quinta-feira, 1 de agosto de 2013

ENTREVISTA: MARINA NA EXAME

Daniel Barros, de Exame
São Paulo - As manifestações que pararam as principais cidades brasileiras em junho causaram perda generalizada de popularidade entre os políticos. Marina Silva foi um dos poucos nomes que saíram fortalecidos da onda de protestos.
Não exercer cargo público algum no momento certamente ajudou — mas o fato é que a ex-senadora e ex-ministra do Meio Ambiente do governo Lula cresceu de 16% para 23% na pesquisa de intenções de votos para a Presidência da República em 2014, segundo o Instituto Datafolha.
De acordo com essa pes­quisa, ela enfrentaria Dilma Rousseff no segundo turno se as eleições fossem hoje. Em entrevista a EXAME, Marina disse que a presidente perdeu uma chance histórica de romper com os políticos que “lideram o atraso” brasileiro.
Marina tem em torno de si um grupo de economistas que vêm, desde a candidatura de 2010, ajudando a criar um plano para a anêmica economia bra­sileira. O capitão do time é Eduardo Gian­netti da Fonseca, professor da escola de negócios Insper. Com ele estão Paulo Sandroni, da FGV, e Ricardo Abramovay, da USP.
Mais recentemente, André Lara Resende, um dos formuladores do Plano Real, tem participado das discussões. Na entrevista a EXAME,­ Marina falou sobre a independência do Banco Central, a ameaça da inflação e o impacto para o crescimento dos estímulos ao consumo. Também discutiu as concessões em infraestrutura e a crise da Petrobras. A seguir, os principais trechos da entrevista.
EXAME - Qual é a leitura que a senhora faz das recentes manifestações?
Marina Silva - Essas manifestações não podem ser vistas como um fenômeno isolado do Brasil. É um processo de atualização da política. Aqui, vários sinais já haviam sido dados. Milhões de assinaturas foram coletadas contra questões como o Código Florestal, a usina de Belo Monte e a escolha de Renan Calheiros para presidente do Senado.
No entanto, os políticos continuavam acreditando que eram assinaturas de militantes de sofá. Eu sempre dizia que aquilo ia transbordar do virtual para o real. Era uma questão de tempo. Esses movimentos têm um conjunto de bandeiras, mas o que há de mais rico neles é que estão integrados pela ideia de que o mundo pode ser melhor para todos.
As pessoas dizem que a maneira como os governantes estão operando, na lógica do poder pelo poder, do dinheiro pelo dinheiro, já não as representa mais. Isso é a melhor energia que se pode ter em uma democracia.
EXAME - Qual seria a atitude mais adequada da presidente em relação às manifestações?
Marina Silva - Acho que a presidente Dilma perdeu uma chance histórica de exigir um compromisso programático, em vez de um alinhamento pragmático em troca de cargos e ministérios. Para isso, no entanto, seria necessário um desprendimento em relação à reeleição. Uma energia como essa das ruas, com a qualidade que ela tem, não é para ser reduzida a mera pauta de reivindicações. Se a presidente tivesse percebido que agora existe sustentação política para dar novos rumos à nação, teria criado uma agenda para dar um novo impulso às prioridades do país.
Essa agenda incluiria um compromisso com as questões essenciais, no médio e no longo prazo, independentemente de quem vai ser o governo de plantão. E dentro dela estariam a reforma política e as estratégias para saúde, educação, segurança pública e mobilidade.
EXAME - A senhora se vê num amplo arco de alianças, inclusive com partidos mais tradicionais, no caso de nova candidatura presidencial?
Marina Silva - As pessoas partem do princípio de que isso que está aí é o que é, é o que será e não haverá oportunidade para mais nada. Se for isso, então tem gente que faz melhor do que eu. Se não compreendemos que está sendo demandado um novo arranjo político para o país, então não estamos aprendendo nada com o que está acontecendo nas ruas.
EXAME - A inflação está subindo. O topo da meta virou o centro. A preocupação, hoje, é não romper os 6,5%. O que está dando errado?
Marina Silva - Eu dizia, em 2010, que o atraso na política ia acabar nos levando a perder as conquistas alcançadas a duras penas nos 16 anos anteriores: a estabilidade econômica e a inclusão social.
Quando tivemos a crise financeira em 2008, foram tomadas medidas cor­retas para o estímulo do consumo. Quando o país voltou a crescer, a partir do segundo semestre de 2009, o governo teria de ir puxando o freio do intervencionismo, como agora está sendo feito nos Estados Unidos. Como se fez uma ginástica para chegar a um crescimento de 7,5% em 2010 por razões eleitorais, o governo brasileiro continuou dando os mesmos incentivos quando já não era mais necessário. Isso nos levou a um problema. Atualmente, o próprio tripé da estabilidade econômica está sendo comprometido, sobretudo em relação à inflação.
EXAME - A senhora acha que a independência do Banco Central por lei ajudaria a consolidar nosso tripé macroeconômico?
Marina Silva - Não é necessária uma lei para dizer que não devo comer açúcar de manhã, à tarde e à noite para não me tornar diabética. Não precisa da institucionalização. Até porque já tivemos experiências no governo de Fernando Henrique e no de Lula em que havia essa autonomia. Mas controlar a inflação por meio da elevação de juros é apenas um dos instrumentos. O gasto público também precisa ser controlado. Como se cria uma cultura de controle do gasto público se a governabilidade é feita da distribuição indiscriminada de mais e mais pedaços do Estado? Se há 39 ministérios?
EXAME - A infraestrutura do Brasil está incompatível com a dimensão da economia. O país teria a ganhar com uma rodada agressiva de concessões à iniciativa privada nesse setor?
Marina Silva - As concessões estão sendo feitas agora, mas com um atraso de oito anos. Houve uma grande resistência no início. Depois, tentou-se abrir com um nível de interferência governamental tamanho que ninguém se dispôs a entrar no processo. Mas já tem uma aprendizagem que começa a acontecer.
É preciso dizer que queremos um serviço de qualidade, com um preço acessível para as pessoas. E permitir uma taxa de retorno que não inviabilize a qualidade e o acesso ao serviço. Se fechar a taxa de retorno, tira-se a possibilidade da concorrência.
EXAME - A senhora é uma entusiasta da exploração do pré-sal?
Marina Silva - Por enquanto, o petróleo ainda é um mal necessário. A possibilidade de ter os recursos do pré-sal faz sentido para usá-los em educação, tecnologia e inovação. Ou seja, investimentos que nos levem a sair da dependência do petróleo, usando o dinheiro para investir em novas fontes de energia. Isso criaria um novo ciclo virtuoso.
O potencial da energia extraída do bagaço de cana equivale a quatro usinas de Belo Monte. Já temos a possibilidade de geração de energia eólica mais barata do que as termelétricas. Investindo em energia solar, eólica, de biomassa e hidroeletricidade, o Brasil tem condições de se tornar autossuficiente em energia limpa, renovável e segura. Para isso, precisa fazer os investimentos. Isso traria um novo boom econômico para o país.
EXAME - Mas, na exploração do pré-sal, a senhora é contra a regra que obriga a Petrobras a ser a operadora de todos os consórcios, com no mínimo 30% de participação?
Marina Silva - Esse não é o problema. Os problemas são outros. Primeiro, encontrar a tecnologia segura, que nos livre dos riscos de uma exploração de petróleo em águas profundas. Depois, o gás de xisto dos Estados Unidos, que vai transformá-los em um país com autonomia na produção de energia.
E também as surpresas na hora de explorar, porque nem sempre o que se apresenta como possibilidade se transforma em realidade. Eike Batista que o diga.
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