Há exatos 40 anos, prestes a completar 29 anos, morria o
homem que foi o símbolo da luta pelos direitos humanos na ditadura militar:
Tito de Alencar Lima, conhecido como Frei Tito.
Enforcou-se na zona rural do convento de L’Arbresle, nos
arredores de Lyon, França, já enlouquecido pelo trauma de ter passado 14 meses
nos porões da ditadura militar.
A tragédia que tirou a vida do frei acontecera na noite do
dia dez de agosto de 1974, quando a repressão da qual ele foi vítima ainda
continuava a prender, torturar e assassinar no Brasil.
Pensei em iniciar este resumo com os nomes dos seus
torturadores conhecidos, porém a náusea não me permitiu.
Desde muito novo Tito concluíra que só a vida religiosa
daria sentido luminoso aos seus passos e que só na Igreja – consoante visões
febris de Isaias – viria fazer justiça aos pobres da terra. Para ele, a Igreja
não é templo dos ricos; ao contrário, é ainda a fraternidade subversiva das
catacumbas romanas, sem profanações do dinheiro, e para sempre incumbida da
construção de um futuro de justiça e liberdade, do futuro sem peias, quando
Deus mesmo estará com seu povo.
Em 1969, Tito cursava Filosofia na Universidade de São Paulo
e já tinha em seu currículo um histórico de militância: fora dirigente regional
e nacional da Juventude Estudantil Católica, um dos movimentos de vanguarda da
militância cristã da época.
Na madrugada do dia 3 para o dia 4 de novembro, Tito foi
preso junto com outros dominicanos no convento em que morava pela equipe do
delegado Sérgio Paranhos Fleury, seu primeiro torturador. Nesse dia, a sua
igreja lhe faltou.
Entre os presos estava Frei Betto, suspeito de participar de
um esquema comandado pelo líder da Aliança Libertadora Nacional (ALN), Carlos
Marighella, grande vulto brasileiro que pregava a luta armada. Começava, assim,
o martírio de Frei Tito e dos seus irmãos. Como instrumento de intriga, os
agentes da repressão espalharam a história que os dominicanos traíram os
participantes da ALN, sendo este mal entendido esclarecido apenas em 1982, com
a publicação do formidável Batismo de Sangue, livro do frei Betto.
Foram vários meses de horrores e vilanias. “Se sobreviver,
jamais esquecerá o preço de sua valentia”, disse-lhe um torturador. O frade
dominicano passou pelo pau-de-arara, sentou na cadeira do dragão e recebeu
choques elétricos na cabeça, nos ouvidos e nos tendões do pé.
Deram-lhe pauladas nas costas, no peito e nas pernas,
incharam suas mãos com palmatória, revestiram-no de paramentos e o fizeram
abrir a boca "para receber a hóstia sagrada" - descargas elétricas na
boca. Queimaram pontas de cigarro em seu corpo e fizeram-no passar pelo
"corredor polonês". Apesar da intensa tortura que sofrera, Frei Tito
nunca falou. “É preferível morrer do que perder a vida”, anotou em sua Bíblia,
depois que um de seus torturadores avisou que, se não falasse, seria quebrado
por dentro.
Em janeiro de 1971, foi banido do país; voou para o Chile e,
depois, para Roma, Paris e Lyon. Mas o sonho da morte o habitava. A tortura que
sofrera no Brasil havia rebentado seu espírito e continuava atormentando-o sem
parar. “Longe vem o retirante... vem dizer que nos esquecemos de amar”, ele
disse nos poemas. Tito sentia “um silêncio de Deus”. Certa vez, escreveu: “Não
busco o céu, mas talvez a terra, um paraíso perdido”. Mas, o paraíso na terra
estava perdido para sempre: em agosto de 1974 Frei Tito livra-se da tortura e
morre, na certeza de poder viver depois da morte.
Na cruz que lhe coube entre os bosques de L’Arbresle, está
gravado: "Frei da Província do Brasil. Encarcerado, torturado, banido,
atormentado até a morte, por ter proclamado o Evangelho, lutando pela
libertação de seus irmãos. Tito descansa nesta terra estrangeira".
A inscrição termina com estas palavras cortantes de Lucas:
“Digo-vos que, se os discípulos se calarem, as próprias pedras clamarão”.
Em 1970, sob custódia da “Operação Bandeirantes”, frei Tito
escreveu sobre a sua tortura num documento que rodou o mundo, tornando-se um
dos símbolos da luta pelos direitos humanos na ditadura. Quando foi solto, em
dezembro do mesmo ano, pediu exílio no Chile, de onde seguiu para Itália e
França.
As feridas de seu corpo cicatrizaram, mas as torturas
deixaram marcas incuráveis em sua alma. Era constantemente atormentado pelos
fantasmas do passado, via Fleury em todos os lugares, ouvia suas ameaças. Fez
terapia, mas de nada adiantou: seus traumas eram demasiadamente profundos.
Enlouquecido, sozinho, atormentado, Tito morreu sob a copa de um álamo. “Se
minha alma está morta, quem a ressuscitará?”, escrevera ele pouco antes de
morrer. Esse discípulo não se calou. Afirmou seus princípios no paraíso da
meninice, nos longos dias de combate e no inferno que finalmente o consumiu.
Quando, só em 25 de março de 1983, o corpo de Frei Tito
chegou ao Brasil, foi realizada em São Paulo uma missa de corpo presente
acompanhada por mais de 4 mil pessoas.
Fontes: jornais e Grupo Tortura Nunca Mais.
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