invejável. É razoável
imaginar que os brasileiros do Norte tenham a oportunidade, também, de
desfrutar do desenvolvimento nacional.
Os perigos da nova era não se resumem na eventual aventura
militarista. Há de tudo. Trump ao norte, Javier Milei ao sul, globalização
interrompida, quebra das redes de fornecimento e produção, redes de comércio
fragmentadas, a necessidade de crescer muito e rapidamente na área de
informática, e tudo que se relaciona com esse novíssimo segmento do
conhecimento humano. Os parlamentares brasileiros retornaram no tempo, estão
preocupados com suas questões provinciais. A direita, organizada em torno de um
capitão iletrado, sem qualquer experiência administrativa, discute assuntos
marginais aos grandes temas brasileiros.
O país das próximas décadas será necessariamente muito
diferente do atual. Quem não se organizar vai simplesmente desaparecer. A
história está cheia de exemplos de pessoas, instituições e países que foram
engolfadas pelo rápido processo de desenvolvimento. É o bonde da história. É o
desafio de nele embarcar ou ficar bebendo no bar discutindo futebol.
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