Arnaldo Jabor - O Estado de S.Paulo
Aproxima-se a hora da verdade política do País. Hora da
verdade ou hora da mentira? Mentira virou verdade? Nossas "verdades"
institucionais foram construídas por 500 anos de mentiras. Portanto, virou uma
razão de Estado para o governo do PT a proteção à mentira brasileira inventada
pela secular escrotidão portuguesa. Se a verdade aparecesse em sua plenitude,
nossas instituições cairiam ao chão. Por isso, o governo acha que é necessário
proteger as mentiras para que a falsa "verdade" do País permaneça. E
não é só a mentira que indigna. É a arrogância com que mentem. E a mentira vai
se acumulando como estrume durante um ano e acaba convencendo muitos ingênuos
de que "sempre foi assim" ou de que "erraram com boa
intenção".
Não só roubaram cerca de 2 bilhões de reais desviados de
aparelhos do Estado, de chantagem com empresários, de fundos de pensão, de
contratos falsos, mas roubaram também nossos mais generosos sentimentos. A
verdadeira esquerda se modificou, avançou, autocriticou-se, enquanto eles não
arredaram os pés dos velhos dogmas da era stalinista e renegaram todo trabalho
de uma esquerda mais socialdemocrata, como aliás fazem desde que não votaram
nos 'tucanos' da época e o Hitler subiu ao poder.
"Nunca antes", nunca antes um partido tomou o
poder no Brasil e montou um esquema secreto de "desapropriação" do
Estado, para fundar um "outro Estado". Nunca antes se roubou em nome
de um projeto político alastrante em todos os escaninhos do Estado, aparelhado
por mais de 30 mil militantes.
O ladrão tradicional sabia-se ladrão. O ladrão tradicional
roubou sempre em causa própria e se escondia pelos cantos para não ser
flagrado.
Os ladrões desse governo roubam de testa erguida, como se
estivessem fazendo uma "ação revolucionária", se orgulham de fingir
de democratas para apodrecer a democracia por dentro.
A verdade está sempre no avesso do que dizem.
São hábeis em criar um labirinto de "falsas
verdades", formando uma rede de desmentidos, protelações e enigmas que vão
desqualificando as investigações de coisas como a CPI da Petrobrás e todos os
crimes de seus aliados. Regozijam-se porque seus eleitores são ignorantes e
pobres e não sabem nem o que é "dossiê" - pensam que é um tipo de
doce. A verdade do Brasil é coloquial, feita de pequenos ladrões, sujos
arreglos políticos, emperramentos técnicos. Hoje, sabemos que somos parte da
estupidez secular do País. Assumir nossa doença talvez seja o início da
sabedoria.
A verdade é que os petistas nunca acreditaram na
"democracia burguesa"; como disse um intelectual emérito da USP -
"democracia é papo para enrolar o povo".
O PT que se agarra ao poder degrada a linguagem. Falam de um
lugar que é o auge de um baixo voluntarismo aventureiro, de uma ideia de
socialismo decaída em populismo. A
esquerda petista não tem memória. Dá frio na espinha vê-la tender para os mesmos
erros de 64 e 68.
Na cabeça dessa gente ignorante e dogmática, nada é real; só
a ideologia existe.
Todos os erros eram previsíveis por comentaristas e foram
cumpridos à risca pelos governos petistas.
Milhares de petistas ocupam o Estado aparelhado e querem que
a Dilma ganhe para permanecerem nas "boquinhas".
As Agências Reguladoras estão sendo assassinadas.
Dilma berra que o Banco Central não tem de ter autonomia.
A era Meirelles-Palocci foi queimada, velho desejo dos
camaradas.
Qualquer privatização essencial foi esquecida. A reforma da
Previdência "não é necessária" - dizem eles - não havendo nenhum
"rombo" no orçamento (!). Os gastos públicos aumentaram, pois, como
afirmam, "as despesas de custeio não diminuirão para não prejudicar o
funcionamento da máquina pública".
Se reeleita, voltará a obsessão do "Controle"
sobre a mídia e a cultura. E como não poderá se reeleger, o bolivarianismo vai
florir e o passarinho do Chávez vai cantar em seus ouvidos. Nossa maior doença
- o Estado canceroso - foi e será ignorada. Tudo o que construíram com sua
militância foi um novo "patrimonialismo de Estado", com a desculpa de
que "em vez de burgueses mamando na viúva, nós, do povo, nela
mamaremos".
O perigo que corremos é sua reeleição, porque o país de
analfabetos é boçal, espera um salvador da pátria. No fundo, brasileiros
preferem uma boa promessa de voluntarismo e populismo, na base do "pau no
burro" ou "bota para quebrar". Estamos prontos para ditadores e
demagogos; para administradores e reformadores racionais, não.
Enquanto o óbvio se exibe, a covardia de muitos intelectuais
é grande. Há o medo de serem chamados de reacionários ou caretas. Continuam
ativos os três tipos exemplares de "radicais": os radicais de
cervejaria, os radicais de enfermaria e os radicais de estrebaria. Os frívolos,
os burros e os loucos. Uns bebem e falam em revolução; outros alucinam e os
terceiros zurram.
A "presidenta" vive a missão impossível de ser
"socialista e dirigir um país... ah... capitalista". A conclusão é
que Dilma perdeu o controle da zona geral que Lula sabia 'desorganizar' com
esmero e competência. Dilma não é competente nem para desorganizar. Não é
apenas o fim de dois maus governos; é o despertar de um caos institucional que
será mais grave do que pensávamos. Estamos diante de um momento histórico
gravíssimo, com os dois tumores gêmeos de nossa doença: a direita do atraso e a
esquerda do atraso. É uma herança que vai amaldiçoar o futuro. Como escreveu
Bobbio, se há uma coisa que une esquerda e direita é o ódio à democracia.
O Brasil evolui pelo que perde e não pelo que ganha. Sempre
houve no País uma desmontagem contínua de ilusões históricas. Com a história em
marcha à ré, estranhamente, andamos para a frente. Como?
O Brasil se descobre por subtração, não por soma. Chegaremos
a uma vida social mais civilizada quando as ilusões chegarem ao ponto zero.
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