Uma investigação do DCM revela ligações entre as campanhas eleitorais de Nikolas Ferreira a cartéis de combustíveis, indivíduos condenados e investigados por crimes econômicos e fraudes fiscais em Minas Gerais.
Por trás da trajetória meteórica de Nikolas Ferreira, da
favela Cabana do Pai Tomás em Belo Horizonte ao Congresso Nacional em Brasília,
parece ocultar-se muito mais que um suposto fenômeno de redes sociais.
Enquanto a ultradireita o celebra como prova de meritocracia
de um jovem de periferia e a esquerda atribui sua ascensão ao poder da
ultradireita nas redes sociais, as conexões que apadrinharam Nikolas Ferreira
permanecem ofuscadas por explicações óbvias.
Uma extensa investigação do DCM envolvendo
fontes, documentos eleitorais, judiciais e contratos privados do deputado
Nikolas Ferreira (PL-MG) revela uma rede de relações com indivíduos envolvidos
em atividades ilícitas/ em Minas Gerais na sua ascensão politica.
De partida, o maior
doador individual da campanha de Nikolas Ferreira é Ronosalto Pereira
Neves, empresário do grupo varejista Mart Minas, que confessou envolvimento em
esquema de repasses ilícitos relacionados ao ex-senador Aécio Neves e à JBS.
Investigado em 2018 na Operação Ross da Polícia Federal.
Ronosalto admitiu ter realizado uma “transação financeira” a
pedido de Joesley Batista que gerou R$ 1,1 milhão em dinheiro vivo—montante
retirado diretamente em sua empresa por gerente da JBS, conforme reportagem do
jornal O Globo.
Mas essa não é a única aliança obscura em sua ascensão
política. Em suas campanhas eleitorais, Nikolas Ferreira utilizou-se
repetidamente de endereços e infraestrutura fantasma de um arranjo societário
com várias empresas condenadas por ilícitos contra a ordem econômica na maior
operação contra cartéis de postos de combustíveis da história de Minas Gerais.
A Operação Mão Invisível resultou na
condenação em 2019 de diversas empresas desse grupo no esquema que ficou
conhecido como “Máfia do Combustível”: uma rede corporativa ilícita
envolvida em cartel, fraudes, manipulação de preços, sonegação fiscal e outras
operações ilegais.
Seus sócios também foram autuados pessoalmente por
fraudes fiscais pelo Conselho de Contribuintes de Minas Gerais e por uma série
de ilícitos, incluindo manipulação de bombas de combustíveis, sonegação de
impostos, fraude de livros contábeis e fiscais, gerenciamento de caixa oculto
entre outros ilicitos.
Para além destas condenações, os mesmos indivíduos se
encontram atualmente também sob investigação criminal, sob sigilo do Ministério
Público de Minas Gerais.
Comitês Eleitorais em Postos de Gasolina Fantasmas
Documentos de prestação de contas eleitorais e contratos
privados revelam que o deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) estruturou
suas campanhas de 2020 para vereador e de 2022 para deputado federal em um
endereço peculiar em Belo Horizonte: Avenida Silva Lobo, 667.
Trata-se de um posto de gasolina desativado há anos, uma
espécie de lote abandonado em estado de evidente deterioração e sem qualquer
infraestrutura. Em 2022, junto com o deputado estadual Bruno Engler (PL-MG),
Nikolas inaugura ali
o que chamaram de “QG Bolsonaro”, a sede de suas campanhas.
Esse espaço que pertenceu ao antigo posto Jéssica. Desde
2013, encontra-se registrado formalmente como um novo posto: o Veneto Comércio
de Combustíveis Ltda (CNPJ 19.446.904/0001-73), com atividade econômica
declarada de “comércio varejista de combustíveis”. Entretanto, desde seu novo
registro, o posto Veneto nunca chegou a operar, constando somente em contratos
sociais e registros junto a Receita.
“Este posto nunca funcionou realmente, existindo apenas a
estrutura física completamente desativada e abandonada, inclusive sem bombas.
Qualquer morador da região sabe disso. Esse registro era só no papel para
alguma finalidade que desconhecemos, ” relatou uma das fontes ao DCM.
