sábado, 11 de julho de 2015

PACIÊNCIA NO LIMITE

Da IstoÉ
Coloque a questão política de lado. Esqueça, mesmo que por um breve momento, o partido A ou B. Ignore, só por um instante, ideologias, valores e convicções. Desconsidere o que os seus amigos ou inimigos disseram nas redes sociais. Apague da memória aquela opinião bombástica do seu blog preferido, as mensagens insidiosas do WhatsApp, os comentários inteligentes (ou nem tanto) do colega do escritório. Faça tudo isso e deixe o pensamento livre, sem a influência de quem quer que seja. Agora você está pronto para responder, da maneira mais desapaixonada possível, a seguinte pergunta: a sua vida melhorou ou piorou nos últimos meses? É bem provável – na realidade, é praticamente certo – que a maioria esmagadora dos leitores crave a segunda alternativa. Quase ninguém mais confia no governo, ou nos partidos políticos, ou nas intenções do Congresso. Os brasileiros estão fartos da crise econômica. Do desemprego. Da inflação que não para de subir. Da conta de luz que consome pequenas fortunas de residências e indústrias. Dos juros que tornam os boletos do dia a dia impagáveis. Dos impostos. Dos escândalos de corrupção. A avalanche de problemas aflige ricos e pobres, empresários e trabalhadores, executivos e estudantes, idosos e jovens. A despeito do gosto partidário de cada um, as dificuldades chegaram para todos. A crise não é mais uma questão etérea, colocada apenas no debate político. Ela atingiu em cheio o cotidiano das pessoas – esta aí, afinal, tão presente quanto o ar que se respira.
Uma série de pesquisas demonstra que a paciência dos brasileiros chegou ao limite. De acordo com o Ibope, o pessimismo nacional atingiu o nível mais alto desde 2001. Metade da população acha que tudo ainda pode piorar. Detalhe interessante: o Nordeste, reduto eleitoral do PT da presidente Dilma Rousseff, lidera a onda de pessimismo, um fato inédito que reforça a teoria da insatisfação generalizada. Outro levantamento, da Fundação Getúlio Vargas, traz um dado ainda mais revelador. Só 5% dos brasileiros colocam a mão no fogo pelos partidos políticos. Ou seja: de cada 100 pessoas, 95 acreditam que as legendas não servem para nada a não ser para defender os seus próprios interesses. E há o caso Dilma. Segundo o Ibope, ela conseguiu a façanha de ser tão impopular quanto o ex-presidente Fernando Collor. Seu índice de rejeição, de 68%, é o mesmo de Collor às vésperas do impeachment, em 1992.
Por mais que o atual governo não reconheça a gravidade da situação, o que se extrai desses números é uma verdade incontestável: as pessoas simplesmente não aguentam mais. Chegaram ao limite. Esgotaram a última dose de paciência. Mais grave ainda: sabem que não se trata de uma questão momentânea. O pior pode estar por vir. “Os indicadores de agora mostram que 2016 será um ano muito difícil”, diz Riordan Roett, diretor do programa de estudos sobre a América Latina da Universidade Johns Hopkins, dos Estados Unidos. “O Brasil tem um trabalho árduo pela frente.” Não foi apenas a fragilidade econômica que alimentou a onda de insatisfação. Os casos estarrecedores de corrupção, inclusive com gente graúda do PT indo parar atrás das grades, se tornaram tão frequentes que tem sido difícil para a maioria das pessoas acompanhar os seus desdobramentos. As provas se sucedem e revelam, a cada dia, como os embusteiros agem e assaltam os cofres públicos.
Não tem sido fácil enfrentar as mazelas do País. Dono da América Cargo Express, uma transportadora da cidade de Itapevi, na Grande São Paulo, Marcello Felipe Gamero viu as encomendas despencarem desde que a crise se tornou mais aguda. Em 2015, o faturamento da empresa encolheu 70%, uma enormidade que derruba qualquer um, mas especialmente companhias de médio porte como a sua. Ferido pela crise, precisou demitir 10% de sua força de trabalho. Nem assim as dificuldades aplacaram. Para honrar compromissos trabalhistas e com fornecedores, recorreu a empréstimos bancários. Mas os juros altos tornaram caro demais captar recursos de instituições financeiras. Resultado: o efeito bola de neve fez as dívidas aumentarem ao mesmo tempo em que as receitas diminuíram. Como resolver a encrenca? “Estou vendendo meus carros e tirando dinheiro das contas pessoais”, diz Marcello. Nos próximos dias, ele começa uma nova fase. A América Cargo vai deixar o galpão onde está instalada para dividir um armazém com outra transportadora e, assim, cortar gastos com locação. O fardo tem sido pesado demais para a família. Às voltas com problemas financeiros e amargurada com a demissão de funcionários, a mãe de Marcello, Maria Antônia, entrou em depressão.
Manter um negócio, em qualquer ramo de atividade, tem sido um imenso desafio. No varejo, os empresários sofrem com a queda do consumo. Na área de infraestrutura, que precisa de investimento financeiro pesado, o desinteresse do mercado internacional e a escassez de recursos públicos esmagaram as oportunidades. Na construção, a escassez de crédito afastou compradores de imóveis. Não à toa, o setor viu sumirem mais de 300 mil empregos nos últimos 12 meses e as ações das empresas recuarem quase 20% em 2015 na Bolsa de Valores de São Paulo. Na indústria automobilística, a saída para muitas montadoras foi reduzir salários e a jornada de trabalho, mas nem assim as fabricantes conseguiram respirar. A GM deu licença remunerada a quase 500 trabalhadores da planta de São Caetano do Sul, na Grande São Paulo. “Está difícil arrumar a situação”, diz Jaime Ardilla, presidente da empresa para a América do Sul. Na Volks, 4,8 mil funcionários entraram em férias coletivas. A Mercedes-Benz demitiu.
