Artigo de Fernando Gabeira
Estava na Lagoa da Confusão, na cidade do mesmo nome, em
Tocantins. José Dirceu foi preso. A televisão do quarto na pousada era cheia de
chuviscos, ruídos e fantasmas. Sobretudo fantasmas. Em aparelhos ainda do
século passado, acompanho no interior as operações da Lava-Jato. A julgar
apenas pelo que vejo nas telas sempre divido o número de presos por dois. José
Dirceu preso. Ou foi irmão preso? Ou ambos?
Vejo esses programas, às vezes, ao lado de cozinheiras,
porteiros noturnos, costumo ouvir essa frase: “eles roubaram demais”. É uma
expressão comum entre o povo e pressupõe que exista um nível tradicional,
moderado e regular de roubo com o que Brasil conviveu.
Vejo aí uma das razões do fracasso do PT ao se defender
dizendo que não inventou a corrupção pois ela sempre existiu na política
brasileira. Isso é uma espécie de senso comum. O que as pessoas acham é que o
PT e aliados ultrapassaram todos os níveis anteriores, fizeram da corrupção uma
política de governo, arruinando, simultaneamente, a credibilidade do sistema
político e empresas estatais.
Saí da Lagoa em busca de melhor contato com as notícias. Em
Palmas, descubro, diante de uma tela bem definida, que desemboquei num mar de
confusão. Está tudo desmoronando. Temer acha que o Brasil precisa de alguém que
o lidere na crise. Mas e a presidente para quem ele pediu voto? Ele queria
dizer que Dilma já era.
De Brasília, recebo mensagem de um deputado: PTB e PDT saem
do bloco, governo entrou em fase agônica. É a crônica dessa agonia que começo a
escrever ao som das panelas.
No seu patético programa, o PT nos tratou como os
portugueses trataram os índios. Estão unidos pela fé na imagem. Os portugueses
deram espelhos para os índios maravilhados. O PT nos ofereceu um espelho
mágico: as pessoas batem panelas vazias nas ruas, a superfície da tela reflete
panelas cheias de alimentos coloridos.
É uma estupidez política ironizar a opinião da maioria do
país que os rejeita. Marcham para um processo pessoal doloroso. Outro dia, o
senador Delcídio do Amaral foi vaiado numa casa noturna de Fomentera.
Não conheço o lugar, sei apenas, através da canção de Gil,
que Fomentera é uma ilha aonde se chega de barco, mãe. Delcídio foi celebrar
num lugar onde havia brasileiros. Isso no auge do escândalo na Petrobras.
Gritaram “ladrão” e sacaram os celulares.
Ainda é uma sorte frequentar lugares em que, ao grito de
ladrão, as pessoas sacam os smartphones. Em outros, sacam objetos mais
contundentes.
O juiz Sérgio Moro bloqueou R$ 20 milhões de José Dirceu.
Alô, alô, velho guerreiro. Mais grana do que qualquer marechal.
Se roubassem por uma causa e adotassem o estilo de vida de
José Mujica, o ex-presidente do Uruguai, já seria condenável, pois seria uma
opção autoritária, ilegal e secreta.
Mas para desfrutar o estilo de vida da elite que tanto
condenam é uma opção de vida que merece um cerco de vários anéis, grades cada
vez mais próximas.
A vaia que Lula e seus amigos levaram no Copacabana Palace é
um momento cinematográfico. Escolheram os melhores quartos, mas não puderam
ocupá-los depois de ouvir os gritos na pérgola.
Não conseguem perceber os anéis do cerco. José Dirceu os
viveu nos extremos: preso em casa, terminou na cadeia.
Quando é que o PT vai fazer uma delação premiada? Mercadante
desceu um degrau na autoestima e reconheceu que o governo teve erros, como
todos os outros. É um pouco como dizer “errar é humano”. E para o Mercadante
admitir que é humano foi preciso a maior crise dos últimos 20 anos. Se as
coisas se agravarem, acabará admitindo que também é mortal.
Tudo bem, diria a cozinheira na Lagoa da Confusão: “Mas
vocês erraram demais, roubaram demais. Quando vão reconhecer isso, assumir as
consequências?”
No dia 16 de agosto, o PT verá que o espelho não funcionou.
Não há marketing para a desgraça de um projeto político. Na minha experiência
de queda em trilhas e barrancos, ao senti-la inevitável, o melhor é cair com
jeito. Dói menos.
O PT aprendeu a derrubar, em 1989, precisa agora aprender a
cair. A melhor saída é a renúncia de Dilma, a menos traumática. É inacreditável
que, num momento agônico, ela ainda pense em governar por três anos. Não há
espaço para uma rainha da Inglaterra com o peso de tanta rejeição, cortando
fitas simbólicas ao som de panelaços.
O PT usou o programa de televisão pedindo juízo aos
opositores. Nesse mar de confusão, o que se espera é que o PT tenha juízo.
Mais uma vez as coisas podem não acontecer como espero. De
qualquer forma, continuo cantando na estrada: Cai, cai, balão. Eu não vou te
segurar. Cai, cai Dilma. mapa mundial por satelite mapa provincias Cai, cai
Cunha. Cai, cai Renan, eu não vou te segurar.
Artigo publicado no Segundo Caderno do Globo em 09/08/2015
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