Da Época
"Uma liminar do Teori Zavascki", anunciou,
faceiro, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. A presidente Dilma
Rousseff, que estava reunida com seu vice, Michel Temer, e com ministros e
líderes do governo no Congresso, festejou. Na manhã da última terça-feira,
aquela era a melhor notícia que Dilma poderia receber. Minutos depois, a
boa-nova ficou ainda melhor: o Supremo Tribunal Federal havia concedido não
uma, mas três liminares. Todas suspendiam o rito criado pelo presidente da
Câmara, Eduardo Cunha, para a tramitação de um processo de impeachment de
Dilma. No dia seguinte, já no fim da tarde, a decisão do Supremo era o assunto
no cafezinho do plenário da Câmara. “Já era”, disse o deputado Arthur Lira, do
PP de Alagoas, ao colega do PMDB baiano Lucio Vieira Lima – ambos aliados de
Cunha, registre-se. Enquanto se serviam em um bufê com saladas, sopas e
sanduíches, os parlamentares comentavam que as liminares eram um “balde de água
fria”. Cunha enfrenta ainda, há duas semanas, sucessivas denúncias de envolvimento
no petrolão. A olhos inocentes, o presidente da Câmara parecia derrotado.
Certamente está sangrando. Mas ele ainda é forte, muito forte – e se tornou
ainda mais perigoso para o governo Dilma.
Eduardo Cunha está sereno. “Não vou agir com raiva ou com o
fígado”, diz. Cunha tem a frieza de quem teceu, durante toda a sua carreira
política e em várias frentes, uma rede de proteção digna dos mais ousados
equilibristas. Na Câmara, trincheira onde hoje atua, Cunha tem, em sua
retaguarda, a maior bancada da Casa. Enquanto o PMDB tem 66 deputados, o PT 62
e o PSDB 54, Cunha tem 150 parlamentares que lhe devem fidelidade. Esse
exército tem duas missões: livrar Cunha do processo que ele enfrenta no Conselho
de Ética e ajudar a construir a maioria de dois terços necessária para a
aprovação do impeachment de Dilma. São missões de defesa e de ataque – e o
“timing” de uma está condicionado ao “timing” da outra. Cunha precisa se
defender nos inquéritos contra ele no Supremo Tribunal Federal, onde depende
apenas de si mesmo e de seus advogados, e no Conselho de Ética da Câmara, em
que pode contar com a artilharia de seus deputados. Enquanto isso, Cunha trama
a ofensiva contra Dilma, contando com os mesmos canhões.
O Planalto aprendeu, ainda que tardiamente, a medir o poder
de fogo de Cunha. Na semana passada, escolheu Jaques Wagner, ministro-chefe da
Casa Civil, e Edinho Silva, da Comunicação Social, como emissários do governo
para buscar uma trégua. Foram necessárias ao menos duas tentativas frustradas
dos dois ministros para que Cunha desse algum sinal de que estava disposto a
dialogar com o governo. A divulgação de encontros e telefonemas entre os dois
lados alimentou equivocados rumores de que um “acordão” seria costurado. Tanto
o governo quanto o presidente da Câmara negam com veemência a existência e a
possibilidade de um acordo.
Cunha nega, simplesmente, porque não precisa fazer um acordo
com o governo. Com os seguidores que tem na Câmara, está confiante em que
conseguirá ver o processo contra si arquivado no Conselho de Ética. O pedido de
abertura do processo argumenta que Cunha quebrou o decoro parlamentar ao mentir
sobre a existência de contas suas na Suíça. O PMDB já indicou para duas vagas
suplentes do conselho os deputados Carlos Marun, do PMDB de Mato Grosso do Sul,
e Manoel Junior, da Paraíba, ambos próximos a Cunha. Já sua relação com a
oposição não está tão fluida quanto há duas semanas. No dia 10, líderes dos
partidos de oposição ao governo defenderam o afastamento de Cunha do cargo. Na
ocasião, Cunha chegou a dizer para eles: “Se eu derrubo Dilma agora, no dia
seguinte, vocês é que vão me derrubar”. Cunha entende tudo de timing. Embora
esteja desconfiado da oposição, ele acredita que ainda pode contar, no Conselho
de Ética, com votos do PSDB. Nos bastidores, os tucanos resistem em romper com
o dono da batuta que pode conduzir o impeachment de Dilma.
Os votos do PT para se livrar desse processo, portanto, não
serão necessários. O Planalto não tem nada a oferecer a Cunha neste momento.
Nem mesmo um alívio nas investigações da Lava Jato. As acusações contra Cunha
chegaram a um ponto incontornável. São graves demais para ser abafadas por
manobras políticas. Eram quase 17 horas da quinta-feira quando Cunha recebeu
uma mensagem pelo celular de um de seus advogados. Ele avisava que a
Procuradoria-Geral da República havia encaminhado ao Supremo um novo pedido de
abertura de inquérito contra Cunha. O alvo das investigações são as tais contas
mantidas por Cunha na Suíça – contas cuja existência o deputado segue negando.
