Por Daniela Pinheiro, da revista Piauí
Pergunte aos Gomes se eles se consideram uma oligarquia e a
reação, bem no estilo deles, será de irritação. "Isso é reducionismo, é
uma burrice", diz o chefe do clã, Ciro Gomes, o deputado federal mais
votado do Brasil, proporcionalmente. "Não estamos no poder porque um impõe
o outro, e sim porque temos vocação política e consciência pública",
afirma o seu irmão Cid Gomes, governador do Ceará. "É como um karma",
fala o irmão caçula Ivo, deputado estadual e chefe de gabinete de Cid. "É
bobagem nos definir assim", garante a senadora Patrícia Saboya, ex-mulher
de Ciro, que abandonou há pouco o sobrenome Gomes. "Nossa família tem cem
anos de vida pública, colhemos o espaço natural de quem trabalhou direito a
vida toda", finaliza o primo Tim Gomes, presidente da Câmara de Vereadores
de Fortaleza.
Como oligarquia é o regime político em que o poder é
exercido por um pequeno grupo de pessoas, pertencentes à mesma classe ou
família, os Gomes não têm por que se irritar. Poderiam até se alegrar, já que,
ao contrário de outras oligarquias nordestinas, como os Sarney, os Magalhães,
os Alves e os Maia, que foram humilhados nas urnas na última eleição, eles
estão por cima da carne-seca. Desbancaram o grupo capitaneado pelo senador
tucano Tasso Jereissati, têm cinco da família em cargos eletivos e são os
chefes políticos incontestes do Ceará.
Tendo como vitrine a cidade sertaneja de Sobral, a
oligarquia dos Gomes acalenta um sonho: botar Ciro na Presidência da República.
"Vamos trabalhar muito para isso", diz a senadora Patrícia. "Não
há ninguém com tanto potencial e honestidade como ele", emenda o deputado
Ivo. "Conversamos muito e Ciro está certo de que agora é o momento
dele", revela Tim. O desejo dos oligarcas é que o presidente Lula o lance
como sucessor.
Ciro Gomes foi deputado estadual, prefeito de Fortaleza e
governador do Ceará antes de ser chamado pelo presidente Itamar Franco para ser
ministro da Fazenda, substituindo às pressas Rubens Ricupero, cuja frase
imortal ("Eu não tenho escrúpulos") foi captada por antenas
parabólicas. Depois foi ministro da obscura pasta da Integração Nacional no
primeiro governo Lula. Ele não é um político que se destaque pela coerência. Ou
que esteja preocupado em construir um partido. Tanto que já passou por seis
diferentes, tendo sido peemedebista, tucano, comunista e filopetista.
Candidatou-se à Presidência por duas vezes, em 1998 e 2002, e é difícil lembrar
alguma idéia sua, original ou não. É mais fácil lembrar que chamou um ouvinte,
no rádio, de "burro". Ou da vez que xingou um fotógrafo de
"babaca". Ou, ainda, quando disse que a função da sua namorada, a
atriz Patrícia Pillar, na campanha, era "dormir com o candidato".
"Olhando para trás, até agradeço não ter ganho aquelas
eleições, eu não estava pronto", avalia Ciro Gomes, 49 anos, com as
entradas no cabelo se tornando calva indisfarçável. E agora está?
"Amadureci", disse, numa recente manhã de domingo, de leve ressaca,
com um sorriso congelado nos lábios. Ele havia varado a madrugada no casamento
do filho do ministro César Asfor, do Superior Tribunal de Justiça, uma festança
que eletrizou a alta sociedade de Fortaleza.
Ele se levantou pouco antes do meio-dia e me recebeu
descalço, com uma blusa azul, de mangas curtas, que deixava ver a tatuagem de
dragão na parte interna do braço direito. Os pés de Ciro parecem
desproporcionais à sua altura: são pequenos, muito brancos, têm os dedos curtos
e delicados. O dragão, em tons de preto e laranja, está sempre escondido sob as
mangas compridas. "Não é a jornalista que está vendo essa tatuagem,
tá?", diz. Ele sai da sala para fazer café na cozinha. Não toca nos
pedaços de bolo, comprados numa padaria, em cima da mesa. De volta à sala, se
deitou no chão e se apoiou no antebraço para se expressar melhor.
"Mudei, cresci", informa, tirando longas
baforadas. "A gente aprende assim mesmo, na marra. Achava que tinha que
impor minha opinião, mas era algo que, no fundo, denotava agressividade e
insegurança. Minha fase de vida é outra, estou muito legal, na boa. Se eu
quiser parar, agora posso porque tenho um sucessor. Cid é melhor do que eu. É o
novo líder do Ceará." Fumou cinco cigarros Charm em duas horas. Sobre a
eleição em 2010, é lacônico: "não estou preocupado com isso agora".
