Por Miriam Leitão, colunista de O Globo
Quem comparar o que a presidente Dilma falava há um ano e o
que ela disse esta semana concluirá que são duas pessoas. O que dizia é o oposto
do que diz. Os casos de divórcio entre a então candidata e os fatos foram
muitos na campanha. No “Jornal Nacional” do dia 19 de agosto de 2014, Dilma
afirmou que a inflação era zero e que pelos “indicadores antecedentes” o país
estava retomando o crescimento.
Em entrevista aos três maiores jornais na segunda-feira,
Dilma disse: “Fico pensando o que é que podia ser que eu errei”. Ela mesma
respondeu que o erro foi ter demorado tanto a perceber a crise. Em seguida,
justifica o erro. “Não dava para saber em agosto. Não tinha indício de uma
coisa dessa envergadura.”
Exatamente naquele agosto, em que a presidente acha que não
dava para saber, o jornalista William Bonner fez a seguinte pergunta para ela,
com riqueza de dados e indícios de crise de grande envergadura:
“A inflação anual, neste momento, está no teto daquela meta
estabelecida pelo governo, está em 6,5%. A economia encolheu 1,2% no segundo
trimestre deste ano e tem uma projeção de crescimento baixo para o ano que vem.
O superávit deste primeiro semestre foi o pior dos últimos 14 anos. Quando
confrontada com esses números a senhora diz que é a crise internacional. Aí,
quando os analistas dizem que 2015 vai ser um ano difícil, um ano de acertos de
casa, que é preciso arrumar a economia brasileira e, portanto, isso vai impor
sacrifício, vai ser um ano duro, a senhora diz que isso é pessimismo. E aí eu
lhe pergunto: a senhora considera justo, olhando para os números da economia,
ora culpar o pessimismo, ora culpar a crise internacional pelos problemas? O
seu governo não tem nenhum papel, nenhuma responsabilidade nos resultados que
estão aí?”
Dilma respondeu:
“Bonner, primeiro, nós enfrentamos a crise, pela primeira
vez no Brasil, não desempregando, não arrochando os salários, não aumentando os
tributos, pelo contrário, diminuímos, reduzimos e desoneramos a folha.
Reduzimos a incidência de tributos sobre a cesta básica. Nós enfrentamos a
crise, também, sem demitir. Qual era o padrão anterior...”
Bonner: “Mas o resultado, no momento, é muito ruim,
candidata.”
Dilma: “Não, o resultado no momento, veja bem...”
Bonner: “Inflação alta, indústrias com estoques elevados,
ameaça de desemprego ali na frente.”
Dilma: “Veja bem, Bonner. Eu não sei, eu não sei da onde que
estão seus dados, mas nós estamos...”
Bonner: “Da indústria, candidata.”
Dilma: “Nós temos duas coisas acontecendo. Nós temos uma
melhoria prevista no segundo semestre. Vou te dizer por quê.”
Bonner: “Isso não é ser otimista em contrapartida ao
pessimismo que a senhora critica?”
Dilma: “Não. Não. Você sabe, Bonner, tem uma coisa em
economia que chama os índices antecedentes. O que que são os índices
antecedentes? A quantidade de papelão que é comprada, a quantidade de energia
elétrica consumida, a quantidade de carros que são vendidos. Todos esses índices
indicam uma recuperação no segundo semestre, vis-à-vis ao primeiro. Além disso,
a inflação, Bonner, cai desde abril, e, agora, ela atinge, hoje, se você não
olhar pelo retrovisor e olhar pelo que está acontecendo hoje, ela atinge 0%.
Zero.”
Este é um exemplo. Em todas as entrevistas, Dilma foi
confrontada com os dados, em todas ela os negou e atacou adversários que
apontavam a necessidade de ajuste, que defendiam o corte de ministérios e a
redução dos gastos do governo. Era possível saber. Difícil era ignorar os
abundantes indicadores antecedentes de que o Brasil estava entrando numa crise
pelos erros cometidos pelo governo.
A distância da realidade continua, ainda agora. Na
entrevista de segunda-feira, ela defendeu o ex-presidente Lula e disse que a oposição
incentiva contra ele uma “intolerância inadmissível”. E acrescentou: “A
intolerância é a pior coisa que pode acontecer numa sociedade, porque cria o
“nós” e o “eles”. Isso é fascismo.” Quem mais incentiva essa divisão é o grupo
político da presidente. Aliás, houve um comício em 2014 em que o ex-presidente
Lula gritou do palanque: “agora é nós contra eles”. Isso depois de citar como
sendo “eles” dois nomes de jornalistas: o de William Bonner e o meu.
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