sexta-feira, 23 de setembro de 2016

O APRESENTADOR QUE EVITA FALAR

Da ÉPOCA
Assim que o placar fechou em 3 a 2, um aliado que acompanhava a votação no plenário do Supremo Tribunal Federal se apressou em telefonar para o deputado Celso Russomanno, do PRB de São Paulo. “Ganhou, você ganhou! Acabou o sofrimento”, disse. Naquela tarde de terça-feira, dia 9 de agosto, o ministro Gilmar Mendes, num voto de desempate, absolveu Russomanno do crime de peculato – era acusado de pagar uma funcionária de sua produtora com dinheiro público – e manteve seus direitos políticos. Russomanno ficou com o caminho livre para concorrer à prefeitura de São Paulo em outubro. Quando ouviu a boa-nova, chorou. “Deus foi justo comigo”, disse. Na sequência, desceu e subiu pelas escadas – cinco vezes consecutivas – os nove andares que separam seu gabinete do térreo do Anexo IV da Câmara dos Deputados. “Era uma espécie de propósito religioso”, afirma o deputado Marcelo Squassoni, coordenador de sua campanha, que presenciou a catarse. “Quando soube que poderia sair candidato, entrou em parafuso. Ele é frágil psicologicamente, fez isso para dar uma baixada na ansiedade”, diz um opositor, numa explicação mais terrena.
Celso Russomanno, político e apresentador de televisão, é o líder nas pesquisas de intenção de voto que medem a disputa pela prefeitura de São Paulo. Em uma sexta-feira de setembro, ele chegou ao primeiro compromisso de campanha do dia em uma academia de judô, na Penha, Zona Leste da cidade, às 11h33 – uma hora e três minutos de atraso em relação ao horário marcado. Atrasos são comuns em campanhas, mas não quando o primeiro compromisso está marcado para o meio da manhã. O motivo, que Russomanno deixou escapar, menos ainda: ao falar sobre as benesses da prática de esportes, disse que passara a manhã fazendo exercícios na academia de sua casa, equipada com “mais de 30 aparelhos de musculação”. Russomanno compensou o atraso com uma boa atuação de candidato. Permaneceu com o sorriso congelado durante a longa e burocrática apresentação dos atletas. Alimentou uma fantasia de leão, vestimenta usada num número de dança chinesa, com um pé de alface – de verdade. Cobriu-se com um quimono e ensaiou uma luta.
Como a candidatura de Russomanno esteve sob ameaça da Justiça Eleitoral até o início de agosto, o PRB não conseguiu amealhar muitos aliados. Sem uma rede partidária consistente, a campanha sofre com a escassez de pontos de apoio pela cidade. Para compensar essa dificuldade, além da fama da televisão, Russomanno anda muito. A caminho do mercado municipal ali perto da academia, apertou a mão de cada um dos fãs e potenciais eleitores que se aproximavam. Nas últimas semanas, Russomanno passou por quase todos os mercados e feiras livres que teve chance. Ficou conhecido por não resistir a um pastel. Ao contrário do concorrente tucano, João Doria, que recentemente pediu a fotógrafos que o poupassem de ser clicado comendo (e não foi atendido, é claro), Russomanno faz questão de ser fotografado abocanhando a iguaria.
Russomanno nunca foi um parlamentar de destaque. Tornou-se o deputado federal mais votado do país em 2014 graças à imagem de “defensor do consumidor”, construída em mais de 30 anos na televisão. Começou no ramo como apresentador de videoclipes exibidos em motéis e baladas. Deixou o anonimato depois de um episódio dramático: em 1990, enquanto sua ex-mulher agonizava num hospital de São Paulo, Russomanno foi até sua casa, pegou uma câmera e gravou um vídeo em que denunciava o que dizia ser negligência médica. Adriana Torres morreu de meningite. Ele foi contratado pelo programa Aqui, agora, do SBT, onde construiu a imagem de “defensor do consumidor” em reportagens às quais chegava com a câmera ligada e enfrentava os entrevistados. O sucesso na TV levou Russomanno à política pelas mãos do então governador tucano de São Paulo, Mário Covas, em 1994. Foi deputado federal cinco vezes, por três partidos diferentes – PSDB, PP e, agora, PRB. Coroinha da Igreja Católica na infância, é candidato pelo partido que é a voz da Igreja Universal no Congresso.