Ligações com a Máfia dos Combustíveis
Ao investigar quem são os proprietários do Posto Veneto
cedido a Nikolas em todas as suas campanhas, tem-se algo mais perturbador que
um posto inativo/fantasma: os sócios da Du Pape Empreendimentos.
Uma série de documentos oficiais de órgãos de controle
demonstra que o “grupo empresarial” proprietário da Du Pape Empreendimentos
S.A., controlado por Ciro Augusto Bergomi Picarro e Augusto Joaquim Picarro,
acumula histórico consistente de práticas ilícitas organizadas no mercado de
combustíveis em Minas Gerais, envolvendo desde fraude fiscal,
manipulação fraudulenta de bombas de gasolina e caixas clandestinos.
Documentos da Advocacia-Geral da União e do CADE revelam que
outros postos ativos controlados na atualidade pelos sócios da Du Pape — o
Posto Fórum Ltda (CNPJ 02.879.461/0001-01), o Posto Floramar Ltda (CNPJ
20.159.968/0001-72) e o Posto Brilhante Ltda (CNPJ 25.822.974/0001-81) — foram
alvos da Operação Mão Invisível, condenados por formação de cartel, uma das
infrações mais graves à ordem econômica.
A Operação, de magnitude sem precedentes em Minas Gerais,
foi deflagrada pela força-tarefa da Polícia Federal, Ministério Público de
Minas Gerais, Agência Nacional do Petróleo e CADE.
Não se sabe se os sócios da Du Pape eram os proprietários
originais desses três postos à época da condenação ou se adquiriram
deliberadamente CNPJs já investigados por cartel — hipótese que também
levantaria questionamentos, pois, no direito brasileiro, a sucessão empresarial
implica a transferência de passivos e dos efeitos administrativos e civis da
condenação — incluindo multas, sanções econômicas e restrições impostas por
órgãos como CADE, ANP ou pelo fisco estadual.
Assim, a transferência de CNPJs, aquisições e reorganizações
societárias nesse contexto poderia eventualmente indicar aparente finalidade de
ocultação.
Contudo, a Procuradoria Federal Especializada junto ao CADE
concluiu a existência de “cartel hardcore“: uma formação de crime
econômico organizada, estável e coordenada de manipulação de preços, com
monitoramento e punição de quem não obedecia às regras sob risco de represálias
comerciais ou isolamento no abastecimento, atuando com práticas típicas comumente
associadas ao crime organizado; arranjos societários de faixada que
operam por práticas corporativas ilícitas. É a partir dessa rede
corporativa ilícita, segundo registros públicos e documentos de campanha, que
Nikolas Ferreira estruturou toda suas bases eleitorais.
O processo CADE nº 08700.010769/2014-64, em 2019, impôs
multas a esses três postos de combustíveis de Belo Horizonte por infração à
ordem econômica e cartelização de preços.
Na esfera federal, o CADE enquadrou os três postos por
conduta coordenada no varejo de combustíveis — e a régua do dano veio em
negrito: Posto Floramar Ltda., multa de R$ 1.136.338,07; Posto
Brilhante Ltda., R$ 860.855,20; e Posto Fórum Ltda., R$
556.976,18.
A conta não parou no carimbo: com atualização e execução, os
valores inflaram no passivo — o Floramar aparece com R$ 1.606.713,85 em
dívida ativa; o Brilhante, R$ 1.217.197,60; e o Fórum figura com
saldo remanescente de R$ 787.530,90.
No âmbito estadual, o Conselho de Contribuintes de Minas
Gerais concluiu pelas fraudes operacionais: entradas e saídas desacobertadas de
ICMS/ST, manipulação de encerrantes (os totalizadores das bombas) e
descumprimentos no SPED.
O pacote sancionatório veio completo — imposto devido, multa
de revalidação e multas isoladas — com destaque para o Acórdão 25.141/25/3ª
(28/02/2025), que tornou o lançamento procedente contra o Posto Floramar e
alcançou os administradores Ciro Augusto Bergomi Picarro e Augusto Joaquim
Picarro. Blindagem societária, aqui, virou papel de seda.
