sexta-feira, 19 de setembro de 2014

A BOLADA DE DILMA

Da Época
Às 19h02 do dia 23 de julho, quando a campanha eleitoral finalmente chegava às ruas e à internet, o publicitário Jeferson Monteiro enviou um e-mail a dois assessores de Franklin Martins, um dos principais conselheiros da presidente Dilma Rousseff. Monteiro é o criador do personagem Dilma Bolada, um fenômeno digital. Dilma Bolada tem 270 mil seguidores no Twitter e 1,5 milhão de fãs no Facebook – mais que o perfil oficial da presidente Dilma (1,1 milhão de fãs). Monteiro sempre negou – nega até hoje – qualquer relação com o PT e a campanha de Dilma. Na noite anterior, retirara subitamente do ar o personagem Dilma Bolada. Ao público, não dera explicações. Apenas confirmara a decisão de matar a personagem, “sem drama e mimimi”. No e-mail à campanha, deu seu recado ao PT. “Apesar de estarmos do mesmo lado, vejo que, muitas vezes, temos pensamentos divergentes”, escreveu aos jornalistas Laércio Portela e Brunna Rosa, os dois assessores da campanha. “Da forma como tudo anda, vejo uma concentração de esforços muito grande para um resultado efetivamente muito pequeno. Lamento que não tenhamos atingido um consenso, mas desejo sucesso a vocês, e espero que a aposta de vocês com as estratégias hoje usadas e a linha de ideias deem certo.” Não mandou um “beijo n’alma”, como faria Dilma Bolada. Encerrou o e-mail com um seco “Abraços”. Era um e-mail de negócios.
Segundo documentos internos da campanha e entrevistas reservadas com três integrantes do comitê à reeleição de Dilma, todos com conhecimento das tratativas entre Monteiro e o PT, o “consenso” a que ele se referia era, sobretudo, financeiro. Desde o começo do ano, Monteiro recebera do PT a promessa de que ganharia um valor mensal, na casa de dois dígitos, para manter no ar Dilma Bolada. Monteiro também queria manter total controle sobre a personagem – ninguém deveria proibi-lo de escrever as tiradas que quisesse. Franklin, responsável pela estratégia digital da campanha petista, não aquiescia. Detestava Monteiro. Nesse assunto, como em outros, atropelava politicamente quem discordasse dele. No partido, muitos não aprovam a estratégia que ele defende: bater pesado nos outros candidatos – sem ligar para a consequência provável disso, o aumento da rejeição.
Uma eleição disputadíssima não admite erros ou deslizes. E, naquela noite de 23 de julho, um senhor erro acontecera na campanha do PT. Correram para convencer Monteiro a ressuscitar Dilma Bolada. Segundo ele relatou a interlocutores, não aguentava mais ser ignorado. Não era recebido por Franklin. Tinha de tratar com Laércio Portela, o assessor de Franklin que recebeu o e-mail. Nem Laércio respondia a seus pedidos. Fora o mesmo Laércio que, meses antes, prometera a ele um ordenado mensal. Apesar dos apelos de alguns dos integrantes da campanha, Monteiro ignorou o conselho para que jogasse limpo com os internautas e admitisse que tinha relações com o comitê de Dilma. Dizia que isso reduziria a “credibilidade” da personagem. Para dificultar ainda mais, Monteiro não queria receber por fora – por caixa dois.
O impasse durou seis dias. O jornal Folha de S.Paulo chegou a noticiar que dinheiro fora a causa da morte de Dilma Bolada. Em seu perfil pessoal, Monteiro afirmou: “Depois da tal notícia, fiquei esperando o fabuloso convite para ser consultor, mas, como eu previa, não chegou. Reafirmo que a Dilma Bolada é inegociável, mas eu não jamais (sic) hesitaria em trabalhar, sobretudo para quem eu gosto. E, já que o boato e a notícia cuidadosamente plantada tornou-se (sic) um fato e foi tomada como verdade por muitos, até mesmo por pessoas próximas a mim, se acontecesse seria ótimo até porque todos já estariam avisados mesmo, né?”. Monteiro foi convencido a botar Dilma Bolada no ar novamente. Agora, contudo, queria meio milhão de reais, apenas para o primeiro turno, e um contrato. O PT topou. Monteiro finalmente resolveu abrir uma empresa para que o contrato possa ser fechado, e o dinheiro transferido. Procurada, a campanha de Dilma disse apenas que “não mantém relação comercial com Jeferson Monteiro”.
