Da IstoÉ
Ao retirar do Brasil o selo de bom pagador na quarta-feira
9, a Standard & Poor’s, principal agência de classificação de risco,
escancarou o que já era um sentimento nos meios políticos, jurídico e
empresarial: a crise político-econômica tem nome e sobrenome. Atende por Dilma
Rousseff. O rebaixamento para grau especulativo, o que significa maior risco de
calote, foi atribuído pela S&P à incapacidade da gestão Dilma de equilibrar
as contas públicas, às constantes revisões das metas de superávit fiscal e às divergências
profundas de integrantes do governo em torno do tema. No final da última
semana, a pergunta que se impunha no País era como Dilma ainda poderia seguir
na cadeira de presidente da República. Entre os próprios petistas, a avaliação
é de que a falência completa da gestão, agravada com a perda do grau de
investimento, implodiu as derradeiras pontes construídas - a muito custo - pelo
governo com setores do empresariado no início de agosto. E arrebentou o último
fiapo que ainda unia o governo às classes C e D – agora desesperadas com a
certeza do aumento do desemprego e da recessão.
Produziu-se um consenso de que o País possui fôlego curto
para suportar a crise atual. E a saída do atoleiro passa pelo afastamento da
presidente – seja por renúncia ou impeachment, processo que voltou a ganhar
força nos últimos dias. Poucas vezes, empresários verbalizaram essa posição com
tanta eloquência. Até ministros próximos de Dilma vislumbram um cenário
provável de impeachment até o final do ano. “Já há um distanciamento da classe
política. Agora, a pressão dos empresários vai ser insuportável. Acho que Dilma
vai ter de ir embora, vai ter que renunciar. É o capítulo final”, prevê o
economista Luiz Carlos Mendonça de Barros, que até semana passada adotava um
discurso mais moderado.
A preocupação é geral e genuína e já não se pode mais
atribuir a postura crítica ao governo ao já surrado discurso do Fla-Flu
político. Os temores sobre o futuro do País são reais. Hoje, o Brasil
encontra-se à beira de um precipício e sem perspectivas de reversão de rumo.
(leia mais sobre as conseqüências do downgrade às págs 36 e 37). Em abril de
2008, em um evento em Teresina, Piauí, o então presidente Lula, o mesmo que
agora diz sem corar a face que o rebaixamento do País não significa nada,
comemorou efusivamente, quando a mesma S&P concedeu o grau de investimento
ao Brasil. “Se fossemos traduzir para uma linguagem que todos os brasileiros
entendam, pode-se dizer que o Brasil foi declarado um País sério, que tem
políticas sérias, que cuida de suas finanças com seriedade”, afirmou Lula em
2008. Sete anos depois, Lula adota uma nova retórica política. Diz o que
precisa ser dito, não o que realmente pensa. Se o governo fosse outro e ele se
encontrasse na trincheira da oposição, Lula diria que hoje o País - e sua
governante - perderam totalmente a credibilidade.
A julgar pelas pesquisas de popularidade, poucos discordam
que o quadro de terra arrasada foi produzido pela própria presidente Dilma. O
rosário de mentiras desfiadas durante a campanha eleitoral fizeram com que a
população a caracterizasse no 7 de setembro como um boneco inflável – nos
moldes do confeccionado para fustigar Lula, com trajes de presidiário – em uma
declarada alusão ao personagem Pinóquio, pelo nariz comprido. Não à toa. Não
bastassem as sucessivas contradições com o País das maravilhas exibido no
horário eleitoral, na última semana Dilma conseguiu romper definitivamente com
os mais caros compromissos assumidos na campanha. Para tentar sair da crise e
salvar a própria pele, agora ela ministra o mais amargo dos remédios: o corte
de programas sociais e o aumento de impostos. Em jantar com jornalistas, em
maio de 2014, a presidente rechaçou qualquer possibilidade de lançar mão da
elevação de tributos como solução para disciplinar as contas públicas. “Não vai
ter aumento de imposto. Não tem nada em perspectiva”, afirmou. No evento, a
então candidata à reeleição, que também descartou a intenção de passar a
tesoura nos programas sociais, foi além. Vaticinou que a saúde econômica do
Brasil assemelhava-se a de um jovem, com coração forte e pulmão de atleta. “O
Brasil é um país sólido, com estabilidade econômica, uma indústria sofisticada,
altamente atraente para o capital internacional. O Brasil vai bombar”. Como
todos já sabem, hoje a bomba é outra e precisa ser desarmada com urgência sob
pena de o País ser condenado a conviver com a recessão por quase uma década, o
que exigiria sacrifícios mais pesados do que aqueles que já estão sendo feitos
atualmente pela população. Agora, sem planejamento e demonstrando desespero, o
governo se perde nas duas agendas que sempre renegou: o aumento de imposto e o
corte de gastos – inclusive no social.
Sobre os integrantes da equipe presidencial que discutem
aumento de tributos existe uma forte pressão para que a Cide, o imposto sobre a
comercialização da gasolina e do óleo diesel, volte a ser cobrada do
consumidor. O principal obstáculo para esta solução é o impacto exercido sobre
a medição da alta dos preços, podendo gerar um aumento de 0,8% na inflação.
Outra possibilidade para gerar receita seria a criação de uma nova taxa sobre
as operações de crédito, que não entrasse na conta da inflação, mas que tivesse
uma abrangência nacional e de arrecadação imediata. Algo como a CPMF, mas
batizado com um outro nome mais palatável à população, como se isso fosse
possível na atual conjuntura.
