Uma Câmara dos Deputados com 28 partidos representados, como
ocorre neste ano no Brasil, é algo praticamente inexistente em outros países
democráticos. Só a Índia possui um Parlamento com mais siglas – em
contrapartida, a fragmentação aqui é maior do que lá. Apesar do excesso
evidente, ainda há quem ache pouco. Nas eleições do ano que vem, seis partidos
devem estrear nas urnas. São legendas que estão na fase final das etapas
necessárias para obter o registro no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
A lista é representativa dos múltiplos interesses que movem
os criadores de partidos. Há duas siglas ideológicas, a Rede Sustentabilidade e
o NOVO. Há dois que podem se encaixar na categoria dos folclóricos: o Partido
Militar e o Partido da Mulher. E há aqueles criados para reforçar o poder de
legendas já existentes. Nesta categoria estão o Partido Liberal – o PL do
ministro Gilberto Kassab – e o Muda Brasil.
De longe, a Rede é o mais estruturado. Sob a liderança da
ex-presidenciável Marina Silva e com o apoio de parlamentares, a sigla reuniu
cerca de 800.000 assinaturas para pedir o registro em 2013, a tempo de disputar
as eleições do ano seguinte. Mas uma grande parte das firmas acabou invalidada
pelos cartórios eleitorais, o que é comum nesses casos. Os militantes da Rede
ficaram sem seu partido e Marina Silva filiou-se ao PSB temporariamente.
O NOVO também já solicitou o registro ao TSE e aguarda o
julgamento do pedido. Os cartórios reconheceram mais de 500.000 assinaturas
pela criação da sigla, o que é suficiente para a formalização. O NOVO empunha
algumas bandeiras do liberalismo clássico, com redução do papel do Estado,
corte de impostos e valorização do papel do indivíduo. O partido tem foco nas
questões econômicas e gerenciais. A política sobre o aborto, por exemplo, não é
considerada relevante — apesar de o NOVO ter posição sobre o tema: “Achamos que
o Estado não deveria se meter em assuntos como esse”, diz Fábio Luis Ribeiro,
vice-presidente da nova sigla.
Ainda que tenha sido criado por empresários, administradores
e profissionais do mercado financeiro, o NOVO tenta construir um modelo de
financiamento que não dependa de doações empresariais. Em vez disso, a sigla
aposta na arrecadação de recursos com seus filiados. A ideia é reunir pelo
menos 12.000 filiados.
Enquanto isso, o Partido Militar Brasileiro já tem seu
representante no Congresso. O presidente da futura sigla, deputado Capitão
Augusto (SP), acaba de assumir um mandato de deputado federal pelo PR. Ele
chama a atenção em plenário por usar uma farda da Polícia Militar. A legenda
quer a redução da maioridade penal, a instituição da prisão perpétua e a
privatização dos presídios. São bandeiras legítimas. Mas a estrutura do partido
ainda é amadora: a página da sigla na internet exibe um banner que anuncia um
álbum musical do presidente, gravado em parceria com um certo Riva Torres.
O deputado-capitão
elogia o golpe militar: “A intervenção de 1964 garantiu a democracia no Brasil.
Mas acreditamos que não há espaço para algo do tipo hoje em dia”. A maior parte
dos filiados à sigla é de civis. Os policiais militares constituem quase 40%
dos integrantes.
No Partido da Mulher Brasileira, o diferencial é a cota
máxima imposta à participação dos homens: eles não podem ser mais do que 30%
dos dirigentes partidários ou dos candidatos da legenda nas eleições. Fora
isso, resta muito pouco de conteúdo programático.
A existência de partidos de aluguel não é recente no Brasil.
Mas uma nova modalidade de partido surgiu
recentemente: as legendas criadas com o único objetivo de apoiar outros
partidos. É o caso do PL, que tem sido criado com o apoio do PSD de Gilberto
Kassab. Nos sete primeiros anos de existência, o Partido Liberal recolheu
80.000 assinaturas. Bastou o PSD aderir à tarefa, em 2014, e hoje o número
ultrapassa os 410.000. A nova sigla tem representantes em todos os estados do
país. O apoio de Kassab, entretanto, terá um preço: o PL vai se comportar como
“gêmeo” do PSD.
Cleovan Siqueira, que se apresenta como presidente do PL,
diz que a possibilidade de fusão existe, mas é apenas um plano B. “Nosso plano
A é apoiar o PSD e receber os parlamentares que eventualmente estejam sem
espaço nos seus partidos”, diz. Fórmula idêntica foi adotada pelo mensaleiro
Valdemar Costa Neto e sua ala dentro do Partido da República. Eles têm apoiado
a criação do Muda Brasil, um partido presidido por um ex-aliado de Valdemar.
O número de partidos em formação é muito maior do que os
seis que devem ser registrados em 2015: entre as dezenas de siglas que já
apresentaram o estatuto provisório no TSE, estão o Partido dos Servidores
Públicos do Brasil, o Partido Pacifista Brasileiro e o Partido Ecológico. Os 32
partidos podem se transformar em 40 num futuro próximo.
Os líderes das novas legendas costumam citar como exemplo os
Estados Unidos, onde existem dezenas de partidos em atividade. Mas há duas
diferenças essenciais na comparação com o Brasil: lá, é possível criar partidos
estaduais. E as legendas não têm benefícios legais como horário gratuito da TV
e os repasses do Fundo Partidário. A realidade é que apenas cinco partidos
existem na maioria dos estados americanos. E só dois deles têm representantes
no Congresso de lá.
Já em 1990 o conjunto de partidos brasileiros era suficiente
para representar as principais correntes ideológicas: liberalismo, democracia
cristã, social-democracia, socialismo, comunismo, trabalhismo. Desde então, a
profusão de siglas não contribuiu com o aumento da representatividade. Apenas
ajudou a tornar o sistema confuso aos olhos do eleitor.
Existem esforços para combater os excessos. Nos últimos
anos, o Congresso endureceu as regras para a criação de partidos e restringiu
os benefícios a legendas recém-criadas. Após as últimas eleições, quando o
número de siglas representadas no Congresso saltou de 22 para 28, esboçaram-se
movimentos no sentido contrário: o DEM abriu conversas sobre uma possível fusão
com o SD e o PSC. O Pros, do ministro Cid Gomes, também defendeu a formação de
uma frente de esquerda para apoiar o governo.
A Câmara dos Deputados acelerou na última semana a
tramitação de uma proposta que proíbe a fusão de partidos que tenham menos de
cinco anos de existência. O alvo é claro: o PL, que pode roubar parlamentares
de outras siglas caso se funda ao PSD e, assim, abra uma janela de
transferências. Ao que parece, entretanto, o ritmo de formação de novas siglas
continuará intenso.
Conteúdo da Veja on-line
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