Resignada com o próprio infortúnio político, a presidente
afastada Dilma Rousseff acalentou uma última aspiração nos dias antecedentes à
derradeira votação do impeachment: ela não gostaria de terminar como Fernando
Collor, em 1992. Cortejado por meia dúzia de auxiliares, o ex-presidente foi
compelido a deixar o Palácio do Planalto por uma porta lateral, de onde seguiu
até o helicóptero presidencial debaixo de vaias. Ao piloto da Aeronáutica,
Collor arriscou emitir uma última ordem. Como resposta, recebeu um rotundo
“não”. Pressentira ali o epílogo de sua melancólica passagem pelo poder.
DOBRO DO APOIO EM 100 DIAS
O protocolo do adeus e as circunstâncias políticas atuais
podem até impedir a reprise do episódio, mas – como Collor – Dilma não deixará
saudades. A maioria dos brasileiros continua a apoiar o impeachment, prefere o
presidente em exercício Michel Temer a ela e vislumbra um horizonte de
esperança a partir da saída da petista do poder. São as principais conclusões
de um levantamento realizado entre os dias 20 e 24 de agosto pelo instituto
Paraná Pesquisas, a pedido da revista ISTOÉ (Clique AQUI para a pesquisa
completa). Às vésperas do último ato no Senado para o afastamento definitivo, a
pesquisa exibe um cenário tétrico para Dilma. Segundo a amostragem, 65,5% dos
brasileiros, se fossem senadores e tivessem de comparecer à sessão marcada para
terça-feira 30, votariam pelo “Fora, Dilma”. Apenas 29,5% diriam “não” à
cassação. Confrontada em outra pergunta com a única opção em jogo durante a
apreciação do impeachment, ou seja, se quem deve governar o País dali em diante
é Dilma ou Temer, a maioria optou pelo presidente em exercício do PMDB: 41,2%.
A petista aparece com 21,9%. Ou seja, em 100 dias de governo, Temer já ostenta
quase o dobro da preferência dos brasileiros para governar no País em relação à
Dilma Rousseff.
Espontaneamente, 34,7% responderam “nenhum dos dois”. O pior
índice de Dilma foi registrado na região Sul: 17,7%. O melhor no Nordeste:
32,3%. Mesmo assim, ela não bateria Temer na região, tradicional reduto
petista. O peemedebista teria a preferência de 34,7% dos nordestinos. Já Temer
obteve o melhor desempenho nas regiões Norte/Centro-Oeste: 46,2%.
Em sintonia com a consolidação de uma maioria favorável ao
“Fora, Dilma” e com a preferência por Temer, o levantamento indica um otimismo
com o novo Brasil a emergir no pós-cassação. Face à pergunta “Depois que a
presidente Dilma Rousseff foi afastada do cargo, o sr. diria que o Brasil
retomou a confiança e a esperança?”, 51,6% dos brasileiros disseram “sim”,
contra 45,1% “não” e 3,4% que não responderam. O pulsar das ruas evidencia que
este é um sentimento cada vez mais crescente entre os brasileiros. A aposentada
Berta Ofenhejm, 89 anos, de São Paulo, é uma das otimistas por um Brasil melhor
com a saída definitiva de Dilma do Planalto. Ela conta já ter visto tudo na
política, mas nunca presenciou uma crise como a legada por Dilma. Para Berta,
Temer pode levar o País a um caminho mais próspero. “Não tenho dúvidas de que o
Brasil vai melhorar muito com ele. O presidente interino já mostrou com as
medidas que tomou que viveremos um crescimento na economia. A saída de Dilma
nos dá esperança”, diz. Pertencente a uma outra geração, o estudante de
engenharia civil Rafael Barbar, 20 anos, de São Paulo, compartilha da mesma
opinião. “Acho que o impeachment traz uma ótima expectativa para nós. Poderemos
ter um governo com novas ideias, que faça o Brasil voltar a ser aquele País de
oportunidades.” O jovem defende a convocação de novas eleições. Mas, em sua
avaliação, Temer representa o primeiro passo para os brasileiros voltarem a
sentir confiança. “Ele tem tomado medidas importantes no campo econômico. No
médio prazo, vamos sentir os efeitos.”
Para a atriz e apresentadora Luísa Mell, 38 anos, a
corrupção desenfreada e institucionalizada pelo PT é o motor da insatisfação
nacional. “Se a Dilma não sabia de tudo que está sendo mostrado na Lava Jato,
isso também é trágico porque mostra que ela é incompetente para o cargo. Acho
muito sério também o fato de ela ter tentado obstruir a justiça colocando o
Lula como ministro para ele ter foro privilegiado. O problema não se encerra na
Dilma e no Lula. A investigação tem que continuar.” A veterinária Samira Franco
Ferreira, 56 anos, faz coro. Para ela, a corrupção é um dos fatores a
impulsionar o “Fora, Dilma”. “A ideia do impeachment é tirá-la do comando para
recolocar o País nos trilhos. Com ela isso não vai acontecer. Principalmente
com os escândalos que todos nós conhecemos bem.”
