Por André Barrocal, da Carta Capital
Pouco antes de chegar ao cargo, o ministro da Educação, Cid
Gomes, lançou a ideia de criar-se uma frente de esquerda no País. A intenção
era manter vivo o movimento suprapartidário surgido em torno da reeleição de
Dilma Rousseff, a juntar sindicalistas, camponeses, intelectuais, militantes
gays, congressistas. Sua missão seria ajudar o governo a lidar com um Congresso
conservador e uma oposição beligerante. Nem bem Dilma iniciou o novo mandato e
o entusiasmo sumiu naquilo que se poderia chamar de “embrião da frente”. E
mais: não há disposição para ir às ruas defender o governo mesmo que a oposição
lance a campanha do impeachment, uma ideia já namorada.
O embrião do grupo reúne sindicalistas das centrais CUT e
CTB, sem-terra, petroleiros, dirigentes do Movimento Passe Livre e do coletivo
Fora do Eixo, parlamentares do PT e do PSOL. Em um encontro no fim de janeiro, em
São Paulo, traçou-se um diagnóstico bastante pessimista sobre os rumos do
governo.
Segundo um dos participantes, existe um incômodo geral com a
guinada ortodoxa de Dilma na economia, simbolizada no pacote de restrição de
seguro-desemprego e abono salarial e na escolha do ministro da Fazenda, Joaquim
Levy, um egresso do sistema financeiro que cairia perfeitamente bem em uma
administração de Aécio Neves, o adversário de outubro passado.
Embora o espírito geral do pacote fosse conhecido dos
sindicalistas desde a gestão Guido Mantega na Fazenda, o lançamento das medidas
foi considerado desastroso – avaliação compartilhada por ao menos um dos
ministros do Palácio do Planalto. Não houve negociação prévia com as centrais,
e agora seus líderes estão numa sinuca. Se aceitarem o que foi imposto pelo
governo, correm o risco de desmoralização perante as bases. Sobretudo porque a
Força Sindical, sob forte influência do deputado federal oposicionista Paulinho
da Força, está firme na resistência.
Na reunião em São Paulo, conta o mesmo participante, uma das
vozes mais “incendiárias” contra a inflexão conservadora na economia era de um
representante da direção do PT. O desconforto no partido com a situação é
latente, apesar de o ex-presidente Lula andar dizendo que a sucessora tomou
medidas necessárias. Em meados de janeiro, a fundação ligada ao PT Perseu
Abramo, que promove estudos, divulgou um boletim interno com críticas às
medidas de austeridade. O risco de “aprofundarem as tendências recessivas da
economia nacional não é desprezível”, dizia o texto.
O mau humor no embrião da frente de esquerda é preocupante
para o governo, por revelar-se em um momento de fragilidade política de Dilma.
A presidenta tem hoje um inimigo no comando da Câmara dos Deputados, Eduardo
Cunha, baixa popularidade, conforme recente pesquisa Datafolha, e poucos
aliados fiéis até no PT. Se a oposição decidir desfraldar a bandeira do
impeachment, ideia que começa a ser defendida por lideranças do PSDB, é
improvável que haja militância disposta a ir às ruas. Ao contrário do havido
com Lula nos tempos do “mensalão”.
O momento parece tão delicado, que o embrião da frente de
esquerda resolveu fazer reuniões a cada dois meses para examinar a evolução do
quadro político. O governo está a par da situação. Recebe informes a respeito.
Principal interlocutor do Planalto perante os movimentos sociais, o
secretário-geral da Presidência, Miguel Rossetto, acredita que o governo ainda
conta com respaldo destes grupos. “Podemos ter diferenças pontuais, mas fazemos
parte de um mesmo projeto”, diz.
De qualquer forma, o cenário é realmente preocupante para
Dilma, sobretudo após a divulgação do levantamento Datafolha a mostrar o
governo com uma reprovação recorde (44%) e uma presidenta com imagem de
indecisa, falsa e desonesta. Uma incrível reversão de números bem mais
favoráveis a Dilma há apenas três meses, quando ela disputava a reeleição.
Na campanha, a presidenta usava e abusava de propaganda na
tevê, entrevistas e discursos, armas em falta nos últimos tempos. Mas não é a
única explicação para seu ibope ter despencado. “Dilma tinha melhores
conselheiros na eleição”, afirma o cientista político Fabiano Santos,
coordenador do Núcleo de Estudos sobre o Congresso da Universidade Estadual do
Rio de Janeiro.
Um destes conselheiros é o ex-presidente Lula. Dilma anda
afastada dele. Ouviu o antecessor algumas vezes em novembro, quando quebrava a
cabeça para escolher seu ministro da Fazenda, e só. Em apuros, resolveu
procurá-lo. Iria a São Paulo na quinta-feira 12, para encontrá-lo.


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