José Casado, O Globo
Ela se considera vítima do próprio partido e da oposição,
traída pelos aliados e até hoje perseguida pelos assassinos e torturadores da
ditadura acabada 31 anos atrás. Ele se acha “trouxa”, otário, simplório, fácil
de ser enganado. Foi dessa forma que a ex-presidente Dilma Rousseff e o
pecuarista José Carlos Bumlai se apresentaram nos últimos dias.
Dilma, em defesa prévia, culpou o PT por “responsabilidade”
no pagamento ilícito de US$ 4,5 milhões aos publicitários João Santana e Mônica
Moura para saldar dívidas da sua campanha presidencial de 2010. O dinheiro teve
origem em propinas cobradas pelo ex-secretário de Finanças do PT João Vaccari
sobre os contratos da Petrobras com o um estaleiro de Cingapura, Keppel Fels —
contou no tribunal o engenheiro Zwi Skornicki, intermediário de repasses
mensais de US$ 500 mil para Santana, via Suíça, entre setembro de 2013 e
outubro de 2014, quando Dilma foi reeleita.
Era um segredo das campanhas presidenciais de 2010 e 2014:
“Achava que isso poderia prejudicar profundamente a presidente Dilma”, disse
Santana, em juízo, ao explicar por que não contara antes. “Eu que ajudei, de
certa maneira, a eleição dela, não seria a pessoa que iria destruir a
presidente. Nessa época (da sua prisão, em fevereiro deste ano), já se iniciava
um processo de impeachment”.
Há mais coisas ocultas. Envolvem o fluxo de dinheiro da
Odebrecht para campanhas de Dilma, Lula e outros do PT. Ficaram reservadas à
colaboração premiada cujo desfecho talvez coincida com o impeachment no Senado.
Nesse outro processo, a “presidenta inocenta” — segundo o golpismo gramatical
da senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM) — apresentou sexta-feira uma defesa
de 675 páginas.
Nela se definiu como vítima de uma “farsa” marcada pelo
“desvio de poder, pela traição, pela desonestidade e pela ilegalidade”.
Amaldiçoou quem discorda: “Nunca poderão afastar das suas mentes a lembrança
dos que morreram e foram torturados.” Se confirmado o epílogo, Dilma estará
fora do baralho, inelegível aos 68 anos de idade. E, sem imunidade, passa ao
centro das investigações sobre corrupção na Petrobras.
Isso porque os publicitários confirmaram seu aval para
operações ilegais com fornecedores da estatal. Como Dilma, o pecuarista Bumlai
também culpa o PT por suas dores. Apresentou uma defesa em 70 páginas na
sexta-feira. Delas emerge como o “amigo de Lula” que aos 72 anos coleciona
doenças, carros (23) e imóveis (23) — entre eles, uma fazenda de R$ 90,4
milhões.
Bumlai se define, literalmente, como “um trouxa usado pelo
PT e pelo Banco Schahin” na lavagem de R$ 12 milhões. Esse dinheiro teria sido
usado, em parte, para pagamento de uma suposta chantagem sobre Lula, quando era
presidente da República. O objetivo era evitar revelações sobre o sequestro, a
tortura e o assassinato do prefeito de Santo André (SP), Celso Daniel, no ano
eleitoral de 2002.
A vítima teria descoberto desvio dos cofres municipais para
o caixa do PT. O caso permaneceu à sombra por 14 anos. Ressurgiu no juízo de
Curitiba pela voz de Bumlai, agora no improvável papel de “trouxa” — confissão
que lhe abriu o caminho para um acordo de delação premiada.
José Casado é jornalista
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