Por Dora Kramer, colunista de O Estado de S.Paulo
Convenhamos: no que mesmo o ex-presidente Luiz Inácio da
Silva ajuda a campanha pela reeleição da presidente Dilma Rousseff quando trata
com menosprezo questões que têm o apoio da população?
A capacidade de Lula de dizer coisas desprovidas de sentido
é conhecida, faz parte do seu show. A novidade é a tendência de fazê-lo em
contradição ao manual do populismo, cuja regra de ouro é dizer coisas que soem
agradáveis, sábias e lógicas aos ouvidos da maioria.
Nessa fase em que volta com força à cena política
convenientemente protegido por plateias simpáticas ou por entrevista à imprensa
estrangeira que nem sempre dispõe de todos os dados da realidade nacional para
contestá-lo, o ex-presidente tem fugido à sua prática de não entrar em
divididas com o senso comum.
Há três exemplos recentes. Comecemos pelo último por ser, do
ponto de vista dessa mudança de comportamento, o mais eloquente.
Se não falasse a blogueiros reverentes, mas a um público
eclético que encontrasse na rua (onde, aliás, não tem circulado), Lula teria a
ousadia de dizer que considera uma tolice (em expressão mais grosseira) as
pessoas quererem estações de metrô nos estádios de futebol? Na melhor das
hipóteses seria educadamente contestado. Na pior, estrepitosamente vaiado.
Nem o mais insensível integrante da "zelite" seria
capaz de um pouco caso desta ordem: "Nós (os brasileiros) não temos
problema em andar a pé". Os torcedores, acrescentou, vão aos estádios de
qualquer jeito: "descalço, de bicicleta, de jumento".
Sim, e também vão de ônibus lotados, em seus carros para
serem extorquidos pelos guardadores. Mas, por que precisam ter desqualificado o
natural anseio por um maior conforto urbano? Ou Lula está dizendo que o
brasileiro deve se conformar com pouco? Se não quis, disse. Que transporte
público de qualidade é luxo desnecessário, dispensável para quem anda sem
sapatos e, se preciso for, se locomove no lombo de jumentos. Certamente não por
escolha.
Lula, por boa contingência da vida, conta com transporte
terrestre e aéreo à disposição, trata da saúde no Sírio-Libanês e não enfrenta
desconfortos do cotidiano. Nada contra, desde que não faça pouco caso de quem
se ache no direito de querer algo além de comida (cara) no prato, serviços
públicos de péssima qualidade e apelos à gratidão eterna para um governo que se
tem na conta de inventor do Brasil.
No terceiro caso o ex-presidente fez uma conta em entrevista
a uma jornalista portuguesa: o julgamento do mensalão foi 20% jurídico e 80%
político. Pois segundo as pesquisas, é mais ou menos este último o porcentual
de brasileiros que consideram o resultado justo.
O apoio quase unânime da população às condenações feitas
pelo STF significa reconhecimento de que houve um tratamento equânime no
julgamento de crimes cometidos por poderosos, algo que vai ao encontro de uma
aspiração civilizatória. As pessoas se sentiram bem.
Repetindo o raciocínio acima: o ex-presidente teria coragem
de repetir - e mais, justificar - essa argumentação em discurso para público
não selecionado previamente? Dificilmente.
Assim como seria de se ver para crer se Lula defenderia o
controle dos meios de comunicação que, segundo ele, tratam com
"desrespeito" a presidente Dilma Rousseff, diante das mesmas plateias
que a têm recebido com vaias.
Ressurreição. Para o governo não é uma boa notícia a ordem
do ministro Teori Zavascki para soltar os presos da Operação Lava Jato,
notadamente o doleiro Alberto Youssef e o ex-diretor da Petrobrás Paulo Roberto
Costa.
Até agora quem porventura teme o que teriam a dizer estava
salvo. Soltos, serão alvo de pressão para falar no Congresso. Seja em alguma
das CPIs para investigar a Petrobrás ou nas comissões da Câmara e do Senado. O
assunto ganha novo gás.
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