Russomanno é piloto de helicóptero, faixa roxa de judô, se diz parapsicólogo e capaz de hipnotizar pessoas. Como candidato, boa parte de sua atuação consiste em hipnotizar eleitores representando na rua o papel do apresentador da televisão, sem roteiro ou microfone. Sua campanha procura fixar a imagem de que o sujeito loquaz, de olhar decidido, fala firme e agressivo na defesa do consumidor, defenderá o cidadão do gabinete de prefeito. Como a imagem o garantiu na dianteira até agora, na campanha Russomanno segue o mantra de que o candidato da dianteira evita polêmicas e fala o menos possível. Só decidiu na última hora ir ao primeiro debate da campanha deste ano. Enquanto os adversários se engalfinhavam diante das câmeras, manteve o tom suave nas respostas. Era uma tentativa de camuflar algumas de suas propostas controversas. Russomanno é contrário à regulamentação do Uber, o aplicativo de transporte individual que compete com os taxistas, apoiadores de sua candidatura. Discorda da redução de velocidade nas marginais, medida que, segundo o prefeito Fernando Haddad (PT), é responsável pela redução em 37% dos acidentes de trânsito na cidade, medida pela Companhia de Engenharia de Tráfego. Para a região da Cracolândia, sua ideia é estabelecer “bloqueios policiais” e “revistar todos os suspeitos”. Um detalhe: a polícia é competência do estado, não do município.
Russomanno também evita entrevistas. Depois de vários pedidos, sua assessoria disse a ÉPOCA que ele só falaria se as perguntas fossem enviadas previamente por e-mail. Por isso, ele não falou para esta reportagem. Na quarta-feira, dia 14, o empresário Sergio Zimmerman perguntou a Russomanno sua opinião sobre uma jornada de trabalho de 12 horas. “Não vou responder agora porque sou candidato a prefeito de São Paulo”, disse Russomanno. “Ia gerar uma polêmica tão grande que a minha candidatura naufragaria.” Naquele dia, uma pesquisa do Ibope apontara uma queda de 3 pontos de Russomanno nas intenções de voto. Ele lidera, com 30%, à frente de Marta Suplicy, do PMDB, com 20%, e do tucano João Dória, com 17%.
Russomanno não quer polêmica. A derrota na campanha de 2012 ainda o aterroriza e mantém o PRB em alerta em relação a ele. O episódio desastroso começou quando o vereador petista Antonio Donato, então coordenador da campanha de Haddad, pinçou no programa de governo de Russomanno uma proposta que previa a implementação da tarifa de ônibus proporcional, cobrada conforme a distância percorrida: quem morasse mais longe pagaria mais caro. O morador da periferia seria punido. Era certamente uma das piores ideias já escritas num documento de campanha. Mas passara despercebida. Durante um debate na televisão, Haddad jogou a questão. Surpreendido, Russomanno se enrolou na resposta. Nem a prática de apresentador o salvou. Em um movimento natural na cadeia alimentar da política, passou a ser atacado nessa ferida aberta. A propaganda eleitoral petista adotou o bordão “Russomanno não faz por mal. É falta de experiência” – frase criada pelo próprio Haddad. Russomanno, que tinha 30% das intenções de voto na ocasião, despencou e terminou com 21% menos de duas semanas depois, fora do segundo turno. Hoje, além de evitar cascas de banana verbais, Russomanno tenta compensar o tempo menor na propaganda na televisão com a habilidade diante das câmeras e o fato de ser conhecido.
No privado, o Russomanno apresentador vez ou outra relaxa e cede espaço ao político visto como agressivo e vaidoso. “Ele não é nada daquilo que se vê na televisão, representa o tempo todo”, afirma um ex-aliado do PP. “Não tem autocontrole, é fácil destemperá-lo.” Outro episódio da campanha de 2012 ficou marcado na memória dos que o presenciaram. Numa noite de agosto, Russomanno chegou aos berros ao comitê de campanha, na Avenida Itacira, em Moema. “Quero saber quem mudou meu site”, perguntou. Estava enfurecido porque a equipe havia transformado seu site pessoal, o do apresentador, em seu site de campanha, o do político. Uma das 15 pessoas presentes na sala retrucou. “Como assim quem mudou seu site, Celso? Você agora é um produto, seu site agora virou um site de campanha”, disse. Russomanno exigiu que desfizessem tudo e ameaçou abandonar a campanha. Deixou o comitê dirigindo um Mercedes preto. Arrancou com tanta velocidade que se perdeu na curva da esquina seguinte e quase capotou. Foi Marcos Pereira, presidente nacional do PRB e hoje ministro da Indústria, Comércio Exterior e Serviços, quem o acalmou e fez enxergar que não era por aquilo que desistiria da candidatura.
