Depois dos banqueiros do jogo-do-bicho e dos traficantes de
drogas, o clube dos patrocinadores do desfile das escolas de samba do Rio abriu
as portas ao chefão de uma tirania africana exemplarmente infame. O novo sócio
brilhou na Marquês de Sapucaí: com 239,9 pontos, a Beija-Flor sagrou-se campeã
pela 13ª vez graças ao dinheiro extorquido do povo da Guiné Equatorial por
Teodoro Obiang, ditador há 36 anos.
Ex-integrante do império colonial espanhol, terceiro maior
produtor de petróleo da África Subsaariana, o país é formado por cinco ilhas e
uma porção continental no oeste da África. Os 1,6 milhão de habitantes se
espalham por 28 mil km² – território equivalente ao de Alagoas, a terceira
menor unidade federativa do Brasil. Com uma fortuna declarada que a revista
Forbes avaliou em US$ 600 milhões, Teodoro Obiang Nguema Mbasogo é um dos
chefes de estado mais ricos do planeta.
A fantasia de “democracia constitucional” é rasgada pelo
histórico eleitoral. Quando não é o único candidato, o dono da Guiné Equatorial
nunca fica abaixo de 90% dos votos. Quem tenta fazer oposição de verdade vai
para a cadeia ou para a sepultura. Tem sido assim desde 1979, quando liderou o
golpe de Estado que derrubou seu tio Francisco Macias Nguema.
Em poucas horas, o tirano deposto, no poder desde a
conquista da independência em 1968, foi sumariamente condenado à morte e
executado a mando do sobrinho. Em seguida, o novo carrasco aperfeiçoou os
instrumentos de terror utilizados pelo tio. Segundo a Human Rights Watch,
Obiang valeu-se do boom do petróleo “para enriquecer às custas do povo”. E
gastar sem pudores nem limites o que arrecada num grotão assolado por carências
terríveis.
Seu filho (e vice-presidente) Teodorín Obiang, por exemplo,
torrou US$ 30 milhões na compra de uma mansão em Los Angeles. Em contrapartida,
a Guiné Equatorial amarga um desolador 144º lugar no Índice de Desenvolvimento
Humano da ONU. Entre os “países de médio desenvolvimento”, é o último colocado.
Segundo o Banco Mundial, sete em cada dez habitantes
sobrevivem com menos de US$ 2 por dia. Menos da metade da população tem acesso
a água potável e quase 10% dos nascidos vivos morrem antes dos cinco anos. A
Anistia Internacional acusa Obiang de reprimir violentamente seus opositores,
realizar execuções extrajudiciais, torturas, prisões arbitrárias, entre tantos
outros atentados aos direitos humanos.
Em outubro passado, o Departamento de Justiça dos Estados
Unidos solicitou formalmente o confisco de dezenas de milhões de dólares em
bens que se prestaram a lavagem de dinheiro. Como revelou o site 100Reporters,
as autoridades americanas sustentam que figurões do regime “adquiriram uma enorme fortuna” recorrendo ao
arsenal de praxe: “extorsão, apropriação indébita, roubo e desvio de verbas
públicas”.
Nesta segunda-feira, com a fantasia oficial de
vice-presidente, Teodorín acompanhou de camarote o desfile que exaltou a fraude
– da comissão de frente ao último carro alegórico, passando pelo título do
samba-enredo: “Um Griô Conta a História: um Olhar Sobre a África e o Despontar
da Guiné Equatorial. Caminhemos Sobre a Trilha de Nossa Felicidade”.
Segundo o jornal O Globo, a Beija-Flor recebeu R$ 10 milhões
para dar brilho à escuridão que atormenta a Guiné Equatorial. “O dinheiro veio
de financiadores culturais”, tentou despistar Benigno-Pedro Tang, embaixador no
Brasil da capitania dos Obiang. “O governo não tem nada a ver com isso. O que a
imprensa divulgou é uma soma muito excessiva”.
Laíla, presidente da comissão de Carnaval da Beija-Flor,
embarcou na partitura da malandragem. “Tem tanta coisa para jornalistas se
preocuparem, tantas mazelas, e querem pegar o Carnaval, uma escola de samba
honesta, de comunidade carente, que vive na miséria, para tirar proveito”,
desafinou Laila. “É sujo. A Guiné Equatorial é maravilhosa”.
Essa discurseira de patrocinado metido a esperto foi
chancelada por Fran Sérgio Oliveira, também diretor da escola vitoriosa. “O
povo da Guiné Equatorial é apaixonado por seu presidente. É uma ditadura? É.
Mas é benéfica para a população do país”. É generosa sobretudo com os que detêm
o bastão de mando. Hospedado na suíte presidencial do Copacabana Palace,
Teodorín abrigou o restante da comitiva em outros seis apartamentos de luxo,
cujas diárias vão de R$ 5.600 a R$ 7.200.
O dinheiro doado à Beija-Flor corresponde a quase um terço
dos US$ 12 milhões que a Guiné Equatorial deve ao Brasil. Depois de anunciar
que o débito seria perdoado, a presidente Dilma Rousseff achou perigoso
continuar torrando dinheiro que não lhe pertence em donativos a ditadores de
estimação. A quantia, segundo o Planalto, deverá ser renegociada.
Os Obiang não se impressionam com boladas desse tamanho. Em
2009, num leilão de peças de arte em Paris, o filho gastou mais de R$ 50
milhões. O pai tem dinheiro de sobra para seguir investindo na Beija-Flor e no
Carnaval. No desfile nascido para a realização de sonhos, o herdeiro do déspota
se divertiu com o triunfo do pesadelo.
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