Artigo de Marina Silva publicado na Folha de S. Paulo
Encontro muitos jovens que expressam um forte desejo de
mudança na política, na economia, na sociedade. Acolho a todos, como
mantenedora de utopias (título que pretensiosamente me dei), mas sempre
esclareço: mudanças não nascem de repente, o novo não brota do nada. A biologia
ensina que todo organismo se firma preservando alguma estrutura anterior.
Aprendi essa lição ao longo da vida e um de meus professores
foi o ex-presidente Lula, que decerto não esqueceu os emocionantes dias de sua
campanha nas eleições de 2002. Na turbulência causada pela iminência de sua
vitória, lançou a "Carta aos Brasileiros", expressando o compromisso
de manter as conquistas do Plano Real e as bases da estabilidade econômica
herdadas de seu antecessor, Fernando Henrique. Deu uma lição de grandeza
política que procurei aprender, não apenas "decorar".
Lula manteve na equipe econômica pessoas como Joaquim Levy e
Marcos Lisboa, nomeou o tucano Henrique Meirelles para o Banco Central -- a
quem deu status de ministro--, manteve contato com economistas que seu partido
acusava de "neoliberais" e fez de Delfim Netto uma espécie de
conselheiro.
A conservação da estabilidade econômica propiciou avanços
nos programas sociais. Um documento intitulado "A Agenda Perdida",
elaborado por um grupo suprapartidário de economistas e pesquisadores, forneceu
subsídios para muitas ações do governo de Lula, que também buscou referências
nos planos anteriores de combate à miséria, incluindo as experiências da
prefeitura de Campinas, do governo de Cristovam Buarque no DF e as propostas da
comissão de combate à pobreza, que propus no Senado para aperfeiçoar o fundo de
combate à pobreza antes proposto por ACM.
Lula e FHC tiveram sabedoria de aproveitar as bases já
assentadas nos períodos anteriores para avançar. Sendo coerentes com essa
lição, além de dar crédito a esses líderes, que deixaram suas marcas, devemos
dar um passo adiante: desfulanizar as conquistas que o Brasil obteve com eles.
A estabilidade econômica e a inclusão social não são de autoria exclusiva de
Lula e FHC. Foram e continuam sendo exigências da sociedade, mostras da
evolução do povo brasileiro após conquistar a democracia --outra conquista da
qual ninguém pode arrogar-se dono ou autor.
Por isso, digo aos mais jovens: conheçam a história, para
evitar que seja reescrita. Honrem as realizações das gerações anteriores. Mas
não sejam meros "continuadores", pois a democracia, a economia e os
direitos sociais devem ser aperfeiçoados e inseridos num novo modo de
desenvolvimento, sustentável, adequado aos tempos presentes e futuros.
O passado ensina. O futuro inspira.
Marina Silva, ex-senadora, foi ministra do Meio Ambiente no
governo Lula e candidata ao Planalto em 2010. Escreve às sextas na versão
impressa da Folha de S. Paulo, página A2.
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