Se gigantes multinacionais com lastro nas operações estrangeiras sofrem para driblar as dificuldades, não é difícil calcular as agruras de empresas de menor porte. Muitas estão quebrando. Há alguns dias, a Boa Vista SCPC apresentou um relatório chocante. Entre junho de 2015 e junho de 2014, o número de falências decretadas aumentou 94,8% no País. É impossível defender o otimismo de algumas alas do governo diante de um dado tão devastador. Empresas quebradas não são uma notícia ruim apenas para os seus proprietários. Quando elas desaparecem, trabalhadores perdem os seus empregos. E suas famílias sofrem.
Trata-se de um ciclo negativo sem fim. Um problema leva a outro, e este a um terceiro, e assim por diante. Em janeiro, Rubens Garcia Thomazzoni, 50 anos, foi obrigado a vender a loja de roupas que matinha há 18 anos em São Paulo e colocar na rua todos os seus funcionários. “O faturamento caiu muito e eu me endividei”, diz. Ele tentou procurar emprego, mas o mercado inerte, especialmente para um homem de meia-idade, não ofereceu uma chance sequer. Para não comprometer as finanças da família, a filha Isabella, 18 anos, teve que trancar a faculdade. Em junho, depois de uma saga de seis meses tentando encontrar emprego, ele desistiu. A saída foi retornar ao velho ramo. “Fiz um empréstimo bancário e abri uma nova loja”, diz. Desta vez, teve que agir de forma diferente. Em vez de contratar empregados, trouxe parentes para trabalhar no negócio. “Eu resisti, mas vi que não tinha outro jeito”, afirma Isabella.
É preciso colocar nos ombros da presidente Dilma a responsabilidade pelos problemas econômicos do País. A inflação anual perto dos dois dígitos se deve aos equívocos do primeiro mandato. No ano eleitoral, Dilma represou preços. Para não sangrar ainda mais os cofres das empresas de energia, foi obrigada a reajustar a conta de luz. O problema é que a fatura veio pesada demais e pode significar um avanço de 50% apenas em 2015. O mesmo se deu com a gasolina. Na lógica econômica, problemas ruins levam a dificuldades piores ainda. Com o combustível caro, as empresas gastam mais para levar um produto de um lugar para outro. Para cobrir esse custo, elas aumentam o preço de seus serviços ou artigos. O nome que se dá a isso é inflação. Se o produto está caro, o consumidor não compra. Se ele não consome, as companhias não faturam. Sem gerar receitas, elas demitem. No processo, todo mundo perde. É assim que nascem as frustrações – e os baixos índices de aprovação de uma presidente cada dia mais impopular. “Dilma está colhendo agora o que plantou no primeiro mandato”, diz Eduardo Raposo, coordenador de ciência política da PUC-Rio. “A base de todos os problemas está na política econômica equivocada.”
O segundo mandato de Dilma tem sido tão desastroso que ela está colocando por terra duas bandeiras caras ao PT: o cenário de pleno emprego e a inclusão social. No primeiro caso, o Brasil vive uma tragédia. Em maio, o País fechou 115 mil vagas, o pior resultado para o mês em 23 anos. Estão sem trabalho até profissionais de alta qualificação. Formado em engenharia mecânica, o curitibano Glauco Vital da Silva Filho, 31 anos, foi demitido em abril por uma empresa de gerenciamento de obras. “Antes, eu saía de um contrato e ia rapidamente para outro”, diz. “Agora, está tudo parado.” É a falta de perspectivas que tem levado algumas pessoas para uma saída radical – o aeroporto mais próximo. Demitida há dois meses de uma empresa em Porto Alegre, a publicitária Fernanda Vieira, 23 anos, decidiu arriscar a sorte nos Estados Unidos, onde vai fazer, a partir de setembro, um curso de produção audiovisual. “Só volto quando a situação no Brasil melhorar.” Para Bruno Contrera, da agência de intercâmbio STB, a crise é um bom momento para se aprimorar no exterior. “Muitos profissionais que foram desligados das empresas estão investindo em cursos fora.”
Na outra ponta da escada social, a inflação tem sido a maior vilã. Segundo o Dieese, que calcula o Índice do Custo de Vida no município de São Paulo, os preços para as famílias de baixa renda subiram 11,22% no período de doze meses. Para efeito de comparação, a Rússia e seu tão debatido pandemônio financeiro enfrentam um índice inflacionário anual de 15%. No Brasil, produtos cada vez mais caros e renda real em queda formam a combinação nefasta que atrasa planos e bloqueia sonhos. Priscilla Leme da Silva, 33 anos, mora em um assentamento do MST na Vila Brazilândia, bairro na periferia paulistana, com o marido e dois filhos. Ela recebe R$ 140 do Bolsa Família e não é capaz de lembrar a data em que o benefício sofreu reajuste. Foi certamente há bastante tempo. “Tudo está caro demais”, diz. “Não consigo comprar mais nada.” Como a inflação suga boa parte de seu dinheiro, ela recentemente precisou escolher entre pagar o aluguel ou comprar comida para os filhos. Ficou, claro, com a segunda opção. Não é difícil imaginar o que Priscilla pensa do governo Dilma. Como milhões de brasileiros, ela é o retrato do descontentamento. “O Brasil piorou muito”, afirma. Nisso, está coberta de razão.
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