Ciro Gomes conta que a sua relação com Lula, que se estreitou
durante a crise do mensalão, é bem maior do que se imagina. "Durante
meses, amanheci todos os dias às 7 da manhã no Planalto", conta. "Eu,
a Dilma Rousseff e o Marcio Thomaz Bastos. A gente passava a manhã inteira
debatendo a crise, procurando saídas para o problema. Depois, despachávamos com
Lula", diz. Ele revela ter sido o autor de algumas das perguntas feitas
por Lula ao candidato tucano, Geraldo Alckmin, nos debates na televisão durante
a campanha.
Quando a conversa se fixa nas ações do governo, Ciro tem uma
ligeira regressão à zanga característica dos Gomes. "Só intelectualóide
aburguesado é que critica o bolsa-família", ataca. "Falar que é
esmola é de uma ignorância que irrita. Eu já vi gente faminta invadindo
supermercado. Quem já viu isso não tem coragem de falar uma bobagem
dessas."
O apartamento de 250 metros quadrados fica de frente para a
praia de Iracema e tem a decoração esquálida da casa de um jovem de 20 anos: um
sofá de dois lugares que um dia foi creme, uma poltrona vinho desbotada
("A Patrícia ia jogar fora os móveis e pedi para ficar com eles",
conta), um bar bem abastecido ("A única garrafa aberta é a de uísque, o
resto é tudo presente"), home theatre e um narguilé. Nenhum quadro na
parede, nenhum enfeite, nenhuma planta. "Estava ainda pior",
reconhece. "A Patrícia esteve comigo aqui dois meses, arrumou bastante
coisa, mas é casa de homem sozinho mesmo."
Ciro Gomes se senta. Abraça os dois joelhos. Sua voz
continua mansa. Até começar a falar sobre o governador de São Paulo, José Serra.
Três dias antes, pela segunda vez, tivera sua conta bancária bloqueada por
conta de um processo aberto por Serra. "É algo totalmente ilegal, fico sem
poder tirar dinheiro no caixa eletrônico, é absurdo", irrita-se. Foi
processado porque, na campanha presidencial de 2002, atribuiu a Serra a batida
policial que encontrou dólares vivos num comitê de Roseana Sarney.
Ele se levanta para pegar a terceira xícara de café. Fala do
passado. Remói a suspeita de que foi o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso
quem tornou público o seu namoro, até então secreto, com a atriz Patrícia
Pillar. "Tenho certeza de que foi ele, só contei para ele", diz.
"Contei porque ele me sondava para um cargo e eu estava naquele momento de
vida complicado. No outro dia, a história já estava no jornal." Em 2002,
durante a campanha de Patrícia Saboya à prefeitura de Fortaleza, surgiram
boatos de que a proximidade com a ex criara ciúmes em Patrícia Pillar. Pergunto
sobre o assunto. Ciro Gomes fica mudo, à espera da mudança de assunto. Ele está
mesmo mais controlado.
"Trato todo mundo bem, acho legal, mas não vou sair
para jantar eu, o Ciro e a Pillar, óbvio", diz a senadora Patrícia Saboya,
de 44 anos, que foi casada por catorze e tem três filhos com Ciro Gomes. Em seu
gabinete em Brasília, ela puxa uma cadeira, ajeita a saia preta, pega um
cinzeiro. Quando ri, os olhos se espremem até formar só um risco. Ela usa
perfume caro e bom. Antes de expor um raciocínio sobre separação conjugal e
política, ela pede café. "Eu era vista como uma coitadinha traída",
diz. Ela atribui à fossa da separação a derrota que sofreu nas urnas.
"Estava muito fragilizada, e as pessoas percebem isso. Para piorar, o Ciro
ficava do meu lado no palanque." Ciro Gomes a chama de senadora.
Mesmo negando a existência da oligarquia dos Gomes, Patrícia
Saboya diz que é o seu ex-marido "quem passa proteção para o grupo".
Às vezes, ela reconhece, a proteção é excessiva: "Ele ainda intimida a mim
e aos irmãos. Eu falo melhor, discurso melhor se ele não está por perto".
À época da separação, a mãe de Ciro Gomes se solidarizou com a ex-nora.
"Eu não aceitava essa história", conta dona Maria José, que tem o
apelido de Mazé. "A Pillar me chamava para ficar na casa dela, e eu não
ia." Os filhos do casal moram sozinhos, em São Paulo, e a senadora adotou
por conta própria uma menina. Até há pouco tempo, ela namorava Sergio Alberto
Monteiro de Carvalho, irmão de sua amiga Lilibeth, primeira mulher de Fernando
Collor.
