Da Época
Em 3 de dezembro de 2010, a petista Dilma Rousseff, eleita
havia poucas semanas para seu primeiro mandato como presidente da República,
mandou anunciar o nome do ministro mais poderoso de seu governo. Dali a dias,
Antonio Palocci – ex-ministro da Fazenda, ex-deputado federal, ex-prefeito de
Ribeirão Preto e hoje alvo ilustre da Operação Lava Jato – assumiria a chefia
da Casa Civil. Era a improvável ressurreição política de Palocci, ceifado do
governo Lula anos antes, quando, após resistir a toda sorte de acusações de
corrupção, acabou por não resistir ao escândalo da quebra dos sigilos do
caseiro Francenildo. Perdeu o cargo, mas não a influência. Palocci ressurgiu na
eleição de Dilma. Coordenou a campanha e atuou como arrecadador informal da
petista, ao lado do tesoureiro do PT, João Vaccari, hoje preso. A nomeação para
a Casa Civil, na qual sucederia a Erenice Guerra, premiava seus bons serviços
na campanha. Nas palavras de Dilma, Palocci fora “um dos artífices da jornada
vitoriosa” que a elegera. Estava claro quem mandaria em Brasília no terceiro
mandato petista.
No mesmo dia do anúncio, Palocci recebeu R$ 1 milhão do
escritório do criminalista Márcio Thomaz Bastos, segundo documentos da empresa
do petista, em poder do Ministério Público Federal (MPF) e obtidos por ÉPOCA.
MTB, como era conhecido o advogado, morreu no ano passado. Em 2010, após uma
longa passagem pelo Ministério da Justiça do governo Lula, na qual fez muitas
tabelinhas com Palocci, resistia como principal conselheiro jurídico da cúpula
do PT. O dinheiro foi repassado sem que houvesse sequer contrato formal. Era um
contrato de boca. Duas semanas depois, Palocci recebeu mais R$ 1 milhão de MTB.
Os R$ 2 milhões somavam-se aos R$ 3,5 milhões repassados durante a campanha e a
pré-campanha de Dilma. No total, 11 pagamentos. Sempre sem contrato. Sempre em
valores redondos – R$ 500 mil, no auge das eleições, e R$ 250 mil, antes.
Sempre depositados, segundo o próprio Palocci, na conta da Projeto, a empresa
de consultoria criada por ele após deixar o governo Lula.
Qual a origem do dinheiro? O Pão de Açúcar, dizem os
advogados de Palocci e do escritório de MTB. Por que o Pão de Açúcar pagaria
uma pequena fortuna a Palocci? Para que o petista, um médico sanitarista que
passava aqueles dias de 2010 na intensa faina de uma campanha presidencial,
ajudasse na fusão entre o grupo de Abilio Diniz e as Casas Bahia. Não se sabe
como Palocci poderia ser tão valioso numa negociação dessa natureza – nem por
qual razão o Pão de Açúcar não o contratara diretamente. Mas ele prestou algum
serviço? A renomada consultoria Estáter, contratada de forma exclusiva pelo Pão
de Açúcar para tocar a fusão, informou ao MPF que, por óbvio, não – Palocci não
prestou qualquer serviço, o que despertou suspeitas entre os investigadores.
Fontes que participaram das negociações confirmaram a ÉPOCA que Palocci não
participou de qualquer reunião, conversa informal ou troca de e-mails durante o
negócio. Em ofício ao MPF, o Pão de Açúcar disse que “em função da relação de
confiança desenvolvida” é comum que os “serviços de assessoria jurídica sejam
contratados de modo mais informal”. Palocci não é advogado. Procurado por
ÉPOCA, o Pão de Açúcar informou que não vai se pronunciar.
Palocci não tardou a cair novamente. Pouco após assumir a
Casa Civil, o jornal Folha de S.Paulo revelou que ele comprara um apartamento
avaliado em R$ 6,6 milhões, antes de voltar a Brasília. Palocci, que não tem
herança e sempre foi político, se recusou a explicar a origem do dinheiro.
Disse apenas que provinha dos clientes que contratavam a Projeto, sua empresa
de consultoria. Preferiu deixar a Casa Civil a revelar os nomes deles – e a
declinar para que fora exatamente contratado. Agora, ÉPOCA teve acesso a
documentos internos da empresa de Palocci, a uma investigação sigilosa do MPF
sobre ela e a uma lista com 30 nomes de empresas que pagaram o ex-ministro. Os
papéis oficiais, assim como a investigação dos procuradores, revelam que a
prosperidade da empresa de Palocci coincidiu com o momento em que ele assumiu
as tarefas de coordenar a campanha de Dilma – e de arrecadar para ela.
Em 2010, Palocci recebeu, ao menos, R$ 12 milhões em
pagamentos considerados suspeitos pelo MPF. Além dos pagamentos do escritório
de Márcio Thomaz Bastos, supostamente em nome do Pão de Açúcar, os procuradores
avaliaram como suspeitos os pagamentos do frigorífico JBS e da concessionária
Caoa. Eles somam R$ 6,5 milhões. São suspeitos porque, na visão do MPF,
Palocci, mesmo depois de ouvido, não conseguiu comprovar que prestou serviços
às empresas – ou foi desmentido por quem estava envolvido, como no caso da
consultoria Estáter e do Pão de Açúcar. Ademais, para o MPF, a inexistência de
contratos para muitos dos pagamentos reforça os indícios de que as consultorias
foram, na verdade, de fachada. Por que grandes empresas gastaram tanto com
Palocci? E qual o destino final do dinheiro? Ninguém sabe ainda.
A investigação à qual ÉPOCA teve acesso corre em Brasília,
mas será requisitada por procuradores que trabalham nos dois maiores casos de
corrupção sob investigação no país: a Lava Jato. No petrolão, a
Procuradoria-Geral da República abriu inquérito para apurar a acusação de que o
petista arrecadou R$ 2 milhões – para a mesma campanha de Dilma em 2010. A
denúncia foi feita pelo delator Paulo Roberto Costa, ex-diretor de
Abastecimento da Petrobras. Como Palocci não tem foro privilegiado, o processo
contra ele corre no Paraná, sob a guarda do juiz Sergio Moro. Com base no
trabalho dos procuradores de Brasília, a Força-Tarefa de Curitiba espera
avançar mais rapidamente no rastro do dinheiro que circulou pelas contas
associadas ao ex-ministro. Eles preparam o pedido de quebra dos sigilos de
Palocci, entre outras medidas.
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