Monteiro, carioca de 24 anos que vive em Mesquita, na Baixada Fluminense, mal completara 20 anos quando inaugurou o empreendimento que transformou seu futuro. Não gastou um tostão. Sua marca, Dilma Bolada, fundada nas redes sociais em abril de 2010, ano de eleição presidencial, é um sucesso. Incorporando a “rainha da nação”, Monteiro dá voz a uma Dilma descontraída e gozadora, o oposto da imagem pública da presidente. Hoje, só com o nome de sua musa, Monteiro tem uma conta no Facebook, com quase 1,5 milhão de seguidores; uma no Twitter, com 270 mil; e uma no Instagram, com 93 mil. Com a fama, largou a faculdade de administração e ingressou no curso de publicidade. Foi até convidado ao Palácio do Planalto em setembro de 2013 para anunciar, ao lado da Dilma real, sua volta às redes sociais: “Foi uma honra imensurável ter vivido esse dia que se torna um marco na minha vida pessoal e profissional como comunicador. Nossa Dilminha é incrível, maravilhosa, espetacular”.
À medida que a eleição se aproxima, Dilma Bolada tem sido mais agressiva com os adversários (leia ao fim desta página). No dia 12 de setembro, tuitou para Marina Silva: “Iludida é você, fia. Achando que vai ser presidente se fazendo de vítima e coitada o tempo todo. Se manca!”. Em agosto, poucos dias depois de reativar sua conta, Dilma Bolada disse que o pai do menino de 11 anos cujo braço foi comido por um tigre num zoológico do Paraná deveria ter levado Aécio Neves no passeio. No dia seguinte, criticada pela violência do comentário, disse: “As forças das trevas reclamando porque eu disse que o tigre tinha que comer o Satanécio. Não vai pq o tigre não merece. Podem latir!!! (sic)”.
No Facebook, em que tem mais de 15 mil seguidores, Monteiro publica fotos com o ex-presidente Lula, com a própria presidente Dilma e reportagens contrárias a Marina e Aécio. As fotos mais recentes, da semana passada, mostram Monteiro num evento da campanha de Dilma em Belo Horizonte, um encontro com jovens. Em seus cumprimentos aos jovens na Pampulha, Dilma registrou a presença de Monteiro: “Ele inventou a selfie”, disse ela. Ela própria passou a usar em seu Facebook uma expressão cunhada por Monteiro, “rousselfie”. É também em sua página pessoal que Monteiro dá explicações “institucionais” sobre Dilma Bolada. Num longo texto, em maio, disse que foi assediado por um colaborador da campanha tucana. Segundo Monteiro, a conversa foi levada adiante apenas para ver até onde os adversários iriam. O tal colaborador, Pedro Guadalupe, nega. Diz que Monteiro já até acertara um valor – R$ 500 mil. O título do texto é “Dilma Bolada: Não está a Venda”.
ÉPOCA perguntou a Monteiro sobre o e-mail enviado a Laércio e Brunna. Ele se contradisse. “Nesse dia, não mandei e-mail algum. O e-mail que mandei foi um que relacionava que eu achava que as coisas como estavam acontecendo e a estratégia que estava sendo tomada era uma estratégia... Na verdade, apesar de não ter nenhuma relação, eu conheço várias pessoas”, disse Monteiro. Questionado sobre o contrato prestes a ser fechado com a campanha petista e sobre os valores combinados, Monteiro afirmou: “O que posso garantir é que nunca existiu nenhum tipo de contrato. Se tiver, ainda vai ser feito. Ninguém nunca pautou a Dilma Bolada”.