Na família Gomes, na regra, as mulheres se dedicam às
prendas domésticas. Aos 77 anos, Mazé mora sozinha e toma aulas de canto
lírico. Apesar de participar da campanha dos filhos, sua opinião é pouco
solicitada. "São eles que decidem as coisas, eles que sabem", diz a
matriarca. Todos os filhos têm os olhos e o sorriso da mãe. "Eu não queria
me casar, gostava muito de festa", lembra ela. Sucumbiu aos 28 anos. Era
professora primária, no interior de São Paulo, onde conheceu o marido, que
insistiu em voltar para sua terra natal. Afastada da família, ela viajava para
Pindamonhangaba, onde morava sua mãe, para dar à luz. Ela ainda fala os
"rr" como se morasse no interior de São Paulo.
Ciro e o segundo irmão, Lúcio, 48 anos, ex-chefe de gabinete
e tesoureiro de campanha do mais velho, nasceram lá. Cid está casado pela
segunda vez. Sua mulher, que espera um bebê para junho, é vista apenas em
solenidades. Ivo se casou, aos 33 anos, com uma ex-rodomoça. Tem dois filhos.
Ele não se lembra como se conheceram. "Ela gosta de ficar em casa",
diz.
Em 10 de novembro de 1919, o berço político dos Gomes foi
destaque no New York Times: "A teoria de Einstein triunfa!",
comemorou o jornal americano. Uma expedição de cientistas ingleses e americanos
foi a Sobral para comprovar, por meio da observação de um eclipse, um efeito
previsto na Teoria da Relatividade: o desvio da luz ao passar por um intenso
campo de gravitação, como o do sol. Só havia dois lugares do mundo para se
observar o fenômeno: Sobral e o arquipélago de São Tomé e Príncipe, na África,
onde choveu. Em Sobral, o tempo foi perfeito.
A 230 quilômetros de Fortaleza, temperatura média de 34
graus à sombra, Sobral teve relevância regional no final do século XIX. Por
décadas, foi governada por padres que fundaram jornais, a universidade,
construíram museus e controlavam a leitura da população. Situada nas imediações
do porto de Camocim, o único que havia no Ceará, a cidade era um entreposto
comercial. Tudo e todos que rumavam à capital passavam antes por ali.
Comerciantes locais trocavam charque e couro por jogos completos de porcelana
da Companhia das Índias, trazidos pelos europeus. Usavam-se luvas na rua. Havia
segregação explícita: morenos e negros andavam de um lado da calçada. Os
brancos, do outro. Foi daí que nasceu o mito de que quem nasce em Sobral é
"besta" - que no vocabulário local quer dizer "metido".
Há duas Sobral. Numa, a "besta", há uma réplica do
Arco do Triunfo, um jóquei clube, ônibus escolares amarelos, onde se lê
"School bus", doados pelo governo americano, escola de línguas
pública, um museu de arte moderna, um de arte sacra, um casario tombado pelo
Patrimônio Histórico e locais onde é possível acessar a internet sem-fio. Um
dos restaurantes mais chiques, o Pinos, fica no prédio de um supermercado no
estacionamento de um posto de gasolina. Na outra Sobral, campeiam as favelas, a
miséria, a sujeira. Nela, as promessas eleitorais dos Gomes não saíram do
papel. Na sociedade, há três Sobral: a casta decadente, habituada a um glamour
do passado; a emergente, formada por profissionais liberais atraídos pelos dois
motores econômicos da cidade: a fábrica de cimento Poty e a Grendene, que
juntas empregam mais de 16 mil funcionários; e os pobres.
As famílias ricas eram os Saboya, os Sanford, os Deodatos,
os Mont'Alverne. Só recentemente os Gomes passaram a integrar a elite. Antes,
eram pequenos comerciantes ou funcionários públicos, como o patriarca, o
defensor público José Euclides Ferreira Gomes Júnior. Gordo, suado boa parte do
tempo, sem alguns dentes molares, fama de galanteador, ele não se importava com
a pecha, disseminada na cidade, de grosseiro e pão-duro. Apesar disso, José
Euclides era tido como muito culto e inteligente. Não tinha militância
política, apenas uma difusa simpatia pelo regime militar. Foi um espanto, pois,
em 1975, quando seu nome foi cogitado para ser prefeito de Sobral.