O ministro Teori Zavascki aceitou o pedido. O novo inquérito, esclareceu a PGR
no dia seguinte, tem como base as informações enviadas pelo Ministério Público
suíço, de que foram localizadas quatro contas em nome de Cunha e de sua mulher,
Cláudia Cruz. Os documentos apresentados pela Suíça e os contratos obtidos na
Petrobras mostram que Cunha foi beneficiado por um contrato de US$ 34,5 milhões
entre a estatal e a empresa Compagnie Béninoise de Hydrocarbures Sarl (CBH), no
Benin, na África. Desse montante, foi feita uma transferência de US$ 10
milhões, que tinha como destinatário final Eduardo Cunha. A transação foi feita
por meio de pagamentos de uma conta, que pertencia a Cunha, a Orion. Essa conta
recebeu pagamentos de 1,311 milhão de francos-suíços da conta da empresa Acona
International Investments, que pertencia a João Augusto Rezende Henriques, um
dos operadores do petrolão. No pedido, a Procuradoria mostra também que o
patrimônio de Cunha evoluiu 214% entre 2002 e 2014. Nesse período, os bens de
Cunha passaram de R$ 525.700 para R$ 1,6 milhão.
O semblante de Cunha era de apreensão ao descobrir que, além
de seu nome, estavam listadas no inquérito sua filha, Danielle Cunha, e sua
mulher. Um possível envolvimento de sua família nas investigações era um dos
maiores temores do parlamentar desde o início do vazamento de parte do material
enviado do Ministério Público suíço ao Brasil. A pessoas próximas, Cunha se
disse preocupado com uma eventual investigação de seus familiares em uma ação
que corresse em primeira instância. Isso, segundo ele, poderia elevar as
possibilidades de um pedido de prisão preventiva de algum deles, por exemplo. O
pedido de abertura de inquérito da PGR é assinado por Eugênio Aragão,
vice-procurador eleitoral, já que Rodrigo Janot está em viagem – justamente à
Colômbia. Aragão é ligado ao PT. “Há indícios suficientes de que as contas no
exterior não foram declaradas pelas pessoas mencionadas e, ao menos em relação
a Eduardo Cunha, de que são produto de crime”, diz um trecho do documento. O
procurador também pediu a investigação de Danielle por ela ter um cartão de
crédito em seu nome que é vinculado a uma das contas no país europeu.
Perto das 18 horas da quinta-feira, um outro advogado ligou
para Cunha, que lhe disse que a intenção era “ir para cima deles”. Um dos
principais defensores de Cunha, o ex-procurador-geral da República Antônio
Fernando de Souza, aconselhou o deputado a evitar qualquer embate com o atual
procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Mas Cunha tem desobedecido ao
advogado e atacado Janot, dizendo que as investigações contra ele têm caráter
“pessoal”. A interlocutores, Cunha trata governo e Janot como “uma só pessoa”
e, portanto, vê por trás das ações do Ministério Público, especialmente dos
vazamentos das denúncias contra ele, um gesto do governo. Em nota na
sexta-feira passada, Cunha questiona: “Onde estão as demais denúncias? Cadê os
dados dos demais investigados? Como estão os demais inquéritos? Por que o PGR
tem essa obstinação pelo presidente da Câmara, agora, covardemente, extensiva a
sua família? Alguma vez na história do Ministério Público um procurador-geral
respondeu a ofício de partido político da forma como foi respondido com relação
ao presidente da Câmara, em tempo recorde para ser usado em uma representação
ao Conselho de Ética? A quem interessa essa atuação parcial do PGR? Onde está a
responsabilização dos verdadeiros culpados pela corrupção da Petrobras?”.
Mas o governo não tem mais como interromper o efeito das
ações de Janot contra Cunha. A avaliação de parlamentares da base governista é
que, ainda que quisesse, a esta altura o PT não teria condições de bancar um
acordo com Cunha que fosse capaz de garantir que ele sairá ileso das
investigações. O presidente da Câmara chegou a pedir a cabeça de Cardozo, a
quem atribui parte da responsabilidade pelos vazamentos sobre seu envolvimento
com o petrolão. O pedido agradaria ao ex-presidente Lula, mas enfrenta
resistência de Dilma. Cardozo é um dos poucos homens em quem a presidente ainda
pode confiar. Lula, por sua vez, é um dos poucos petistas que têm total
compreensão do poder de Eduardo Cunha. Lula o respeita. Sabe o que significa
ter tantos parlamentares como fiéis seguidores, como Cunha tem. Lula também
teme Cunha, porque seus destinos estão entrelaçados no petrolão. Afinal, foi
Lula quem nomeou Jorge Zelada para diretor da Área Internacional da Petrobras,
a pedido da bancada peemedebista da Câmara. O ex-presidente tem atuado como
pode para manter os canais de diálogo com Cunha abertos.
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