Artigo de Fernando Gabeira publicado no O Estado de São Paulo
Esse é o título de um artigo que me encomendou a Fundação
Herbert Daniel. Resolvi levar a proposta ao pé da letra e destaquei o Brasil
que saiu das urnas: eleitores que votaram nulo ou declararam em pesquisas que
só votaram porque era obrigatório. Não só em São Paulo, como em todo o Brasil,
muita gente deu as costas para a política. Aos partidos só interessa
contabilizar os ganhos. Mas o crescimento da abstenção enfraquece o processo
político.
Um dos fatores de desencanto com a política é a corrupção.
Mas não só ela deve ser focada. O julgamento do mensalão no STF é uma semente
de confiança cujos frutos ainda não foram de todo colhidos. Esta semana o STF
julgou também se o amianto deveria ser proibido. O Congresso Nacional não se
manifestou sobre o tema. Havia projeto e inúmeras audiências foram realizadas,
até com especialista estrangeiros. A maioria não se interessou.
O declínio da política se expressa ainda nas questões que
são decididas pela Justiça, pois os congressistas não querem abordá-las. Sem
desmerecer o esforço do STF, o amianto é um tema político, pois transcende a
proibição. Implica definição do phase-out, o tempo para desmobilizar a
indústria existente, e recursos para transitar rumo a outras atividades
econômicas. Muitas questões minoritárias têm sido transferidas para o STF. E
alguns líderes desses movimentos consideram isso positivo, com o argumento de
que o Congresso é conservador, logo, são maiores as chances de vitória entre os
ministros do STF.
Não importa se o Congresso é ou não conservador. As questões
precisam passar por seu crivo, pois os eleitos foram escolhidos para isso: é a
democracia. Os dois elementos combinados, corrupção e ausência do Congresso,
contribuem para enfraquecer a legitimidade do processo político.
O programa Brasil sem Miséria está sofrendo com desvios em
várias cidades. A leitura de que não há rigor no combate à corrupção acaba
ressuscitando a frase que tanto ouvimos no passado: ou todos se locupletam ou
se restaure a moralidade.
Muito se falou da influência do julgamento do mensalão nas
eleições. Ele segue seu rumo, para além do processo eleitoral. Algumas penas
ainda serão definidas e um condenado, Marcos Valério, quer depor de novo. Ele
reaparece tocando em temas escolhidos a dedo para incomodar o PT: Lula sabia do
mensalão? Como foi o assassinato de prefeito de Santo André? De onde surgiu o
dinheiro apreendido pela Polícia Federal em 2006 com militantes do PT, os
chamados aloprados? O PT acha um ultraje voltar a tais temas. Atribui esse
incessante retorno aos adversários que não se conformam com o novo poder no
País. Não parou para refletir sobre sua versão dos três fatos. Se o fizesse,
entenderia que os adversários só se aproveitam de uma fragilidade
incontestável: as histórias não convencem e fazem um permanente convite à busca
da versão definitiva. São temas inescapáveis, mas não os únicos na agenda.
O PT venceu em São Paulo e outras cidades metropolitanas. É
a chance que tem de articular, a partir da capital, uma verdadeira aliança da
metrópole para enfrentar seus maiores problemas. O fato de muitas cidades serem
dirigidas pelo mesmo partido ajuda, mas não é condição necessária. Políticas
metropolitanas deveriam ser articuladas entre partidos diferentes. Durante a
campanha Dilma insinuou que seria mais fácil a cidade crescer em sintonia com o
governo federal. A palavra que usou é a de sempre: parceria. A julgar pelo tom
da campanha, as parcerias só se realizam entre partidos da mesma coligação.
Salvador e Manaus, por exemplo, estariam fora dessa possibilidade. É este o
principal argumento dos candidatos oficiais: se não votarem em mim, a cidade
não vai obter recursos de Brasília.
Na semana do furacão Sandy, Barack Obama fez questão de
procurar o governador de Nova Jersey em busca de ajuda articulada. São de
partidos diferentes. Mas ao menos tentam derrubar o mito segundo o qual um
adversário deve ser tratado a pão e água para que não cresça. Numa cultura
política em que o PT é o partido dominante e o objetivo parece ser isolar e
destruir quem se opõe a ele, o gesto de Obama deveria ser considerado. Nos EUA
havia um desastre em curso, dirão alguns. Mas o princípio da cooperação que
vale para o desastre também é válido para grandes opções cotidianas.
A atrofia da vida política brasileira manifesta-se ainda em
outras áreas. Muitos abraçam a Petrobrás e se dispõem a lutar por ela como nos
anos 50. Quando a empresa vê seu lucro reduzido e enfrenta dificuldades no
abastecimento, não há nenhum debate, nem mesmo curiosidade sobre o que ocorreu
por lá. Ao contrário, os deputados seguirão discutindo para onde vão os
royalties do pré-sal, pois a divisão dos recursos parece ser sua única fixação.
O Brasil talvez seja muito grande e complexo para sair
totalmente modificado das urnas municipais. O distanciamento da política já era
sensível nas eleições de 2010. No início do processo Lula dizia aos eleitores
desinteressados: quem não gosta de política acaba sendo dominado por políticos
que não escolheu. Era uma tentativa de fortalecer a ideia de mudança. Porém
duas décadas depois nos vemos de novo diante de um divórcio entre parte da
população e o sistema político. Não se trata apenas de repetir o estímulo à
participação. Isso o TRE faz, tocando o Hino Nacional ao fundo de um anúncio
celebrando as eleições. A questão agora é responder por que o processo de
democratização chegou a este ponto. Seria uma reação comodista de pessoas
satisfeitas com a vida material melhorada? Ou apenas nojo pela sucessão de
escândalos em cachoeira desaguando em gavetas amigas?
A corrupção generalizada e o suicídio do Congresso são
apenas duas pistas. O julgamento do mensalão aparece como marco dessa longa
história. Nele os dois elementos aparecem relacionados: dinheiro público contra
voto parlamentar. Quem não gosta de política está sujeito a ser dirigido por
políticos que despreza. Mas chega um tempo em que a questão não é mais gostar
de política, e sim gostar de si próprio e do País. Nesse tempo, mesmo sem amar
a política, os ausentes podem querer balançar o coreto. Seriam bem-vindos.
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