"Papai entrou por acaso na política, mas ganhou a
eleição em que era o azarão", explica Cid. Até então, a política
sobralense se alternava entre duas famílias: os Prado e os Barreto. Zé Prado
estava em busca de um sucessor, e José Euclides lhe pareceu adequado por ter
fama de austero. Sua inabilidade ficou visível na campanha, quando chamou parte
do eleitorado de "bagaceiros". Eleito por uma diferença mínima de
votos, teve uma gestão morna: de relevante, construiu uma estrada para a serra,
a sede da prefeitura, abriu uma avenida e fez um mercado municipal, desativado
pelo sucessor. Ele morreu em 1997.
José Euclides não costumava beijar nem abraçar os filhos.
Acreditava que criá-los com distância, e mão firme, os tornaria independentes.
Ciro era seu preferido. "Ele apoiava tudo o que Ciro fazia, e com os
outros filhos não era bem assim", lembra Mazé. A família vivia
modestamente. "Não era gastança, mas a gente viajava de avião numa época
que isso era raro, sempre tivemos comida na mesa, e os filhos não tinham que
herdar as roupas dos irmãos", conta. Na adolescência, Ciro era conhecido
como "Pescoção", Cid era "Tatá", Lúcio "O Pose"
(porque era tido como arrogante) e Ivo é "Ivinho" até hoje.
Ivo Gomes é considerado o mais irritadiço e culto da
família. Na adolescência, fez intercâmbio nos Estados Unidos. Foi o primeiro
dos Gomes a falar inglês. Depois de ter se formado em Direito, prestou concurso
para a Procuradoria Geral de Fortaleza e continuou morando na casa dos pais.
Pouco ficou no cargo. Desde cedo, assumiu postos nas campanhas e nos governos
dos irmãos.
Com a indicação de Mangabeira Unger, guru de Ciro, Ivo foi
aceito para o mestrado em Harvard. A foto da formatura está na parede de seu
gabinete. Harvard se tornou quase um sobrenome. "Ivo tem mestrado em
Harvard", repetem parentes, amigos, conhecidos e áulicos ao se referir ao
caçula. "Menos títulos e mais grana talvez fosse melhor", diz ele,
gargalhando.
Era quase noite, quando Ivo abriu a porta de seu gabinete.
Calça jeans, mocassim marrom e camisa ocre, ele aparenta mais do que seus 38
anos. Como os irmãos, Ivo adora citar números e estatísticas. Costuma elevar o
tom de voz quando é interrompido por uma pergunta. "Meu pai tinha mesmo
adoração pelo Ciro", diz. "Fui criado no clima de 'respeite seu irmão
mais velho', mas não tenho problemas com isso, sou resolvido." Ele pede
licença para comer. "Ainda não almocei", explica. Toma água com
biscoitos de polvilho.
Na volta dos Estados Unidos, Ivo resolveu se candidatar a
deputado estadual. Está em seu segundo mandato. Ciro Gomes diz que chegou a
brigar com o irmão para que não o fizesse: "O cara saiu de Harvard com
proposta de 15 mil dólares de emprego e quis ser político no Ceará. Eu falei
para ele não vir. Ficamos quatro anos brigados por isso". Ivo se levanta,
para buscar um livro com a radiografia da Educação no Ceará. "Passei
quatro anos fazendo isso como deputado, pode levar", oferece. Agradeço e
digo que vou ler. "Não seja cínica", me diz.
Os Gomes nunca tiveram bandeira política. "Afinamos de
ouvido porque compartilhamos as mesmas idéias", diz Cid. Governam cercados
de amigos, mesmo que seja preciso mudar leis, ou passar por cima de algumas,
para nomear correligionários. Cid Gomes nomeou Ivo para chefe de gabinete, o
que lhe valeu acusações de nepotismo. No mês passado, alterou um decreto
regional para acomodar um aliado.
Contam com uma tropa de choque regional e amigos fiéis como
o ex-deputado Oman Carneiro, assessor parlamentar de Ciro, ou Leônidas
Cristino, atual prefeito de Sobral, e o empresário Arialdo Pinho, chefe da Casa
Civil. Foi ele quem empregou Ciro como diretor estratégico do Beach Park, então
de sua propriedade, com um polpudo salário e um Audi A6, depois da sua primeira
campanha para presidente. Há anos os Gomes vivem da política. Construíram o
grosso do patrimônio graças ao eleitorado.
Cid Gomes, de 43 anos, é tido como o mais habilidoso. Além
de conseguir compor seu governo agregando até adversários, ele promoveu várias
melhorias na Sobral "besta". Em dois mandatos como prefeito, ele
tirou jumentos das ruas e botou esgoto, calçadas, asfalto, biblioteca, pontes e
museu. Também incentivou a produção de um vinho tinto sobralense (de qualidade
duvidosa). O outro lado do rio Acaraú ainda lembra uma favela abandonada.