Uma iniciativa como esta só poderia ser pior se combinada
com cortes nos programas sociais. É o que o Planalto já está fazendo, a
despeito de contrariar outra promessa de campanha. Na última semana, Dilma
abortou o lançamento da terceira etapa do Minha Casa, Minha Vida. O governo
classifica a decisão como “adiamento”, para que se possa primeiro honrar as
dívidas contraídas para executar estágios anteriores do programa. Mas, na
prática, trata-se de uma puxada no freio de mão. Os empenhos dos valores do
Minha Casa Minha Vida 1 e 2, conforme apurou ISTOÉ, já caíram pela metade: de
R$ 10,3 bilhões para R$ 5 bilhões.
As decisões administrativas equivocadas, que aprofundam a
crise econômica, somadas à fragilidade política da presidente, conferiram
velocidade, força e materialidade a um novo pedido de impeachment preparado por
setores da oposição e até da situação. O grupo pró-impeachment composto por
integrantes do PSDB, DEM, PPS, SD, PSC, PTB, PSD e PMDB oficializou na
quinta-feira 10 o lançamento de um site com petição pública para recolher
assinaturas e incentivar no Congresso a abertura de um processo de afastamento
de Dilma. O movimento já contabiliza 280 votos, o suficiente para aprovar a
admissibilidade para o início de um processo em plenário. A página na internet
traz a íntegra do pedido de impeachment apresentado pelo jurista Hélio Bicudo,
fundador do PT. “Acho Dilma incapaz de ser presidente. Ela não tem nenhuma
capacidade mental para dirigir o País. Não falta acontecer mais nada para que
ela sofra o impeachment. Os crimes já se consumaram. Existem crimes praticados
contra a administração pública”, disse Bicudo à ISTOÉ. Na quarta-feira 9, o
presidente do PSDB, senador Aécio Neves, decretou o fim do governo.
“Infelizmente, a perda do grau de investimento do Brasil e a perspectiva de
revisão negativa nos próximos doze meses mostram que o governo da presidente
Dilma acabou”. O coro pela saída de Dilma é engrossado no meio empresarial.
“Com o impeachment, a agonia seria curta”, prega Flávio Rocha, dono da Riachuelo.
Rocha sintetiza o discurso de pesos pesados do PIB para os quais Dilma se
perdeu nas próprias mentiras e arrastou o País para o caos econômico.
A crise da semana, que culminou com a perda do selo de bom
pagador do Brasil, começou com uma sucessão de trapalhadas presidenciais.
Primeiro foi a ideia natimorta de ressuscitar a CPMF. O imposto do cheque foi
discutido no Palácio do Planalto, provocando um racha no núcleo duro do
governo, com direito a gritaria e dedo em riste. De um lado, o time que
defendia a volta de um imposto rejeitado até no governo Lula, quando ele
ostentava um alto índice de aprovação. Do outro, o grupo que antevia a
catástrofe anunciada que representaria essa proposta. Assim que a notícia foi
vazada para a imprensa, a fim de testar a reação do público, Dilma assistiu a
respostas tão violentas quanto inesperadas e, três dias depois, recuou da
decisão. E assim, a chance de recriar a CPMF voltou para a gaveta, de onde,
ainda acreditam interlocutores do governo, pode ser sacada a qualquer momento.
O segundo refugo do governo foi sobre o envio da peça
orçamentária de 2016 ao Congresso Nacional com a previsão de déficit de R$ 30,5
bilhões. Assim como o imposto, essa discussão também acirrou os ânimos no
Planalto. A tese capaz de convencer a presidente a ser a primeira governante na
história a enviar uma previsão de Orçamento com mais gastos do que arrecadação
foi a de que esta seria uma maneira de dar um susto nos parlamentares. Pela
lógica do governo, diante da transparência dada à gravidade do problema nas
contas governamentais, os parlamentares seriam praticamente forçados a se
reunir com a equipe econômica para viabilizar os cortes e a criação de novos
impostos. Com isso, acreditou, ela conseguiria minar as resistências para
aprovação das propostas na Câmara e no Senado. Ainda dividiria com o
Legislativo o desgaste diante da população na hora de ministrar o remédio
amargo. O movimento vendido à presidente como sendo de grande esperteza foi
imediatamente rechaçado pelos congressistas. Coube ao vice-presidente Michel
Temer a tarefa de matar a proposta no nascedouro. Durante jantar com membros de
seu partido, o PMDB, disse que qualquer projeto de aumento de receitas deveria
partir do Executivo (leia mais à pág. 40).
Tamanha foi a irritação de Joaquim Levy com o episódio da
previsão de déficit no orçamento que ele desabafou com um parlamentar: “Estou
de mãos atadas”. Mesmo sendo voto vencido, alertou sobre o impacto que um sinal
como esses poderia provocar no mercado e, principalmente, às agências de risco.
Dito e feito. O rebaixamento do País elevou a tensão política e aumentou as
desconfianças no meio empresarial. Para tentar jogar água na fervura, o governo
convocou uma reunião de emergência na manhã de quinta-feira 10 com os ministros
Joaquim Levy, Nelson Barbosa (Planejamento) e Aloizio Mercadante (Casa Civil).
No encontro, Dilma mostrou um distanciamento total da realidade ao negar que o
cenário econômico seja “catastrófico”. Pressionada, agora ela tenta encontrar
uma maneira de alcançar o superávit de 0,7% do PIB – meta quase que imperativa
diante do atual cenário econômico. As discussões sobre como levantar este
dinheiro consomem o governo. Ainda não foi encontrada uma fórmula capaz de
cobrir o buraco no Orçamento. O certo é que mais uma vez quem vai pagar a conta
é a população.
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