É, neste particular, mais uma vez, que chama a atenção que o
Posto Veneto, sede das campanhas eleitorais de Nikolas
Ferreira, tenha se originado diretamente do antigo Posto Jéssica —
estabelecimento também condenado por cartel de combustíveis pelo
CADE e que ainda se encontrava em fase de investigação no momento
em que foi adquirido pela empresa Du Pape e rebatizado como Veneto.
Por outro lado, já sabidamente como sócios administradores
dos postos,o Conselho de Contribuintes de Minas Gerais (CCMG) responsabilizou
pessoas físicas de Ciro Augusto Picarro e Augusto Picarro por fraude fiscal
deliberada e organizada, com dolo e simulação para mascarar operações e reduzir
indevidamente o pagamento de tributos.
Os dois foram pessoalmente coobrigados pelos ilícitos
praticados nos postos sob seu controle, que incluíam sonegação, adulteração de
registros de venda com o propósito deliberado de ocultar o volume real de
combustíveis e manutenção de caixas paralelos.
Em junho de 2024, a situação se agravou, o Ministério
Público de Minas Gerais abriu o Procedimento Investigatório Criminal (PIC) nº
02.16.0079.0054569/2023-29, voltado a infrações de ordem econômica e
tributária. Entre os representados estão Ciro e Augusto Picarro e a própria Du
Pape Empreendimentos S.A.
As intervenções políticas e campanhas massivas de
desinformação em mídias sociais de Nikolas Ferreira contra os mecanismos de
regulação e fiscalização financeira do Estado desenham e geram claros
questionamentos acerca de um quadro inquietante de interferência quando
contrastados com suas associações com pessoas e arranjos societários
persistentemente envolvidos em infrações de alta gravidade e extensão a ordem
econômica. Seria acidental essa infiltração na política de “empresas” operando
mediante um padrão de práticas ilícitas e fraudes, coordenadas e persistentes?
Contratos Suspeitos e Aliados Políticos “do Setor”
O primeiro aspecto que chama atenção nos documentos é o
formato jurídico escolhido para o aluguel do imóvel da Avenida Silva Lobo, 667.
Nas campanhas de 2020 e de 2022, Nikolas Ferreira formalizou
a ocupação por meio de um “CONTRATO DE LOCAÇÃO RESIDENCIAL”, apesar
de se tratar de um espaço comercial entre dois CNPJs e com uso declarado como
exclusivamente de comitê eleitoral, ao custo de R$ 10.000,00 em cada campanha
(vereador em 2020 e deputado federal em 2022).
É sintomático o fato de outro político aliado, com histórico
consistente de atuação pró-interesses de postos de combustíveis e intensas
campanhas de desinformação a esse respeito, o deputado estadual Bruno Engler
(PL-MG), ter se tornado beneficiário do contrato de Nikolas Ferreira com a Du
Pape. Nikolas firma um contrato de cessão de uso gratuito de comitê eleitoral
beneficiando Engler.
Engler é notório por seu engajamento militante em campanhas
pela redução de impostos sobre a gasolina e outros derivados.
Ele foi autor de projeto
de lei para alterar a base de cálculo do ICMS para combustíveis em
Minas Gerais para favorecer os operadores de postos de gasolinas. Engler também
impulsionou uma série de campanhas
com informações falsas nas redes sociais sobre
o preço dos combustíveis nos governos Bolsonaro e Lula e na própria Assembleia
de Minas Gerais, desmentidos pelo Estado de Minas.
O jurista ouvido pela reportagem explica que as regras do
Tribunal Superior Eleitoral (TSE) exigem que a despesa esteja condizente com o
objeto contratado e devidamente comprovada, inclusive por questões de
transparência quanto à finalidade do gasto e à regularidade tributária do
imóvel e da real natureza contratual.
A face trabalhista do cartel: o padrão de inadimplência
de Ciro Picarro
Se as investigações da Operação Mão Invisível já haviam
revelado a engrenagem criminosa de cartel e fraude fiscal que alimentou o
império no setor de combustíveis, uma nova camada do mesmo enredo expõe a face
socialmente mais corrosiva dessa estrutura: a violação sistemática dos direitos
trabalhistas.