Com 1,84 metro de altura, 80 quilos, Cid Gomes tem o cabelo
tão escuro que parece pintado. Num fim de manhã, ele usava camisa Lacoste azul
com as mangas arregaçadas, calça azul escura e sapatos bem lustrados. Cid
responde às perguntas de maneira monossilábica. "Sou tímido",
informa. Desde que assumiu o governo, passa pelo menos catorze horas enfurnado
em seu gabinete. Quando quer relaxar, brinca no computador com um joguinho
chamado Luxor. É no gabinete que almoça, uma porção de camarão com molho branco
e arroz com passas.
Ele conta que teve uma curta experiência na iniciativa
privada: "Montei na faculdade uma revendedora de medicamentos com colegas,
comprei uma Parati e logo descobri que meu negócio é política", diz. Aos
19 anos, já trabalhava com Ciro. "Foi quando ganhei meu primeiro salário,
que mal dava para pagar as contas", lembra.
Cid termina de almoçar e passa para o sofá. Acende o segundo
cigarro. Assim como Ivo e Ciro, que passaram temporadas nos Estados Unidos, Cid
morou em Washington por seis meses. Mantinha-se com uma bolsa do Banco
Interamericano de Desenvolvimento, no valor de 6 mil dólares mensais. Cid diz
ter dois apartamentos, um de 200 e outro de 250 metros quadrados, na capital, e
onze terrenos em Sobral. Cid faz longas pausas antes de responder. A resposta
mais rápida foi por que a maioria das obras de Sobral era tocada pela
empreiteira Tecnocom, de propriedade de um amigo dos irmãos Gomes, Irineu
Júnior.
As sobralenses se cumprimentam com beijinhos no ar. Nunca na
bochecha. Até há alguns anos, os clubes eram fechados e as senhoras se
descabelavam para entrar na lista das dez mais bem vestidas. "Hoje tá tudo
povão aqui, misturou demais", lamenta a ex-socialite Lúcia Rocha, dona de
uma butique. Ela diz que as famílias da elite só se encontram no Rotary ou no
Lions Club, "e nas casas da Serra da Meruoca". A quinze quilômetros
da cidade, com temperaturas até quinze graus mais amenas, Meruoca é uma espécie
de Campos do Jordão cearense. Os mais abonados mantêm as casas de campo,
algumas com lareira. Há um restaurante especializado em fondue. Os Gomes também
têm uma casa na serra. "Herança", diz Ciro Gomes. É ali que ele se
hospeda quando está na cidade com Patrícia Pillar. Além do sítio, ele e os
irmãos herdaram do pai três fazendas.
Se houve bons tempos do society local, eles foram animados
por Adonias Filho, o factotum da cidade. Decorador, colunista, estilista,
cabeleireiro, promoter, ex-professor de patinação, dono de boate, seu
investimento mais recente foi abrir um motel (7 reais a hora) de tijolos
aparentes na porta ao lado de sua casa. Magro, cabelos tingidos de loiro,
óculos escuros de lente azul, brinco na orelha, 63 anos, mesmo os machões da
cidade o cumprimentam com beijos. No Carnaval, ele se vestia de She-Ra, a irmã
de He-Man, pintava um jumento de tinta branca, para parecer o cavalo branco da
personagem do desenho.
Por mais de uma década, Adonias Filho editou o jornal Um
luxxo, no qual elegia as dez mais elegantes de Sobral. Quando Ciro Gomes foi
eleito prefeito de Fortaleza, ele encabeçou uma manifestação contrária. Trazia
uma faixa crítica. Cid Gomes partiu para cima para rasgá-la. Adonias se enrolou
no pano. Ele conta: "Eu disse: 'Se for rasgar, me rasgue também'".
Foram parar na delegacia. "Os Gomes são temidos", diz. "São como
sombra de mangueira: embaixo deles não nasce nada", afirma.
Antonio Carlos Magalhães, do PFL, acha que os Gomes têm
chances de chegar ao Planalto. Poucas chances, porque o senador não acredita
que Lula vá apoiar Ciro. A vantagem de Ciro, avalia, está justamente na
família. "O irmão, o governador, é mais hábil e moderado do que ele. E o
Ciro controla a Patrícia. Não a Pillar, a senadora. Quer dizer: ele controla as
duas. O que prejudicou o Ciro nas eleições para presidente foi a língua, aquele
jeito de usar frases inconvenientíssimas e respostas violentas para coisas
menores." Foi derrotado pelo estilo Gomes.


Nenhum comentário:
Postar um comentário