Dilma Bolada não é a única arma do PT nas redes sociais. A mais rica e poderosa delas é o site Muda Mais, especializado em atacar os adversários de Dilma. Ele chegou a sair do ar na terça-feira passada por decisão do TSE e, depois, voltou. A equipe do site trabalha em Brasília, num local mantido sob estrito sigilo. A busca pelo bunker começou em janeiro. Marqueteiros de Dilma queriam um lugar discreto, longe das luzes do comitê oficial. Após muito procurar, identificaram o local ideal: uma casa verde no final de uma rua pacata do Lago Norte (QI2, conjunto 9), bairro nobre de Brasília. Um homem que se identificara como Alex Mesquita, acompanhado por duas pessoas, escrutinou a propriedade. A partir dali, iniciou as tratativas com uma imobiliária que funciona num antigo prédio da capital federal para fechar o negócio. Alex gostou do preço: R$ 4 mil por mês, uma pechincha para os padrões de Brasília. Para os proprietários, ele disse que ali funcionaria uma empresa destinada a cobrir a Copa do Mundo.
Como fiador do aluguel, Mesquita apresentara Franklin, ex-ministro do governo Lula e influente conselheiro de Dilma. Os três donos da casa – herdeiros após a morte dos pais – aprovaram a papelada da locatária. “Quando soube que era o Franklin Martins o fiador, até relaxei. Ele é famoso”, afirmou um deles. Àquela altura, só faltava mesmo o pagamento para selar o contrato. No dia 25 de fevereiro, foram feitos três  grupos de depósitos em duas contas bancárias ligadas à imobiliária: o primeiro grupo de depósito somava R$ 17 mil; o segundo, R$ 16 mil; e o terceiro, R$ 7 mil. De acordo com os comprovantes, os R$ 40 mil – relativos ao adiantamento por dez meses de aluguel – foram depositados em dinheiro vivo, em agências do Banco do Brasil, sem identificação do depositante.
Em março, com direito a móveis, computadores e jornalistas, nasceu o Muda Mais, um site parapartidário do PT. Apresentava-se como fruto de uma iniciativa espontânea da militância petista. Na verdade, era pensado, estruturado e financiado pela cúpula da campanha de Dilma. O site e seus filhotes virtuais, como contas no Twitter e no Facebook, foram idealizados em outubro do ano passado, numa reunião no Palácio do Planalto entre Franklin, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Dilma e o marqueteiro João Santana. Franklin ressaltava a importância de montar um time específico para atuar nas redes sociais e enfrentar os adversários. Teria de ser um time diferente daquele que cuidava dos sites tradicionais de Dilma e do PT. Era preciso ter liberdade para enfrentar os adversários. Os ataques se tornaram a marca do Muda Mais (leia no quadro ao fim desta página).
Descontente com os golpes do site, Marina acionou a Justiça para tirar o Muda Mais do ar. Conseguiu. Na terça-feira da semana passada, o ministro do Tribunal Superior Eleitoral Herman Benjamin mandou tirar o site do ar. Segundo o ministro, o site deveria parar de funcionar porque não estava registrado na Justiça e estava associado a uma empresa (empresas não podem veicular propaganda eleitoral). Dois dias depois, Benjamin reconsiderou sua decisão. Disse que o site poderia voltar ao ar e que os problemas apontados na decisão anterior seriam facilmente sanados. Foi o que bastou para a turma de Franklin voltar ao ritmo.
ÉPOCA acompanhou a rotina da casa por três dias. O movimento começa por volta das 9 horas. Entre 12h30 e 13 horas, a equipe de Franklin sai para o almoço. Retorna entre 14 horas e 14h30. Antes das 18 horas, boa parte das pessoas vai embora. Tão logo escurece, os refletores são ligados. Na terça-feira, ÉPOCA localizou um dos donos da casa. Ao ser informado que ela era usada para a campanha da presidente Dilma, o proprietário tomou um susto. “Meu Deus. Não tinha a menor noção do que eles faziam lá dentro. Achei que tinha alguém morando lá”, disse. “Não pode funcionar um negócio ali. É uma área residencial.” Em Brasília, em razão do projeto urbanístico, existe uma separação entre os setores residenciais e de comércio ou serviços. Não pode haver residência no setor comercial, nem comércio no setor residencial. Quem descumpre a regra fica sujeito a uma multa e até a apreensão do material usado no negócio.
