Artigo de Fernando Gabeira
Critiquei a Olimpíada porque achava que fora decidida num
período de crescimento econômico e acabou sendo realizada no auge de uma crise.
No entanto, uma vez que a decisão era irreversível, o melhor seria desejar que
os Jogos Olímpicos transcorressem sem grandes incidentes e as pessoas,
satisfeitas, ganhassem mais energia para enfrentar os desafios que temos pela
frente.
Creio que o sucesso do evento confirma as previsões daqueles
que achavam que hospedar a Olimpíada era o máximo. Eu não achava isso. Apenas
desejava o êxito, sobretudo neste momento histórico.
Mas os críticos que partiram de um mesmo patamar, acentuando
problemas ambientais e de segurança, dificuldades econômicas, não ficaram de
mãos vazias. Para começar, o próprio Comitê Olímpico Internacional (COI)
reavaliou o sistema de escolha de cidades sede, reconhecendo que as Olimpíadas
sobrecarregam a economia local e o meio ambiente.
A partir de agora, a tendência é realizar os jogos nas
estruturas já existentes, respeitando o momento de austeridade e mudança de
estilo de vida que a realidade impõe. O Brasil acabou, por vias tortas,
contribuindo para as Olimpíadas, em escala global, com um legado de
austeridade.
O saneamento básico ganhou nova dimensão quando apareceu na
imprensa internacional como um fator negativo do País. E o governo se moveu,
iniciando um processo de privatização ainda no curso dos próprios jogos.
A privatização do setor não significa uma saída mágica.
Existem inúmeras cidades do mundo que realizam os serviços com recursos
públicos.
O problema é que estamos muito atrasados e o Estado não pode
responder à demanda. Nem a um bom socialista seria razoável pedir que espere
uns dez anos para que o serviço não caia nas mãos da iniciativa privada.
Cruzada com a história da Operação Lava Jato, a trajetória
do saneamento básico no Brasil pode viver, como outros aspectos da
infraestrutura, uma importante mudança. Com tudo o que se conhece hoje sobre a
relação das empreiteiras com os governos, é razoável duvidar se o País tem
mesmo um planejamento ou apenas segue o ritmo de negócios lucrativos para
empresários e políticos. Liberto dessa relação de dependência, o governo teria
condições de pensar um planejamento de acordo com as necessidades reais do
Brasil.
É apenas uma possibilidade, um legado da Lava Jato. O legado
dos críticos da Olimpíada foi contribuir para que o tema entrasse na agenda. A
repercussão internacional acabou enfatizando uma realidade que muitos
consideram um dado da natureza. Agora despertam para essa lacuna na nossa
trajetória.
Nem todos. Alguns comentários nas redes diziam que a prova
de que a Baía Guanabara era limpa foi o mergulho dos atletas nas suas águas
após a vitória.
Mas o ufanismo pode ser tratado à parte. Minhas dúvidas
sobre ele é que é visto como um antídoto ao famoso complexo de vira-lata. Será
mesmo?
Acabou a Olimpíada. Deve acabar oficialmente a longa
passagem do PT pelo governo, deixando os antigos aliados em seu lugar. E também
terminar a cinematográfica carreira política de Eduardo Cunha, que resultou em
milhões de dólares nos bancos suíços.
Cunha passeava com a família pelos lugares mais caros do
mundo e se elegia fazendo piedosos sermões religiosos numa rádio evangélica.
Com os sermões e muita grana.
Não entendo por que governo e oposição não se unem para resolver
esse caso o mais rápido possível, entregar Cunha a Sergio Moro e deixá-lo
cuidar da tonelada de petições e recursos que escreverá na cadeia.
A política é feita muito de conflitos entre objetivos
diferentes. Desprezar objetivos comuns apenas para manter os conflitos não é, a
rigor, fazer política, mas, de uma certa forma, ser viciado em política.
Não há sentido de urgência para atender a uma demanda clara
não só da sociedade, como da própria Justiça. Mesmo na remota data que
escolheram, ainda transmitem insegurança sobre o quórum da sessão que cassará
Cunha. Todas as pessoas informadas, contudo, jamais esquecerão o nome dos
faltosos, que com sua ausência darão um abraço de afogados no ex-presidente da
Câmara.
Resolvida essas questões, a Olimpíada ainda nos deve ocupar.
Como foram gastos os recursos públicos, isso é algo que só virá com a
transparência das contas. Nos últimos momentos, o governo injetou R$ 250
milhões na Paralimpíada.
O que está em jogo é o seguinte: quando as contas forem
abertas, mesmo os mais entusiasmados com os Jogos Olímpicos vão reprovar os
desvios e os equívocos, se forem demonstrados pelos números. Caso contrário, a
realização da Olimpíada terá superado dois males numa só tacada: a
incompetência e a corrupção.
Com todos os pequenos incidentes, o Brasil mostrou
competência e alguns atores políticos, como o prefeito Eduardo Paes, devem se
beneficiar. Lula, Sérgio Cabral e Dilma, a quem critiquei pela megalomania,
também conseguiram realizar seu sonho.
São adversários. Mas tomados pelo espírito olímpico, podemos
festejar também o impulso do governo no sentido de sair do marasmo nas obras de
saneamento.
E festejar, sobretudo, a conclusão do COI ao decidir mudar o
processo de escolha das cidades-sede, ajustando-se à realidade do mundo
contemporâneo, que já emergiu, simbolicamente, na presença de uma delegação de
atletas refugiados. Como dizem as plaquinhas em banheiro de hotel, o planeta
agradece.
Enfatizo essa decisão do COI porque sempre foi muito próxima
das minhas expectativas. Foi um grande risco ter trazido a Olimpíada para o Rio
de Janeiro.
Decisão irreversível, o certo era desejar que tudo ou quase
tudo desse certo. Vivemos intensamente o nosso espírito de cigarra. Agora é
hora de baixar o espírito da formiga.
Artigo publicado no Estadão em 26/08/2016
Nenhum comentário:
Postar um comentário