Da Veja
Pela televisão, tudo sempre parecerá mais organizado e bem
administrado do que a realidade entrega. Estima-se que 4,5 bilhões de pessoas
em algum momento entre 5 e 21 de agosto de 2016 acompanhem as partidas de vôlei
de praia da Olimpíada com o mar de Copacabana ao fundo, a maratona à margem da
Baía de Guanabara, de um lado o Pão de Açúcar, do outro o Cristo Redentor lá no
cume do Corcovado, num recorte da natureza que um dia o antropólogo Claude
Lévi-Strauss comparou, com mau humor, a uma boca banguela.
A boa toada das obras esportivas, a inauguração de longos
trechos de infraestrutura de mobilidade urbana, tudo ancorado no empenho do
prefeito Eduardo Paes, pareciam indicar um caminho sem muitos sobressaltos para
os Jogos Olímpicos do Rio - especialmente se comparados ao país em plena crise
econômica e política. O Brasil de 2009, quando o Rio ganhou a corrida olímpica,
não existe mais - mas a cidade parecia resistir aos estragos.
Não mais. Na véspera do Natal, o governo estadual revelou a
existência de uma dívida financeira de 1,4 bilhão de reais com fornecedores da
área de saúde. O resultado foi o fechamento total ou parcial de pelo menos sete
hospitais e dezessete Unidades de Pronto Atendimento, parte deles na capital.
A alegação oficial foi a queda brusca na arrecadação de ICMS
e na receita de royalties do petróleo com o declínio do preço do barril. São
explicações plausíveis, mas insuficientes para esconder a inépcia e o mau
planejamento. As cenas tristes de pacientes à espera de um leito certamente não
aparecerão na televisão - mas não há como escondê-las, como mostra a
reportagem a seguir.
O Rio olímpico, o Rio da esperança de um amanhã menos
desigual, é também o Rio de hoje, no pronto-socorro. Salvá-lo do colapso da
saúde é o único caminho de recuperação de uma cidade celebrada globalmente -
apesar do tráfico de drogas, do crime, da sujeira e do descaso - por um estilo
de vida singular. Não há outro lugar no mundo capaz de manter essas duas
facetas em doses iguais. Mas, para que o lado bom e bonito prospere, é crucial
que o ruim e feio esteja minimamente controlado.
A convite de VEJA, alguns cariocas da gema, e outros por
escolha, traduziram em artigos exclusivos esse estado de espírito de uma
população que continua a enxergar na sua praia o umbigo do universo, mesmo
passado mais de meio século dos áureos tempos de capital federal. Neste pacote
especial há um pouco de história, um tanto das mazelas atávicas e um bocado do
jargão local - enfim, aquilo que faz do Rio o Rio, apesar da vergonha de
hospitais momentaneamente protegidos por tapumes.
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