Da ISTOÉ
Na última semana, a força-tarefa da Operação Lava Jato
alcançou o cume da organização criminosa responsável por sangrar os cofres da Petrobras.
Nas palavras do procurador Deltan Dallagnol, que coordena o grupo de
procuradores em Curitiba, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi o
“comandante máximo”, o “general” e “maestro” de uma “orquestra” baseada na
“propinocracia” “concatenada para saquear os cofres da Petrobras e de outros
órgãos públicos”. As contundentes declarações embasaram a primeira denúncia por
corrupção contra Lula, apresentada pelo Ministério Público Federal na
quarta-feira 14. Nunca antes o petista esteve tão perto de uma condenação e de
ser preso – além da possibilidade de se tornar ficha-suja, o que o
impossibilitaria de disputar as próximas eleições – o segundo revés que mais o
atemoriza no momento. Constam ainda no rol de denunciados a ex-primeira dama
Marisa Letícia, o presidente do Instituto Lula, Paulo Okamotto, o ex-presidente
da OAS Léo Pinheiro e outros quatro executivos.
Conforme antecipou a ISTOÉ em sua última edição,
configurou-se a tempestade perfeita e o cerco se fechou contra Lula de maneira
inapelável. No panorama traçado pelo Ministério Público, todos os elementos
levam à convicção de que o petista estava no comando dos desvios nos cofres
públicos. O objetivo seria obter uma governabilidade por meio da corrupção, nos
mesmos moldes do mensalão, perpetuar-se no poder obtendo recursos para seu
partido e também enriquecer ilicitamente. “Temos um projeto de poder
estabelecido com base nas propinas, daí a propinocracia”, definiu Dallagnol. De
acordo com a acusação, a atuação de Lula “garantiu, durante seu mandato
presidencial, uma governabilidade assentada em bases criminosas, mediante
compra de apoio político”. O ex-presidente ainda teria formado “em favor do seu
partido, o PT, um colchão de recursos ilícitos para abastecer futuras campanhas
eleitorais, no contexto de uma perpetuação criminosa de poder”.
A denúncia se baseia em três acusações principais contra
Lula e relacionadas à empreiteira OAS: corrupção passiva no valor de R$ 87,6
milhões, que foram desviados pela empresa em três obras da Petrobras; lavagem
de dinheiro no valor de R$ 2,4 milhões pela aquisição e reformas feitas pela
empreiteira no tríplex no Guarujá e de R$ 1,3 milhão pela armazenagem de seus
bens pessoais feita por uma empresa custeada pela empreiteira.
Esta é a segunda denúncia contra Lula na Lava Jato, mas a
primeira em que ele é acusado diretamente de corrupção. A primeira foi feita
pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, imputando a ele a obstrução
de investigações de organização criminosa – Lula seria o mandante de pagamentos
para evitar a delação premiada do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró. Neste
caso, que está na Justiça Federal do DF, o ex-presidente já é réu e a primeira
audiência de instrução e julgamento está marcada para 8 de novembro, conforme
antecipou ISTOÉ em sua última edição. A nova denúncia, feita por Curitiba,
ficará com o juiz federal Sérgio Moro. Nos bastidores da Justiça Federal, a
expectativa é de que Moro delibere sobre a abertura do processo já no início
desta semana, o que pode tornar Lula réu em sua segunda ação penal. “Nesse
esquema criminoso, Lula dominava toda a estrutura por ele montada, com plenos
poderes para decidir sobre sua prática, interrupção e circunstâncias. O esquema
perdurou por, pelo menos, uma década. Diversas pessoas próximas a Lula e da
cúpula do PT, que faziam parte desse arranjo criminoso, já foram denunciadas
por seu envolvimento em crimes de corrupção e lavagem de dinheiro, reforçando o
caráter partidário e verticalizado do esquema criminoso”, escreveram os
procuradores na denúncia. A relação dessas pessoas com Lula foi listada como
indício de que ele era o ponto convergente do esquema criminoso. Dentre eles, o
Ministério Público cita o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, o pecuarista
José Carlos Bumlai e o ex-tesoureiro João Vaccari Neto, todos atualmente presos
na Lava Jato.
Diversas delações premiadas robusteceram a denúncia. Sobre a
indicação de diretores pelos partidos políticos com o objetivo de arrecadar
recursos lícitos e ilícitos, o ex-líder do governo no Senado, Delcídio do
Amaral (ex-PT-MS), afirmou que “Lula sabia ‘como as coisas funcionavam’” e
sabia “como a ‘roda rodava’, embora pudesse não ter conhecimento das
especificidades”. Já o ex-deputado Pedro Corrêa (PP-PE) relembrou quando seu
partido indicou Paulo Roberto Costa para a diretoria de Abastecimento da
Petrobras e o Conselho de Administração não queria aprovar a nomeação, o que
causou uma crise política entre o governo Lula e o Congresso Nacional, com o
trancamento de diversas pautas. “Somente Lula teria força para resolver essa
nomeação. O presidente Lula tinha conhecimento de que a manutenção do PP na
base aliada dependeria da nomeação da Diretoria, sabendo que o interesse era
financeiro e arrecadatório, pois esta era a base inicial de negociação com o
governo”, relatou. Segundo Pedro Corrêa, o petista chegou a ameaçar destituir
todo o Conselho de Administração da Petrobras caso não aprovassem a indicação
de Paulo Roberto Costa. No fim, ele acabou sendo nomeado.
No mesmo dia da denúncia do MPF, os advogados de Lula
correram para tentar desqualificar os indícios de que a cobertura no Guarujá
foi preparada, reformada e mobiliada em benefício de Lula. Os argumentos,
porém, deixam um inequívoco fio desencapado. A cota-parte de um apartamento
teria sido adquirida por Marisa Letícia em 2005, mas só nove anos depois a
família foi visitar o apartamento para saber se queria mesmo comprá-lo e só em
2015 entrou na Justiça para reaver o dinheiro aplicado. A versão não pára em
pé. O Ministério Público, por sua vez, sustenta com evidências mais
substanciosas que o apartamento e a armazenagem de bens foram parte de
pagamentos de vantagens obtidas ilegalmente pela OAS em contratos na Petrobras.
Nas próximas semanas, Lula não deverá ter sossego, como deixou clara a própria
força-tarefa da Lava Jato. “O trabalho não para aqui, as investigações
continuam. Essa é uma primeira resposta aos crimes praticados pelo senhor
Lula”, afirmou Deltan. Independentemente do desfecho, e de quando o desenlace
se dará, a casa caiu para o ex-presidente. Um vaticínio já se impõe: se não for
impedido pela Lei da Ficha Limpa, dificilmente o petista terá musculatura
política e eleitoral para concorrer às próximas eleições presidenciais.
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