sexta-feira, 30 de setembro de 2016

EM BUSCA DO GOVERNANTE IDEAL

Da Época
Honesto e preocupado com o equilíbrio das contas públicas, mesmo que sem experiência na política. Eis a pessoa ideal para ocupar a prefeitura nas maiores cidades do Brasil, segundo uma pesquisa exclusiva, concebida por ÉPOCA com o instituto de pesquisa AntennasBI. Entre os dias 16 e 21 de setembro, o instituto colheu respostas de 1.752 eleitores de São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador, Fortaleza e Belo Horizonte, as cinco cidades mais populosas com eleições neste ano. Desapegado de partidos ou de posições ideológicas clássicas, o habitante dessas capitais não se empolga com o velho rótulo “rouba, mas faz”, consagrado nos anos 1950. Prefere o “não fez ainda, mas também não roubou”. A pesquisa traz outra novidade animadora.
Nove em cada dez entrevistados consideram o cuidado com as contas públicas “importante” ou “muito importante” – em empate técnico com as áreas tradicionalmente prioritárias, saúde e educação. Não ter o nome associado a escândalo de corrupção apareceu no mesmo patamar. No fim da lista de bandeiras ficou “propor e fazer muitas obras”, considerado importante por apenas 56% dos participantes. O impeachment da presidente Dilma Rousseff, condenada por crime de responsabilidade fiscal, ajudou a popularizar o discurso de respeito às contas públicas. Isso para não falar no desemprego recorde causado pela maior recessão da história brasileira, consequência direta de uma gestão fiscalmente irresponsável.
O contraste entre as obras ambiciosas da Copa e a baixa qualidade dos serviços públicos foi o estopim para as manifestações de rua, a partir de 2013. “Queremos hospitais padrão Fifa”, diziam cartazes. A dificuldade do prefeito Eduardo Paes de emplacar um sucessor, meses após o Rio de Janeiro sediar a Olimpíada com grande sucesso, mostra o desânimo do eleitor com obras vistosas.
Ao avaliar o perfil pessoal do candidato, 86% dos entrevistados consideraram importante “não ter o nome associado a escândalos de corrupção” ou “não ser investigado por crime ou contravenção”. Tamanha intolerância com a corrupção é inusitada no eleitorado brasileiro – mesmo se considerado apenas o das maiores capitais, tradicionalmente mais atento ao noticiário. O julgamento do mensalão, em 2012, e a Operação Lava Jato, a partir de 2014, mudaram a percepção geral. O “rouba, mas faz” foi proscrito pelo eleitor, embora ainda sobreviva, mesmo de forma inconsciente, no discurso de alguns políticos – é o caso do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que em discurso recente defendeu a complacência com malfeitos. “A posição mais honesta é a do político, sabe por quê? Porque todo ano, por mais ladrão que ele seja, ele tem que ir pra rua encarar o povo e pedir voto”, disse Lula em setembro.
“A ascensão do discurso anticorrupção é um fenômeno dos países emergentes”, diz Christopher Garman, cientista político da consultoria internacional Eurasia. “Com o ciclo de crescimento econômico robusto nesses países, o dinheiro no setor público aumentou e as oportunidades de corrupção também”, diz. “Na Índia, um partido anticorrupção ganhou terreno. Chile, México e Peru também estão assistindo a escândalos de corrupção.”
Para 54% dos entrevistados, o candidato a prefeito não precisa “ter ocupado outros cargos públicos”. Por isso parece ter apelo o mantra “Não sou político, sou empresário”, de João Doria Jr., candidato do PSDB à prefeitura de São Paulo, que disparou em intenções de voto na reta final do primeiro turno. Em São Paulo, mesmo o candidato da situação, o prefeito Fernando Haddad, investe na imagem do professor universitário que caiu por acaso na política – cara ao ex-presidente Fernando Henrique, conselheiro eventual de Haddad. Para Garman, a insatisfação com políticos no Brasil é diferente da que se vê nos Estados Unidos. Lá, Donald Trump disputa a Presidência e alardeia: “Não sou político, graças a Deus”. “Trump é apoiado por uma classe média antiga que perdeu dinheiro e culpa os imigrantes”, diz Garman. “No Brasil, a insatisfação vem de uma classe média que emergiu e passou a exigir melhores serviços públicos.”
Crises econômicas mudam o humor dos eleitores no mundo inteiro. Levam ao chamado “voto de vingança”, que faz os políticos da situação perder espaço para os da oposição. A intensidade da vingança varia conforme a parcela de culpa na crise que o eleitor atribui ao governante e a qualidade que o eleitor vê nas alternativas. Nestas eleições municipais, o efeito vingança parece se manifestar em capitais do Sul e do Sudeste. Nenhum prefeito atual é favorito a se reeleger ou fazer sucessor. Por sua intenção punitiva e sua origem na revolta, esse voto tem potencial para acirrar ânimos, o que se observa no Brasil. “O voto de vingança aprofundou as divisões ideológicas nos países europeus mais afetados pela crise de 2009”, afirma Liisa Talving, pesquisadora do Centro de Ciências Sociais de Berlim (WZB).
Há outras mudanças em curso. A posse do presidente Michel Temer, após o impedimento de Dilma, ajuda a entender por que 62% dos entrevistados dizem que, nesta eleição, prestarão atenção aos vices. Ideologicamente, a maior parte dos eleitores se diz desapegada de posições clássicas e se declara “de centro” . Mas é inegável que o pêndulo eleitoral no Brasil pende agora para a direita. De Fernando Henrique a Dilma Rousseff, passando por Lula, foram 21 anos de governos de esquerda ou centro-esquerda no Brasil. A imagem da esquerda se desgastou especialmente nos últimos anos do governo Dilma Rousseff, em função da farra econômica que provocou o desemprego e dos escândalos de corrupção.
A crise econômica e a enxurrada de denúncias dos últimos anos têm mais efeitos perceptíveis. Seis em cada dez entrevistados pelo instituto AntennasBI se dizem “muito desiludidos” com a política, mas cinco em cada dez afirmam, mesmo assim, que cresceu a frequência com que discutem a respeito. E oito em cada dez se dizem interessados ou muito interessados no tema. A maioria afirma curtir (71%), compartilhar (65%) ou comentar (67%) notícias sobre política em redes sociais.
A pesquisa mostra que, mesmo desiludido com os acontecimentos recentes, o brasileiro das grandes cidades se engajou na eleição municipal. Trata-se de uma notícia excelente. Fora da política não há solução. Muitos dos problemas que temos hoje são causados por maus políticos – e o único jeito de resolvê-los é trocando-os por políticos melhores. Nas democracias, isso se faz pelo voto. E os eleitores das maiores metrópoles brasileiras, pelo que mostra a pesquisa, têm plena consciência do que querem no momento atual.
Bookmark and Share

Nenhum comentário:

Postar um comentário