Daniel Barros, de Exame
São Paulo - As manifestações que pararam as principais
cidades brasileiras em junho causaram perda generalizada de popularidade entre
os políticos. Marina Silva foi um dos poucos nomes que saíram fortalecidos da
onda de protestos.
Não exercer cargo público algum no momento certamente ajudou
— mas o fato é que a ex-senadora e ex-ministra do Meio Ambiente do governo Lula
cresceu de 16% para 23% na pesquisa de intenções de votos para a Presidência da
República em 2014, segundo o Instituto Datafolha.
De acordo com essa pesquisa, ela enfrentaria Dilma Rousseff
no segundo turno se as eleições fossem hoje. Em entrevista a EXAME, Marina
disse que a presidente perdeu uma chance histórica de romper com os políticos
que “lideram o atraso” brasileiro.
Marina tem em torno de si um grupo de economistas que vêm,
desde a candidatura de 2010, ajudando a criar um plano para a anêmica economia
brasileira. O capitão do time é Eduardo Giannetti da Fonseca, professor da
escola de negócios Insper. Com ele estão Paulo Sandroni, da FGV, e Ricardo
Abramovay, da USP.
Mais recentemente, André Lara Resende, um dos formuladores
do Plano Real, tem participado das discussões. Na entrevista a EXAME, Marina
falou sobre a independência do Banco Central, a ameaça da inflação e o impacto
para o crescimento dos estímulos ao consumo. Também discutiu as concessões em
infraestrutura e a crise da Petrobras. A seguir, os principais trechos da
entrevista.
EXAME - Qual é a leitura que a senhora faz das recentes
manifestações?
Marina Silva - Essas manifestações não podem ser vistas como
um fenômeno isolado do Brasil. É um processo de atualização da política. Aqui,
vários sinais já haviam sido dados. Milhões de assinaturas foram coletadas
contra questões como o Código Florestal, a usina de Belo Monte e a escolha de
Renan Calheiros para presidente do Senado.
No entanto, os políticos continuavam acreditando que eram
assinaturas de militantes de sofá. Eu sempre dizia que aquilo ia transbordar do
virtual para o real. Era uma questão de tempo. Esses movimentos têm um conjunto
de bandeiras, mas o que há de mais rico neles é que estão integrados pela ideia
de que o mundo pode ser melhor para todos.
As pessoas dizem que a maneira como os governantes estão
operando, na lógica do poder pelo poder, do dinheiro pelo dinheiro, já não as
representa mais. Isso é a melhor energia que se pode ter em uma democracia.
EXAME - Qual seria a atitude mais adequada da presidente em
relação às manifestações?
Marina Silva - Acho que a presidente Dilma perdeu uma chance
histórica de exigir um compromisso programático, em vez de um alinhamento
pragmático em troca de cargos e ministérios. Para isso, no entanto, seria necessário
um desprendimento em relação à reeleição. Uma energia como essa das ruas, com a
qualidade que ela tem, não é para ser reduzida a mera pauta de reivindicações. Se
a presidente tivesse percebido que agora existe sustentação política para dar
novos rumos à nação, teria criado uma agenda para dar um novo impulso às
prioridades do país.
Essa agenda incluiria um compromisso com as questões
essenciais, no médio e no longo prazo, independentemente de quem vai ser o
governo de plantão. E dentro dela estariam a reforma política e as estratégias
para saúde, educação, segurança pública e mobilidade.
EXAME - A senhora se vê num amplo arco de alianças,
inclusive com partidos mais tradicionais, no caso de nova candidatura
presidencial?
Marina Silva - As pessoas partem do princípio de que isso
que está aí é o que é, é o que será e não haverá oportunidade para mais nada.
Se for isso, então tem gente que faz melhor do que eu. Se não compreendemos que
está sendo demandado um novo arranjo político para o país, então não estamos
aprendendo nada com o que está acontecendo nas ruas.