Documentos do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região
(TRT-MG) comprovam que Ciro Augusto Bergomi Picarro e Augusto
Picarro acumulam mais de 180 processos trabalhistas ativos em
Belo Horizonte, Contagem, Betim e Nova Lima — um número que, por si só, os
colocam entre os grandes litigantes individuais demandados na Justiça do
Trabalho em Minas Gerais.
Esse dado transforma a percepção de Ciro Picarro e de
Augusto Picarro de um meros empresários sob investigação tributária e já
condenados em dezenas de processos trabalhistas em algo mais profundo: agentes
econômicos estruturalmente devedores, cuja operação empresarial se mantém
por meio da inadimplência reincidente e deliberada de
obrigações salariais e previdenciárias.
Segundo a fonte do DCM, inclusive, nenhum dos
postos de gasolina, possuem ativos para quitar as suas dívidas, sendo
necessário, até mesmo, buscar penhora de “gasolina” para tentar honrar as
obrigações trabalhistas devidas aos empregados.
As ações relatadas envolvem, em sua maioria, não
pagamento de verbas rescisórias, FGTS e contribuições previdenciárias, além
de dispensas sem quitação e execução frustrada de sentenças —
configurando o padrão clássico de quem utiliza sucessões empresariais e
encerramentos formais para mascarar o mesmo núcleo de gestão.
Essa dimensão trabalhista reforça o que o próprio
Conselho de Contribuintes de Minas Gerais já havia apontado no âmbito fiscal:
a presença de dolo e simulação na condução das empresas ligadas aos
Picarro. A reincidência em esferas distintas — fiscal, econômica e
trabalhista — revela uma consistência delituosa, onde a fraude não
é acidente, mas método.
Campanha de desinformação contra a regulação financeira
O deputado Nikolas Ferreira operou uma
campanha massiva de desinformação em suas redes sociais, atacando o Pix e a
regularização fiscal, incentivando deliberadamente o uso de dinheiro vivo.
Em publicações de tom alarmista, o parlamentar distorceu
sistematicamente a Instrução Normativa nº 2.219/2024 — que ampliava o envio de
informações agregadas por fintechs para fins de fiscalização, com o objetivo de
combater fraudes e lavagem de dinheiro.
Nikolas alegava, de forma maliciosa e
alarmista, que haveria “fiscalização indiscriminada” de Pix e contas, o que
gerou pânico artificial.
A repercussão contribuiu, de acordo com autoridades de forma
decisiva para inviabilizar a norma, que justamente visava coibir esquemas de
lavagem de capitais e sonegação fiscal — representando uma vitória direta para
estruturas criminosas que dependem da opacidade financeira para operar.
A ironia se tornou evidente quando a Operação Carbono Oculto
expôs a sofisticada infiltração do PCC no sistema financeiro formal,
confirmando precisamente os riscos que a norma criticada e que Nikolas buscou
inviabilizar a sua aprovação pretendia mitigar. O conteúdo desinformativo do
deputado voltou a circular.
Em face dessa campanha, o deputado Rogério Correia (PT-MG)
protocolou, em agosto de 2025, na Procuradoria-Geral da República, uma
notícia-crime solicitando a abertura de inquérito no Supremo Tribunal Federal
(STF) para investigar quatro possíveis crimes cometidos por Nikolas
Ferreira: divulgação de informações falsas ou incompletas sobre
instituições financeiras (art. 3º da Lei 7.492/1986), favorecimento
indireto à lavagem de dinheiro (Lei 9.613/1998), obstrução de
investigações de organizações criminosas (Lei 12.850/2013) e até
mesmo associação para o tráfico de drogas (Lei 11.343/2006),
caso se comprove vínculo entre a desinformação disseminada e a movimentação de
recursos ilícitos do PCC.
A peça argumenta que o resultado objetivo de sua conduta
beneficiou concretamente organizações criminosas, independentemente da
existência de vínculo direto, ao sabotar mecanismos de rastreamento financeiro.
Resta saber se as autoridades investigarão a fundo essas
conexões com os carteis de combustíveis e doadores opacos— ou se Nikolas
Ferreira continuará operando na interseção conveniente entre discurso
antissistema e interesses do submundo financeiro.


Cacem o mandato e prendam Nicolas Ferreira.
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