Artigo de Fernando Gabeira
Temer falou que Dilma não se mantém no governo com o baixo
índice de popularidade. Foi um deus-nos-acuda. Não se fala em corda em casa de
enforcado.
O governo só pensa em sobreviver, e paradoxalmente, cava seu
próprio abismo. Não me refiro apenas às notícias ruins que os dados econômicos
nos transmitem. Refiro-me à performance autodestrutiva do governo. Dilma viveu
um 7 de Setembro isolada por placas de ferro, não teve condições de se dirigir
ao País, com hora marcada na televisão.
No entanto, na véspera, acordou com uma ideia genial: vou
sacanear os militares. Eles estão muito quietos. E assinou um decreto reduzindo
os poderes dos comandos das Forças Armadas. Às vezes fico pensando se não é uma
tática. Mas não consigo entender sua lógica. Como Dilma não é uma articuladora
diabólica, prefiro pensar que é só incapacidade.
Levy, em Paris, disse que a elevação do Imposto de Renda
pode ser um caminho para cobrir o rombo fiscal. É ou não é um caminho?
Ele vai apanhar muito por sua ideia. E talvez nem chegue a
apresentá-la. Qualquer Maquiavel de botequim o aconselharia ou a fazer de uma
vez ou, então, silenciar.
O erro de Levy ainda se pode explicar pelo desespero de
buscar recursos para um Orçamento estourado. Mas é um erro que encobre outro maior:
a ideia de aumentar impostos depois de o governo ter perdido a credibilidade.
O raciocínio de Temer, que deu inúmeras explicações sobre a
frase, completava-se com a expectativa de que a crise seria superada e Dilma
iria recuperar um nível de popularidade”razoável”. Mas é a própria expectativa
de Temer que não é razoável. Como Dilma vai recuperar a popularidade? Como vai
conduzir a recuperação econômica? Como uma presidente sem experiência política
vai fazer a travessia, uma vez que a maioria a considera mentirosa e
responsável pelo buraco em que nos metemos?
As raposas do PMDB diriam: para bom entendedor meia palavra
basta. Não é bem assim. Carlos Lacerda, no livro República das Abelhas, dizia
que o Brasil parecia um homem que foi bêbado para a cama, dormiu pouco e mal,
mas precisa acordar bem cedo pela manhã. Você tem de sacudi-lo, estapeá-lo. Se
ficar fazendo festinha, ele não se levanta.
Lacerda apoiou alguns socos abaixo da linha da cintura, como
o golpe militar de 64. Mas sua frase me fez refletir um pouco sobre esse
possível despertar do Brasil.
Os fatos negativos se sucedem. Essa incrível quantidade
levará a um salto de qualidade por si própria? Ou vai surgir da esfera da
política, no sentido mais amplo, o impulso para que o salto se dê?
As manifestações de 16 de agosto indicaram uma grande
confiança na Operação Lava Jato. Uma confiança merecida. No entanto, será que
ela basta?
Estamos entrando numa crise de longa duração. Quanto mais
tempo perdermos, mais vamos impor ao País, inclusive às novas gerações, grandes
dificuldades futuras.
Será preciso uma intervenção maior da sociedade. De todas as
maneiras. Em Nova York o cantor Fábio Junior denunciou a quadrilha que domina o
Brasil. Alguns discutiram os termos do protesto, o público do cantor, seus recursos
estéticos. Mas o cantor e os brasileiros que estavam lá, não importa sua opção
estética, são morenos como nós, pagam impostos, têm sonhos e gostam do Brasil.
Eles se manifestaram como inúmeros outros o fazem aqui, dentro do País.
Essa pressão social sobre um governo incapaz funciona como
algumas sacudidas para o País acordar. Mas como um homem que dormiu tarde e
precisa acordar cedo, será preciso ainda mais.
Já está ficando ridícula essa história de Dilma se desculpar
pela metade. O governo não tem de responder apenas pelos seus erros, que ela
nem admite completamente, usando o condicional: se cometi erros, é possível...
Ora, os governos de Dilma e Lula estão na iminência de responder por crimes, no
petrolão e nas campanhas presidenciais.
Nesse emaranhado de problemas, há os que, como Temer, têm
uma expectativa de que Dilma faça a travessia. Ninguém, no entanto, é capaz de
analisar desafio por desafio e nos convencer de como ela vai superá-los.
Da crença num suposto respeito à legalidade eleitoral, desloca-se
rapidamente para a crença num milagre. Esperam que Dilma acorde renovada e
conduza a grande travessia. Aí, ela acorda invocada e vai mexer com os
militares – que, por sinal, foram bastante discretos na reação.
A cada semana inventam um novo imposto. A cada semana
fracassam. O governo é um Sísifo ao contrário. Sísifo pelo menos, segundo a
lenda, levava a pedra até o alto da montanha e a recolocava incessantemente. O
governo está no alto da montanha jogando pedra para baixo. Quebrou o País,
dirigi-lo tornou-se uma responsabilidade tão áspera que a própria oposição
hesita em assumi-la.
Então, como vamos sair dessa? As pessoas na rua pedem
impeachment, de uma forma que as vezes me preocupa. Acham que o impeachment vai
resolver todos os problemas. Na verdade, é só um passo. Se as forças políticas
não conseguem discutir nem o impeachment, abertamente, o que dirá de um
programa nacional para se sair da crise?
Muitos analistas concordam que a crise pode levar-nos a um
retrocesso, dependendo da maneira como a enfrentamos. O problema é que nem
sequer a estamos enfrentando de forma coordenada. Essa lentidão pode nos custar
alguns anos a mais de sufoco.
Dilma naufragou no oceano de suas mentiras, nas correntes
geladas da crise, na trajetória de delinquência institucional do PT. No
momento, somos como um barco de refugiados à deriva no Mediterrâneo.
Não podemos naufragar, nem esperar resgate. Somos grandes
demais para a Europa, ou qualquer outro continente. Ou nadamos ou afundamos.
Fernando Gabeira é jornalista – Artigo publicado no O Estado de S.Paulo
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