Da Época
Honesto e preocupado com o equilíbrio das contas públicas,
mesmo que sem experiência na política. Eis a pessoa ideal para ocupar a
prefeitura nas maiores cidades do Brasil, segundo uma pesquisa exclusiva,
concebida por ÉPOCA com o instituto de pesquisa AntennasBI. Entre os dias 16 e
21 de setembro, o instituto colheu respostas de 1.752 eleitores de São Paulo,
Rio de Janeiro, Salvador, Fortaleza e Belo Horizonte, as cinco cidades mais
populosas com eleições neste ano. Desapegado de partidos ou de posições
ideológicas clássicas, o habitante dessas capitais não se empolga com o velho
rótulo “rouba, mas faz”, consagrado nos anos 1950. Prefere o “não fez ainda,
mas também não roubou”. A pesquisa traz outra novidade animadora.
Nove em cada dez entrevistados consideram o cuidado com as
contas públicas “importante” ou “muito importante” – em empate técnico com as
áreas tradicionalmente prioritárias, saúde e educação. Não ter o nome associado
a escândalo de corrupção apareceu no mesmo patamar. No fim da lista de
bandeiras ficou “propor e fazer muitas obras”, considerado importante por
apenas 56% dos participantes. O impeachment da presidente Dilma Rousseff,
condenada por crime de responsabilidade fiscal, ajudou a popularizar o discurso
de respeito às contas públicas. Isso para não falar no desemprego recorde
causado pela maior recessão da história brasileira, consequência direta de uma
gestão fiscalmente irresponsável.
O contraste entre as obras ambiciosas da Copa e a baixa
qualidade dos serviços públicos foi o estopim para as manifestações de rua, a
partir de 2013. “Queremos hospitais padrão Fifa”, diziam cartazes. A
dificuldade do prefeito Eduardo Paes de emplacar um sucessor, meses após o Rio
de Janeiro sediar a Olimpíada com grande sucesso, mostra o desânimo do eleitor
com obras vistosas.
Ao avaliar o perfil pessoal do candidato, 86% dos
entrevistados consideraram importante “não ter o nome associado a escândalos de
corrupção” ou “não ser investigado por crime ou contravenção”. Tamanha
intolerância com a corrupção é inusitada no eleitorado brasileiro – mesmo se
considerado apenas o das maiores capitais, tradicionalmente mais atento ao
noticiário. O julgamento do mensalão, em 2012, e a Operação Lava Jato, a partir
de 2014, mudaram a percepção geral. O “rouba, mas faz” foi proscrito pelo
eleitor, embora ainda sobreviva, mesmo de forma inconsciente, no discurso de
alguns políticos – é o caso do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que em
discurso recente defendeu a complacência com malfeitos. “A posição mais honesta
é a do político, sabe por quê? Porque todo ano, por mais ladrão que ele seja,
ele tem que ir pra rua encarar o povo e pedir voto”, disse Lula em setembro.
“A ascensão do discurso anticorrupção é um fenômeno dos
países emergentes”, diz Christopher Garman, cientista político da consultoria
internacional Eurasia. “Com o ciclo de crescimento econômico robusto nesses
países, o dinheiro no setor público aumentou e as oportunidades de corrupção
também”, diz. “Na Índia, um partido anticorrupção ganhou terreno. Chile, México
e Peru também estão assistindo a escândalos de corrupção.”
Para 54% dos entrevistados, o candidato a prefeito não
precisa “ter ocupado outros cargos públicos”. Por isso parece ter apelo o
mantra “Não sou político, sou empresário”, de João Doria Jr., candidato do PSDB
à prefeitura de São Paulo, que disparou em intenções de voto na reta final do
primeiro turno. Em São Paulo, mesmo o candidato da situação, o prefeito
Fernando Haddad, investe na imagem do professor universitário que caiu por
acaso na política – cara ao ex-presidente Fernando Henrique, conselheiro
eventual de Haddad. Para Garman, a insatisfação com políticos no Brasil é
diferente da que se vê nos Estados Unidos. Lá, Donald Trump disputa a
Presidência e alardeia: “Não sou político, graças a Deus”. “Trump é apoiado por
uma classe média antiga que perdeu dinheiro e culpa os imigrantes”, diz Garman.
“No Brasil, a insatisfação vem de uma classe média que emergiu e passou a
exigir melhores serviços públicos.”
Crises econômicas mudam o humor dos eleitores no mundo
inteiro. Levam ao chamado “voto de vingança”, que faz os políticos da situação
perder espaço para os da oposição. A intensidade da vingança varia conforme a
parcela de culpa na crise que o eleitor atribui ao governante e a qualidade que
o eleitor vê nas alternativas. Nestas eleições municipais, o efeito vingança
parece se manifestar em capitais do Sul e do Sudeste. Nenhum prefeito atual é
favorito a se reeleger ou fazer sucessor. Por sua intenção punitiva e sua
origem na revolta, esse voto tem potencial para acirrar ânimos, o que se
observa no Brasil. “O voto de vingança aprofundou as divisões ideológicas nos
países europeus mais afetados pela crise de 2009”, afirma Liisa Talving,
pesquisadora do Centro de Ciências Sociais de Berlim (WZB).
Há outras mudanças em curso. A posse do presidente Michel
Temer, após o impedimento de Dilma, ajuda a entender por que 62% dos
entrevistados dizem que, nesta eleição, prestarão atenção aos vices.
Ideologicamente, a maior parte dos eleitores se diz desapegada de posições
clássicas e se declara “de centro” . Mas é inegável que o pêndulo eleitoral no
Brasil pende agora para a direita. De Fernando Henrique a Dilma Rousseff,
passando por Lula, foram 21 anos de governos de esquerda ou centro-esquerda no
Brasil. A imagem da esquerda se desgastou especialmente nos últimos anos do
governo Dilma Rousseff, em função da farra econômica que provocou o desemprego e
dos escândalos de corrupção.
A crise econômica e a enxurrada de denúncias dos últimos
anos têm mais efeitos perceptíveis. Seis em cada dez entrevistados pelo
instituto AntennasBI se dizem “muito desiludidos” com a política, mas cinco em
cada dez afirmam, mesmo assim, que cresceu a frequência com que discutem a
respeito. E oito em cada dez se dizem interessados ou muito interessados no
tema. A maioria afirma curtir (71%), compartilhar (65%) ou comentar (67%)
notícias sobre política em redes sociais.
A pesquisa mostra que, mesmo desiludido com os
acontecimentos recentes, o brasileiro das grandes cidades se engajou na eleição
municipal. Trata-se de uma notícia excelente. Fora da política não há solução.
Muitos dos problemas que temos hoje são causados por maus políticos – e o único
jeito de resolvê-los é trocando-os por políticos melhores. Nas democracias,
isso se faz pelo voto. E os eleitores das maiores metrópoles brasileiras, pelo
que mostra a pesquisa, têm plena consciência do que querem no momento atual.
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