Ex-integrantes da campanha reclamam que Russomanno não se empenhava para enfrentar embates como aquele em que Haddad o encurralou. Treinar para debates é um trabalho constante para candidatos. Na tarde anterior a um desses debates, na TV Bandeirantes, em agosto daquele ano, Russomanno estava com três de seus mais próximos assessores de campanha no Hotel Sheraton, no Brooklin Novo, em São Paulo. O plano era estudar a ordem das perguntas aos candidatos, passar pontos do programa de governo e, em seguida, descansar. De repente, duas moças chegaram ao local. Sob a justificativa de que precisava descansar, Russomanno encerrou a reunião, dispensou os homens e só apareceu de novo na hora do debate.
A presença feminina é uma constante na campanha. Ao contrário do padrão masculino de boa parte das campanhas, a equipe de Russomanno tem várias beldades. O mesmo vale para sua vida privada. Seus relacionamentos amorosos são, digamos assim, focados em modelos. Adriana, sua primeira mulher, havia sido Miss São Paulo. Sua atual mulher, Lovani, foi modelo da agência Mega. A jornalista Flávia Feola lembra-se do primeiro encontro com Russomanno, numa noite em que ele fazia uma gravação para seu programa numa casa noturna country. “Lembro do vestido que eu estava: um tubinho acima do joelho, porque nunca fui periguete, e um sapatinho alto laranja”, diz Flávia, que sustenta um tom de voz relativamente alto. “Ele olhou para mim e falou: ‘Nossa, como você é bonita, magrinha...’.” Saíram de lá num Opala preto. Foram três anos e meio de namoro e permaneceram amigos até o ano passado, quando Flávia abriu um processo trabalhista, no qual pede R$ 2 milhões contra a Rede Brasil, de Marcos Tolentino. Russomanno foi do conselho administrativo do canal.
Dono de um patrimônio declarado de R$ 1,8 milhão, Russomanno aparentemente não é muito bom nos negócios. É parceiro do cirurgião plástico celebridade Roberto Miguel Rey Júnior, o Doctor Rey, na rede de clínicas Estética Hollywood. Em maio deste ano, a unidade de Moema da clínica recebeu uma ordem de despejo por aluguéis atrasados. Seu outro empreendimento na capital paulista, o restaurante português Forno do Padeiro, igualmente em Moema, fechou neste ano. “Absolutamente tudo que ele abre dá errado”, diz um antigo aliado. Em 2012, Russomanno tornou-se sócio do Bar do Alemão, um restaurante de dois andares na beira da margem norte do Lago Paranoá, em Brasília. Um dos sócios investiu R$ 1 milhão no negócio, e Russomanno explicou na ocasião que não gastaria um centavo: pagaria sua parte à medida que o dinheiro fosse “entrando”. Mas não entrou. No mês passado, o bar fechou e deixou um prejuízo de R$ 2 milhões.
Outro sócio no bar era o empresário  Augusto Mendonça, condenado na Operação Lava Jato por ter repassado R$ 60 milhões em propina ao ex-diretor de Serviços da Petrobras Renato de Souza Duque e ao PT. Russomanno aparece nos autos da Lava Jato citado pelo ex-
deputado federal Pedro Corrêa, seu ex-colega de PP, que celebrou um acordo de delação premiada em março passado. “Celso Russomanno era um dos que o partido dividia as propinas, recebendo os recursos de José Janene”, diz Corrêa, um veterano do mensalão, em um trecho. Segundo ele, Russomanno também “era famoso em solicitar vantagens indevidas a empresários utilizando a televisão como forma de intimidar e ameaçar”. Corrêa afirma que Russomanno fazia isso de sua posição na Comissão de Defesa do Consumidor da Câmara, a qual presidiu. Na época, Russomanno se defendeu com uma nota à imprensa. Disse que era adversário de Janene e chamou as acusações de “levianas”. Como de costume, evitou falar.
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