Um carro de Alex Mesquita, uma caminhonete Ford F-250, foi flagrado entrando na casa na terça-feira à tarde. A empresa de Mesquita, a Beta Brasília, atua na área audiovisual e funciona no mesmo endereço de uma das empresas de Franklin, a FM2. Procurado por ÉPOCA, ele disse que quem usa a caminhonete é sua mulher, Tatiane Mesquita. “Ela é produtora. Trabalha num site.” Questionado se era o Muda Mais, ele confirmou. Mesquita afirmou não ter negócios com Franklin. Mas já prestou serviços para uma empresa de Mônica Monteiro, mulher de Franklin. ÉPOCA tentou falar novamente com Mesquita para que detalhasse sua participação no aluguel da mansão. Ele não foi mais localizado.
ÉPOCA encaminhou uma série de perguntas à campanha da presidente Dilma sobre o Muda Mais. Questionou quem banca as despesas do site e quanto é gasto, quantas pessoas trabalham no site, por que o aluguel da casa foi pago em dinheiro vivo e por que não aparece o nome das empresas de Franklin na prestação de contas da campanha. A campanha não forneceu respostas diretas às perguntas. Por meio de nota, afirmou que o Muda Mais é um site de apoio à candidatura à reeleição de Dilma e que, entre suas prioridades, estão divulgar “avanços sociais e econômicos dos governos Lula e Dilma e a disseminação de propostas”. Afirma, também, que atua para “desconstruir boatos e mentiras que circulam nas redes contra a candidata e seu partido”. Ainda segundo a nota, o Muda Mais conta com colaboradores espalhados em vários Estados do Brasil. A nota afirma que não é possível informar quantidades por ser uma questão estratégica. Diz que Franklin é, dentro da campanha, supervisor das ações nas mídias sociais.
Embora Dilma divida a liderança nas intenções de voto com Marina Silva, a campanha do PT tem tomado uma sova digital do PSB. A sova está demonstrada em relatórios internos do próprio PT a que ÉPOCA teve acesso. Dilma perde para Marina em todas as redes sociais nas principais métricas. Uma medida conhecida como “alcance” das ações de cada candidata, correspondente ao número de internautas que clicaram num link ou leram um post, é uma das principais métricas. Nela, Dilma perde desde que Marina virou candidata. Na semana passada, o alcance de Dilma chegou a quase 4 milhões de internautas; o de Marina, a 5 milhões. Na primeira semana deste mês, Marina obteve um alcance de quase 8 milhões – Dilma permaneceu com os quase 4 milhões. Os números de empresas de monitoramento corroboram os números internos (leia nos quadros acima). “Marina, como Lula, tem um carisma imenso. É difícil competir com isso”, diz um dos estrategistas de Dilma. “Com tanto dinheiro investido, nosso resultado é muito fraco.”
O investimento do comitê de Dilma nas ações de internet gira em torno de R$ 25 milhões, de acordo com quem conhece de perto os números. Metade desse dinheiro vai para Franklin. Embora não tenha verbas comparáveis às do PT, a coligação de Marina Silva tem uma equipe de respeito: 41 funcionários dedicados às redes sociais, auxiliados por uma equipe de 15 mil voluntários. Eles têm, entre outros objetivos, a missão de rebater acusações de sites como o Muda Mais (leia acima). Aécio aposta na exploração virtual do apoio de cantores, artistas e esportistas à sua candidatura e em joguinhos para atrair o público jovem. As estratégias de Marina e Aécio – engajar voluntários e tentar conquistar novos eleitores – são mais tradicionais que as da campanha de Dilma. Franklin acha que o negócio é bater pesado. Contra a oposição de parte do PT, ele aposta que pode ganhar a eleição assim.
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