Por Dora Kramer, colunista do O Estado de S. Paulo
A narrativa da tentativa de criar um partido a tempo de
concorrer por ele à eleição de 2014 não foi das melhores, mas o desfecho ante a
adversidade da recusa do registro da Rede foi um lance político admirável, como
há muito não se via.
Inesperado, surpreendente, competente, pragmático no melhor
sentido da palavra e feito em termos decentes, o acordo entre a ex-senadora
Marina Silva e o governador Eduardo Campos dá um sacode geral nos preparativos
para a campanha presidencial.
É cedo para dizer se de fato muda o cenário da eleição, mas
sem dúvida alguma altera o quadro de acordos e a correlação de forças nesse
período pré-eleitoral. Um movimento taticamente irrepreensível mais não seja
por ter subvertido o previsível.
As maneiras adotadas devolvem um pouco de altivez à
atividade política por pautadas em estratégia, identificação de propósitos e
definição de um objetivo claro: derrotar os atuais condôminos do poder. Muito
mais legítimo que o festival de chantagens e barganhas que tem conduzido
conversas entre partidos. Nesse sentido, o acordo fechado na sexta-feira à
noite é um ponto fora da curva no padrão lamacento em vigor.
Mostrou que Marina não se põe acima do bem e do mal como
muitas de suas atitudes ao molde de maria santíssima levam a crer. Venceu a
tentação da omissão e foi ao jogo sem abrir mão da coerência. Entendeu que quem
tem voto precisa saber conferir materialidade a eles para além do terreno das
boas intenções.
A aliança dificulta a vida do PSDB? Sem dúvida, mas esta já
não estava fácil mesmo. Tem mais a perder quem dispõe de mais e se imaginava
com a vida ganha. O PT, como atesta a entrevista do marqueteiro João Santana à
revista Época desta semana, fazendo pouco dos adversários da chefe, Dilma
Rousseff.
Segundo ele, a presidente será reeleita no primeiro turno
devido a um fenômeno denominado por Santana de "antropofagia de
anões". Mais que uma precipitação, a declaração mostra-se ofensiva ao
falar em "anões". Na política, o termo evoca aquele grupo que nos
anos 90 tomava de assalto a Comissão de Orçamento no Congresso e foi alvo de
CPI que ceifou mandatos.
Do ponto de vista das pesquisas, Marina, Campos, Aécio Neves
e José Serra podem ser tidos como nanicos em face da dianteira da presidente.
Mas sob o aspecto político fazem movimentos na direção do fortalecimento do
campo oposicionista.
A permanência de Serra no PSDB impede a fragmentação dos
eleitores fiéis ao partido. A aliança entre Marina e Campos confere substância
mútua e, portanto, importância, a uma alternativa.
Ela dá a ele potencial de capital eleitoral, a chancela do
"novo". Ele agrega estrutura, expectativa de financiamento,
passaporte ao Nordeste, densidade no quesito confiança administrativa. Um quê
de tradicionalismo às vezes ajuda na compreensão da maioria ainda pouco afeita
a modernismos.
Se essa receita vai resultar em êxito, é outra história a
ser contada a partir de agora pela capacidade de articulação entre os grupos
que se juntam, de conquistar adesões partidárias, de construir um discurso
atrativo ao eleitorado, de firmar compromissos nítidos com a sociedade.
Não se pode, entretanto, subestimar a reação do governo. O
ex-presidente Lula, tido como o mais esperto entre todos os espertos, levou uma
volta de dois ex-aliados. Não vai se conformar nem medir esforços no contra-ataque
que, ninguém se iluda, avizinha-se dos mais pesados.
Passe livre. Na conversa de sexta-feira à noite em Brasília,
Eduardo Campos assegurou a Marina que o PSB não criará obstáculos à sua
desfiliação do partido quando a Rede Sustentabilidade obtiver o registro na
Justiça Eleitoral.
Passadas as eleições, bem entendido, porque antes disso a
nova legenda não terá condições legais de participar de coligações eleitorais.
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