Artigo de Fernando Gabeira
Banqueiros, empresários e colunistas têm se pronunciado
contra o impeachment de Dilma. Faltam elementos, dizem alguns. Ainda faltam,
dizem outros mais cautelosos.
O próprio New York Times chegou a essa conclusão, com o
mesmo argumento: não há motivo. Creio que essa convicção possa evoluir quando
analisarmos todas as pontas da investigação.
O quadro geral desenha um governo que utilizou um esquema
criminoso para se manter no poder. Mas quadros gerais não bastam. O ministro
Gilmar Mendes foi o primeiro a juntar as pontas que revelam o caminho do
impeachment: contas de campanha. A vulnerabilidade de Dilma fica clara quando o
turbilhão de informações fragmentadas começa a tomar corpo.
De fato, não basta ver a Petrobrás em ruínas, destroçada
pelo governo petista nem saber que o partido recebeu milhões das empreiteiras
da Lava Jato. O senso comum ligaria as propinas à campanha milionária de Dilma.
Mas é preciso mais. Um dos empreiteiros, Ricardo Pessoa, da
UTC, doou R$ 7,5 milhões à campanha de Dilma, por intermédio do tesoureiro,
Edinho Silva. E não foi por amor à causa, mas medo de perder seu negócio
milionário com o governo.
Nas anotações de Marcelo Odebrecht há menção às contas na
Suíça que poderiam aparecer na campanha de Dilma. As contas existem e eram
usadas para pagar propinas.
Descendo um pouco mais a escada, Gilmar Mendes encontrou
inúmeros indícios de ilegalidades na campanha de Dilma. Só uma empresa que tem
um motorista como sócio recebeu R$ 24 milhões da campanha de Dilma. A empresa
chamase Focal. Está sendo investigada e parece que uma cirúrgica troca de
letra, pode definir melhor a natureza de seu negócio.
Por que todos esses fatos encadeados ainda não motivaram uma
investigação do Ministério Público? Talvez fosse impossível para Rodrigo Janot
viver a contradição de investigar Dilma e, simultaneamente, colocar sua própria
confirmação como procuradorgeral nas mãos dela. Como possivelmente será
difícil investigá-la depois de ter seu nome confirmado por ela. Mas agora é
diferente.
Janot está sendo acionado por um ministro do Supremo que,
como o senso comum, acha que existe uma relação entre o assalto à Petrobrás e a
campanha de Dilma. Só que Gilmar, como outros observadores, acha isso a partir
de indícios, depoimentos, que só não convencem porque ainda são tratados
fragmentariamente. Gilmar é ministro do TSE e aponta o caminho real, unificando
os indícios, mostrando a leviandade de ignorar os dados da Lava Jato num
julgamento desses.
Os ventos legais conduzem ao impeachment, assim como os
clamores da rua. O impeachment, dizem alguns, seria traumático:
instrumento muito raro e já aparece duas vezes numa jovem
democracia. Mas que outra maneira tem a jovem democracia senão aplicar a lei?
Outro argumento é que duas quedas num curto espaço de tempo
deformariam o eleitorado, que passaria a votar de forma irresponsável, contando
sempre com o impeachment. É uma tese discutível. Ela serviria também para
anular a utilidade do instituto do recall político, que existe desde o início
do século 20 nos Estados Unidos.
A base legal do impeachment sairá da análise cruzada das
contas de Dilma com os dados da Lava Jato e toda essa indústria de notas frias
de gráficas inexistentes e empresas de fachada. Os fatos estão aí e a história
de que foram doações legais não resolve o problema. Tornar legal dinheiro
obtido em esquema de corrupção é pura lavanderia.
Quando todas as peças se encaixarem e a evidência emergir,
pode ser ainda que muitos prefiram a continuidade de Dilma. Mas aí será outra
discussão.
Estamos no auge de uma crise econômica e política. A
realidade exterior nos surpreende com notícias negativas, como os sobressaltos
na China, com possível repercussão aqui. E se olharmos para um quadro mais
amplo, o clima, veremos que se esperase um El Niño intenso este ano. Isso
significa grandes problemas, como os que tivemos em 1988. Incêndios no Norte,
inundações no Sul. O El Niño não tem o peso das questões urgentes do momento.
Mas os analistas, quando Dilma assumiu, disseram que ela enfrentaria uma tempestade
perfeita. Ainda não contavam com o El Niño, a tempestade das tempestades.
Diante de um quadro econômico, político e climático tão
adversos, supor que uma presidente detestada pela maioria, sem apoio no
Congresso, é a mais indicada para conduzir o País é a opção pelo imobilismo. E
em termos nacionais é hora de se mover, não de ficar parado.
Não se fala mais que impeachment é golpe. Apenas que não há
motivo para o impeachment. É positivo, porque esse debate popularizou o texto
da Constituição, que prevê o impeachment.
O argumento de agora tem uma outra natureza: o impeachment é
um instrumento legal, mas não há motivo para ele. Quando se der a ligação das
evidências esparsas, o argumento de que não há motivo dará lugar ao medo de
traumas para a estabilidade dos negócios. Aí talvez o debate seja mais fácil.
Nossa experiência histórica mostra que não dói tanto assim. Os que pedem um
Fiat Elba de Dilma vão se deparar com verbas que dariam para comprar muitas
Ferraris e Lamborghinis.
Será uma discussão simples: aplicar ou não aplicar a lei. A
escolha de não aplicála, essa, sim, pode abalar os alicerces de nossa
convivência democrática. E nos afundar numa crise desesperadora. O ministro
Celso de Mello tem razão quanto aponta uma delinquência institucional mascarada
de política. Conviver com a impunidade nesse nível é humilhante para os
brasileiros. Eles saberão voltar às ruas, nos momentos adequados.
Nesta semana Dilma e Lula foram lembrados com frases de
protesto no rodeio de Barretos. mapa mundial por satelite mapa provincias Não
aprovo os termos do protesto, mas eles revelam como se espalha a rejeição.
Quem valoriza o equilíbrio no Brasil de hoje tem de
perceber, como um ciclista, que ele depende do movimento. Parados, vamos todos
cair no chão, embora uma queda de banqueiros e empresários seja suavizada pelos
bolsos acolchoados.
Artigo publicado no Estadão em 28/08/2015
Nenhum comentário:
Postar um comentário