A corrupção esteve entre os temas abordados pelo instituto
Paraná Pesquisas. Embora tenha se esforçado para emplacar a fictícia narrativa
do “golpe”, que de maneira conveniente limita o seu afastamento a motivações
políticas impulsionadas por “meras falhas contábeis”, a mandatária afastada
aparece pela primeira vez associada pelos brasileiros aos malfeitos. Pior: como
líder de uma quadrilha. Ante a pergunta espontânea sobre “quem seria o chefe da
quadrilha que roubou o Brasil nos últimos anos”, 5,3% da população cravaram
Dilma Rousseff na resposta. Neste quesito, a petista figura em segundo lugar,
só ficando atrás de Lula, apontado por 38,2% dos entrevistados como o grande
comandante do esquema de corrupção no País.
IMAGEM MANCHADA
O dado é um indicativo de que as recentes delações de
personagens envolvidos no Petrolão, apontando que Dilma não só sabia como participou
diretamente das operações de caixa 2 e pagamentos de propina durante a campanha
eleitoral, contribuíram para a deterioração de sua imagem. O ex-presidente da
Câmara, Eduardo Cunha, foi mencionado por 3,8%, FHC 3%, PT 2,6% e empreiteiros
2,1%. Do total, 34,5% não souberam responder. A corrupção, aliás, – ao lado da
Saúde – constitui-se na principal preocupação dos brasileiros, de acordo com o
instituto Paraná Pesquisas. Entre os entrevistados, 26% consideraram o combate
à corrupção e os investimentos na Saúde como a “prioridade máxima” do próximo
presidente do Brasil. Em seguida, aparece o Emprego (22,5%) , a Educação
(15,8%) e a Segurança (7,7%). Para o comediante Marcelo Madureira, 58, anos,
Temer terá de adotar algumas prioridades para conquistar a confiança do
brasileiro. “Se ele tiver juízo, fará um baita ajuste no setor público. Vai ter
que abrir o baú de maldades e também dar início a algumas reformas
estruturais”, defendeu.
Em setembro do ano passado, o empresário e dono das lojas
Riachuelo, Flávio Rocha, 58 anos, foi a público dizer que o governo de Dilma
havia perdido o controle e a única saída seria o impeachment. Um ano depois,
ele está esperançoso com os frutos a serem colhidos com a efetivação de Michel
Temer. “O que estamos assistindo hoje é uma troca na forma de ver o mundo.
Vamos ter um País normal e próspero, com uma combinação de democracia com livre
mercado. Já vimos as sinalizações da confiança do investidor e do consumidor”,
diz. O economista Cláudio Vourof, 66 anos, de Curitiba, comunga das mesmas
idéias. Para ele, o impeachment trará uma lufada de esperança, principalmente
para a economia. As expectativas, segundo ele, são as mais positivas. “A
confiança dos empresários vai melhorar e eles devem investir mais. O
impeachment cria um clima de otimismo e isso produzirá uma retomada econômica”,
afirma. O médico Daniel Barhtolo Hyppolito, 36 anos, acompanhou todas as
discussões em torno do impeachment e rechaça a narrativa do golpe, entoada por
petistas e congêneres. “As acusações têm fundamento e estão de acordo com a
Constituição”, diz. Apesar de Temer não ser seu candidato, ele acredita na
capacidade do peemedebista de comandar a nação. “Temer e Dilma eram aliados.
Ainda assim, acho que ele será melhor dirigente do que ela. Entendo que ela
cometeu um crime e deve ser punida.”
Assim como Hyppolito, a ex-jogadora de vôlei da seleção
brasileira, Ana Paula Henkel, 44 anos, analisou com acuidade a situação da
presidente Dilma antes de defender um posicionamento. “Não era contra nem a
favor, estava apenas observando. Mas, após o relatório do senador Antonio
Anastásia (PSDB-MG), vi que não tem como fugir do impeachment. Houve um crime
de responsabilidade fiscal”, afirma. A ex-jogadora afirma não ter votado na
chapa PT-PMDB em 2014, mas alimenta expectativas com a alternância de poder.
“Acho que ele (Temer) faz parte de um processo transitório e que o mercado, a
economia e até o próprio cenário internacional receberam o seu nome de maneira
muito positiva. Sinto que é o que nós precisamos nesse momento.” Apesar de não
apoiar Michel Temer, a atriz Julia Ianina, 33 anos, demonstrou preocupação com
a paralisia do governo Dilma. Para ela, legítima representante dos que não
querem nem Dilma nem Temer, o País poderá tomar um novo rumo quando forem convocadas
novas eleições. “Dilma dificilmente conseguiria uma situação boa para governar.
Então, o ideal seria ter uma nova eleição”. Trata-se de um cenário inviável,
uma vez que a convocação de um novo pleito teria de ser aprovado por pelo menos
2/3 de um Congresso hoje alinhado com o atual governo. Num cenário hipotético
de novas eleições, Dilma dificilmente teria condições de influir na disputa.
Pelo contrário. O levantamento realizado pela Paraná Pesquisas traduz a
fragilidade política da petista, a manquitolar sem perspectivas eleitorais. Um
percentual semelhante (63,7%) àquele favorável ao afastamento definitivo da
presidente afastada não votaria de jeito nenhum num candidato apoiado por Dilma
nas eleições municipais de outubro. Apenas 19,6% admitiriam votar num nome
indicado pela presidente afastada. Se é incapaz de transferir votos, inepta
para pavimentar maiorias parlamentares, como poderia nutrir planos políticos
para si própria ou para outrem?
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