EXAME - A inflação está subindo. O topo da meta virou o
centro. A preocupação, hoje, é não romper os 6,5%. O que está dando errado?
Marina Silva - Eu dizia, em 2010, que o atraso na política
ia acabar nos levando a perder as conquistas alcançadas a duras penas nos 16
anos anteriores: a estabilidade econômica e a inclusão social.
Quando tivemos a crise financeira em 2008, foram tomadas
medidas corretas para o estímulo do consumo. Quando o país voltou a crescer, a
partir do segundo semestre de 2009, o governo teria de ir puxando o freio do
intervencionismo, como agora está sendo feito nos Estados Unidos. Como se fez
uma ginástica para chegar a um crescimento de 7,5% em 2010 por razões
eleitorais, o governo brasileiro continuou dando os mesmos incentivos quando já
não era mais necessário. Isso nos levou a um problema. Atualmente, o próprio
tripé da estabilidade econômica está sendo comprometido, sobretudo em relação à
inflação.
EXAME - A senhora acha que a independência do Banco Central
por lei ajudaria a consolidar nosso tripé macroeconômico?
Marina Silva - Não é necessária uma lei para dizer que não
devo comer açúcar de manhã, à tarde e à noite para não me tornar diabética. Não
precisa da institucionalização. Até porque já tivemos experiências no governo
de Fernando Henrique e no de Lula em que havia essa autonomia. Mas controlar a
inflação por meio da elevação de juros é apenas um dos instrumentos. O gasto
público também precisa ser controlado. Como se cria uma cultura de controle do
gasto público se a governabilidade é feita da distribuição indiscriminada de
mais e mais pedaços do Estado? Se há 39 ministérios?
EXAME - A infraestrutura do Brasil está incompatível com a
dimensão da economia. O país teria a ganhar com uma rodada agressiva de
concessões à iniciativa privada nesse setor?
Marina Silva - As concessões estão sendo feitas agora, mas
com um atraso de oito anos. Houve uma grande resistência no início. Depois,
tentou-se abrir com um nível de interferência governamental tamanho que ninguém
se dispôs a entrar no processo. Mas já tem uma aprendizagem que começa a
acontecer.
É preciso dizer que queremos um serviço de qualidade, com um
preço acessível para as pessoas. E permitir uma taxa de retorno que não
inviabilize a qualidade e o acesso ao serviço. Se fechar a taxa de retorno,
tira-se a possibilidade da concorrência.
EXAME - A senhora é uma entusiasta da exploração do pré-sal?
Marina Silva - Por enquanto, o petróleo ainda é um mal
necessário. A possibilidade de ter os recursos do pré-sal faz sentido para usá-los
em educação, tecnologia e inovação. Ou seja, investimentos que nos levem a sair
da dependência do petróleo, usando o dinheiro para investir em novas fontes de
energia. Isso criaria um novo ciclo virtuoso.
O potencial da energia extraída do bagaço de cana equivale a
quatro usinas de Belo Monte. Já temos a possibilidade de geração de energia
eólica mais barata do que as termelétricas. Investindo em energia solar,
eólica, de biomassa e hidroeletricidade, o Brasil tem condições de se tornar
autossuficiente em energia limpa, renovável e segura. Para isso, precisa fazer
os investimentos. Isso traria um novo boom econômico para o país.
EXAME - Mas, na exploração do pré-sal, a senhora é contra a
regra que obriga a Petrobras a ser a operadora de todos os consórcios, com no
mínimo 30% de participação?
Marina Silva - Esse não é o problema. Os problemas são
outros. Primeiro, encontrar a tecnologia segura, que nos livre dos riscos de
uma exploração de petróleo em águas profundas. Depois, o gás de xisto dos
Estados Unidos, que vai transformá-los em um país com autonomia na produção de
energia.
E também as surpresas na hora de explorar, porque nem sempre
o que se apresenta como possibilidade se transforma em realidade. Eike Batista
que o diga.
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