Editorial da Folha de S. Paulo
Quando disputou uma cadeira na Câmara dos Deputados na
eleição de 2010, Francisco Everardo Oliveira Silva, o Tiririca, tornou famoso o
bordão "pior do que está não fica". A frase funcionou como slogan de
campanha, mas falhou como previsão da realidade.
Eleito deputado federal mais votado do Brasil, Tiririca pôde
testemunhar que a Câmara, em pelo menos um ponto, tornou-se pior desde então.
Em vez de combater o número excessivo de faltas dos parlamentares, a Casa
desobrigou de vez os deputados de trabalhar às segundas e sextas-feiras.
Com a recente modificação no regimento, oficialmente os
deputados têm de comparecer só de terça a quinta, quando se realizam sessões de
votação no plenário, de presença obrigatória. De quebra, essas reuniões, que
antes poderiam ocorrer às 11h e às 16h, agora ficam restritas ao período da
tarde.
A consagração da nova rotina terá impacto apenas formal. A
Câmara já perdoava ausências em caso de tratamento de saúde, morte de familiar,
missão oficial ou atividade político-partidária. Do total de quase 6.500 faltas
registradas neste ano (até 17 de outubro), 88% haviam sido anistiadas.
Quando a justificativa é aceita, não há nenhum prejuízo ao
bolso do parlamentar. Nas outras raras situações, o deputado perde cerca de R$
800 por dia de ausência (o salário é de R$ 26,7 mil). Se as faltas não abonadas
chegarem a um terço das sessões com votação, o deputado perde o mandato.
Com tanta leniência da direção da Casa, não surpreende que
os deputados não se esforcem em participar das sessões obrigatórias. Segundo
levantamento feito por esta Folha, apenas 18 parlamentares foram a todas as 70
votações na Câmara neste ano --um deles é o deputado Tiririca, que já disse não
fazer mais que sua obrigação.
Entre os demais, quase 30% faltaram a mais de 17 sessões e
três quartos dos deputados não foram a no mínimo sete votações. Os dez
parlamentares mais faltosos estiveram ausentes em pelo menos metade das vezes.
O recordista é João Lyra (PSD-AL), que compareceu a 10 das 70 sessões
obrigatórias. Ele alega motivos de saúde.
Nem seria preciso acrescentar às contas os dois recessos a
que os deputados têm direito --somando 55 dias sem atividades-- para concluir
que nenhum outro trabalhador brasileiro tem tantas folgas.
Em 2010, Tiririca brincava na campanha: "O que é que
faz um deputado? Na realidade, eu não sei. Mas vote em mim que eu te
conto".
Hoje, com alguma dose de humor, ele poderia, diante da mesma
pergunta, responder, sobre vários de seus colegas, que ainda não sabe o que
eles fazem.
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