Editorial de O Estado de S.Paulo
Bem que o ex-presidente Lula reclamou da sua afilhada Dilma
Rousseff por "trazer para dentro do Planalto" a crise, até então
restrita à Petrobrás, da compra da metade da Refinaria de Pasadena, em 2006. O
que motivou o desolado comentário do mentor, em conversa com petistas, foi a já
afamada nota da presidente ao Estado, em 17 de março passado, na qual
confirmava que, na condição de titular do Conselho de Administração da estatal,
aprovara a transação, que anos depois daria um prejuízo de US$ 530 milhões,
apenas com base em um parecer de página e meia, "técnica e juridicamente
falho", preparado pelo diretor da área internacional da empresa, Nestor
Cerveró. Só mais tarde, segundo a sua versão, ela teria descoberto que o texto
omitira duas cláusulas potencialmente lesivas à petroleira. Se delas tivesse
tido conhecimento à época da decisão, garantiu, "seguramente" teria
se oposto à compra.
Na semana passada, em depoimentos distintos na Câmara e no
Senado, Cerveró, recém-demitido de um cargo na BR Distribuidora para o qual
tinha sido removido, e a presidente da Petrobrás, Graça Foster, cuidaram, cada
qual a seu modo, de manter a chefe do governo longe do fogo. Ela, por sua vez,
saiu alegando que, ao propor uma CPI sobre esse e outros casos suspeitos, a
oposição iniciara uma "campanha negativa" contra a empresa para, ao
fim e ao cabo, promover a sua privatização. A blindagem de Dilma não estava,
porém, completa. Faltou combinar - se é que teria sido possível - com o
ex-presidente da Petrobrás José Sérgio Gabrielli, o primeiro defensor da
parceria com o grupo belga Astra Oil, proprietário da refinaria. Numa
entrevista a este jornal, publicada domingo, disse deliberadamente: "Não
posso fugir da minha responsabilidade (pelo negócio), do mesmo jeito que a
presidente Dilma não pode fugir da responsabilidade dela".
Assim como a nota oficial de Dilma, as palavras de Gabrielli
são uma defesa prévia diante dos eventuais desdobramentos da admissão de Graça
Foster de que a Petrobrás enterrou US$ 1,249 bilhão em Pasadena, segundo as
contas oficiais. Com o argumento de que, em última análise, foi induzida a erro
ao endossar a primeira parte da desastrosa transação, a presidente tentou
resguardar-se da acusação de negligência, ou de ter cometido um ato de gestão
temerária. Já Gabrielli, ao compartilhar a responsabilidade com Dilma, alvejou
quem não gostava de sua gestão e tampouco disse uma palavra em sua defesa desde
que o caso eclodiu. Ele não se limitou a isso. Reconhecendo que o Conselho não
teve acesso às cláusulas citadas pela presidente, considerou-as irrelevantes.
Por fim, na contramão do que ela escreveu sobre o que seguramente faria se as
conhecesse, disse acreditar que o colegiado, ainda assim, "teria
aprovado" a operação.
A diferença entre a manifestação de Dilma e a de Gabrielli é
que a dela foi uma decisão solitária, temperamental - e, afinal de contas,
contraproducente. Já a dele decerto resultou de conversas com seu bom
companheiro Lula, que foi quem lhe entregou o comando da Petrobrás. Talvez
Gabrielli tenha sido um pouco mais incisivo do que o ex-presidente apreciaria -
a única concessão a Dilma na entrevista foi achar "legítimo que ela tenha
dúvidas". Mas demarcou o seu território para o que der e vier e reiterou
que a compra da refinaria "foi um bom negócio para a conjuntura de 2006,
um mau negócio para a conjuntura de 2008 a 2011 e voltou a ser bom em 2013 e
2014". Só que, em 2007, a Petrobrás teria se recusado a revender à sua
antiga proprietária, como esta queria, a metade que dela havia comprado,
conforme noticiou ontem a Folha de S.Paulo. Coisas assim explicam o ostensivo
empenho do governo em impedir a abertura de uma investigação parlamentar sobre,
antes de tudo, as possíveis malfeitorias escondidas no subsolo de Pasadena.
Outras dúvidas pairam sobre a conduta da então dublê de
ministra da Casa Civil e conselheira chefe da Petrobrás. Não é crível que, numa
função ou na outra, ela tenha ignorado um ano das negociações com a Astra Oil,
sabendo apenas acerca do seu desfecho o que constava no tal resumo executivo. E
se, mesmo assim, aprovou a transação, foi - a palavra é esta - irresponsável.
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