Os brasileiros reclamam quando estrangeiros chamam nosso
país de “exótico”. Natural. Há uma tendência de defender o que é nosso do olhar
gringo. Só nós podemos meter o pau. Mas, quando colocamos o pé fora do Brasil,
percebemos que somos mesmo para lá de exóticos. Longe, conseguimos até rir de
nossa República da Mandioca. Melhor mandioca que banana.
Façamos justiça. A presidente Dilma tem feito enorme esforço
para se tornar mais exótica. Seus últimos discursos podem tirar emprego de
muito humorista. O mais recente, no Estádio Mané Garrincha, em Brasília, é
intraduzível em qualquer idioma. “Nós estamos comungando a mandioca com o
milho. E, certamente, nós teremos uma série de outros produtos que foram
essenciais para o desenvolvimento de toda a civilização humana ao longo dos
séculos. Então, aqui, hoje, eu estou saudando a mandioca. Acho uma das maiores
conquistas do Brasil.”
Depois da mandioca, foi a vez de saudar a bola e a mulher.
“Essa bola vem de longe, da Nova Zelândia. E é uma bola que eu acho que é um
exemplo, ela é extremamente leve. Eu já testei e ela quica. Eu testei, eu fiz
assim uma embaixadinha, minto, uma meia embaixadinha. (…) Então, o esporte tem
essa condição, essa bênção. Ele é um fim em si. (…) Então, para mim essa bola é
um símbolo da nossa evolução. Quando nós criamos uma bola dessas, nós nos
transformamos em Homo sapiens ou mulheres sapiens.”
Sei que o discurso “indignou” muitos e serviu para que a
presidente fosse ridicularizada. Mas eu até simpatizei e morri de rir. Gente, é
esse o Brasil, o Brasil da mandioca, das rolas e dos sertanejos, era um
discurso para índios em Brasília. O Brasil que se diz laico e vê um bando de
marmanjos deputados erguer os braços na Câmara em transes pentecostais.
É exótico ver a Dilma rodando de bicicleta em Brasília,
enquanto a crise pega todo mundo, miserável, pobre, rico e a classe média
gigantesca, traída e amorfa. Dilma tenta tudo de marketing pessoal, além da
dieta milagrosa que a deixou elegante e lépida, para fazer o país esquecer sua
aliança com os pastores evangélicos. A banda mais reacionária, conservadora ao
extremo, que recebeu dela isenções para igrejas. É o dízimo gordo do Planalto,
o cala-veto.
Se Dilma criou, num discurso jocoso, a espécie “mulheres”
sapiens, Eduardo Cunha, Silas Malafaia e seguidores tentam criar o “hétero”
sapiens como a única espécie saudável e legítima para formar uma família. Isso
não é só exótico, é perigoso. A ex-guerrilheira feminista estende o tapete
vermelho para o neo-PMDB pentecostal, que não respeita o direito da mulher a
seu corpo e ao aborto em qualquer circunstância, e que defende mudanças no
Estatuto do Desarmamento para armar a população. No meio da crise, aprova a
construção do bilionário ParlaShopping, para abrigar com pompa a Câmara e sua
maioria de... como disse o ex-Lula... “picaretas”?
Dilma reza para todos os deuses, mas não cala seu diabinho
criador, Lula, o opositor transgênero. Lula afirma que o PT de Dilma acabou com
os sonhos e utopias, traiu trabalhadores e aposentados e “só pensa em cargos”.
O que é isso, ex-companheiro, além de jogo de cena? Um dia após o outro, para
padres ou laicos, Lula aperta a garganta de Dilma, a acusa de ter mentido na
campanha e tenta se desvincular dela e do PT para salvar sua pele e o lulismo.
Como se ele nada tivesse a ver com o que está aí. Como traduzir para um
estrangeiro?
É o exótico patropi, uma casa brasileira com certeza. Onde
um dos mais conceituados e mais populares jornalistas multimídia do Brasil,
Ricardo Boechat, manda o pastor Malafaia “procurar uma rola”, em vídeo postado
em rede social. Boechat chamou o pastor de “paspalhão e otário” e “tomador de
grana de fiel”. O pastor tinha acusado Boechat de “idiota” e de “falar asneira”
por comentar que igrejas neopentecostais incitam a intolerância religiosa e
criam o ambiente para ataques como as pedradas em uma menina de 11 anos,
praticante do candomblé. Dá para imaginar a situação, com personagens
semelhantes, em outro país?
A rola provocou uma histeria nas redes sociais, com torcidas
pró e contra. Uma histeria só comparável, em temperatura, à que se seguiu à
morte trágica, em acidente de carro, do cantor Cristiano Araújo, o “sertanejo
universitário” adorado por multidões, mas desconhecido por quem não gosta de
música sertaneja. Um rolo compressor de mídia lacrimosa irritou quem nunca
havia ouvido Cristiano cantar. Os fãs se irritaram com a “elite” que não curte
música sertaneja, como se fosse uma traição à brasilidade. E, para culminar,
Fátima Bernardes se confundiu e lamentou ao vivo a morte de “Cristiano
Ronaldo”. O Brasil é muito exótico. Xô, ódio. Só o humor nos salva. Amém.
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