O Congresso, mesmo com seus defeitos, tem as qualidades
necessárias para ser a garantia democrática no país
O Brasil recente tem vários responsáveis por manter a
democracia a salvo de usurpadores. Além da imprensa independente, o Supremo
Tribunal Federal (STF), na tentativa de golpe bolsonarista, ou as Forças
Armadas, que negaram apoio ao golpe, mesmo que alguns de seus integrantes
estivessem metidos nele. Assim como partidos políticos de centro, ou mesmo de
direita não radical, ajudaram a equilibrar o cenário político quando surgiram
ameaças, como nos primeiros governos petistas.
Quando o PMDB aderiu ao petismo, havia a certeza de que
eventuais tentativas de avanços autoritários seriam barradas, o mesmo
acontecendo com o Centrão. O Congresso, de maneira geral, tem sido o esteio
democrático, pelo simples fato de que partidos políticos não se dão bem com
ditaduras. Ao mesmo tempo, nossos salvadores passaram a se achar merecedores de
licenças especiais para seus privilégios e benefícios e não aceitam críticas a
desvios que se mostram cada vez mais frequentes, como as emendas parlamentares
ou os penduricalhos do Judiciário.
Apesar dos pesares, podemos estar numa nova
fase, em que as forças democráticas terão de agir para impedir as consequências
de uma evidente guinada à esquerda do governo Lula. Acho duvidoso o caminho que
o governo escolheu para combater o Congresso, de maioria de centro-direita, com
o discurso de que governa para os pobres, e não para os ricos. Sempre que foi
por aí, Lula perdeu a eleição. Só venceu quando foi para o centro. Em 2022, só
venceu porque aglutinou em torno de si um grupo de eleitores que não queria o
radicalismo de direita — mas também não o de esquerda.
O caminho de Lula para tentar a reeleição é manter-se na
linha de centro-esquerda, mesmo criticando o Centrão — e ele tem razão em
muitos casos. Mas não pode voltar a ser o radical de esquerda contra o radical
de direita. Nesse caso, o eleitorado fica sem opção ou pode aceitar um
candidato que fuja da radicalização, que será cada vez maior se Lula insistir
na história de pobre contra rico.
Como ele perdeu completamente o controle do Congresso, que é
de direita, precisa caracterizá-lo como contrário aos pobres. Está numa
situação difícil, mas piorará a perspectiva eleitoral do PT se voltar à
radicalização dos primeiros momentos do partido. Com isso, ele se fortalece na
esquerda, onde já é forte. Ficará num nicho de radical de esquerda que não o
levará a lugar nenhum.
A esquerda sempre reclamou muito que Lula faz um governo de
centro, mas ele deveria ir mais ainda para o centro. Ele tentou fazer um
governo de negociação com partidos de centro, mas deu a máquina estatal para o
PT, e não existe o governo de união nacional que prometeu na campanha. A tese
da união nacional não funcionará mais para ele porque, na prática, já não
entregou.
Por que seria Lula o presidente que representa a união
nacional, se nada disso acontece em seu terceiro governo? Ele não conseguiu se
contrapor ao Congresso, que todos sabiam ser de direita. Não consegue mais
levar na conversa os adversários, como fez muito bem em outras ocasiões. Assim,
pode abrir caminho a um centrista que tenha uma visão mais ampla ou fortalecer
a direita na polarização com os bolsonaristas.
Radicalizando à esquerda, Lula dará razão à direita, que vê
nele um perigo antidemocrático. O jogo de luta de classes pode parecer
anacrônico a esta altura do capitalismo internacional, mesmo porque as classes
menos favorecidas no Brasil já não se sentem seguras com o apoio do governo
petista, incapaz de compreender suas demandas. O Congresso, mesmo com seus
defeitos, tem as qualidades necessárias para ser a garantia democrática no
país.


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