Mary Zaidan, Blog do Noblat
Tema polêmico, que divide o mundo jurídico, a prisão de réus
condenados em segunda instância antes de esgotados os recursos nos tribunais
superiores foi confirmada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) na noite da
última quinta-feira. Passa, portanto, a valer para todos os tipos de processo
em todo o país. A decisão mexe profundamente com o Judiciário: dá mais poder e
responsabilidade aos tribunais de Justiça e aos tribunais federais regionais,
mina a indústria de recursos e, consequentemente, confere maior celeridade à
Justiça.
O cumprimento da pena após a condenação em segundo grau já
tinha sido aprovado pelo Supremo. Em fevereiro, em uma votação de recurso sobre
um roubo – a mesma que foi reafirmada agora –, e no início de outubro, quando
foram julgadas ações movidas pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e pelo
Partido Ecológico Nacional (PEN), ambas questionando a legalidade da prisão
antes da conclusão de todas as fases recursais de um processo.
Os placares sempre apertados, 6 a 5 em fevereiro e outubro e
6 a 4 agora, escancaram o tamanho da encrenca. E com idas e vindas. Nas duas
primeiras votações, os ministros Edson Fachin, Luís Alberto Barroso, Luiz Fux,
Gilmar Mendes, Dias Toffoli e Cármen Lúcia foram favoráveis à tese de
cumprimento da pena após a deliberação da segunda instância. Ricardo
Lewandowski, Marco Aurélio Mello, Celso de Mello e Rosa Weber foram votos
vencidos. Desta vez, Cármen Lúcia, presidente da Corte, não votou. Rosa Weber
também não. E Toffoli mudou de lado.
Perto do que preconizava o ex-presidente do STF, Cezar
Peluso, a saída aprovada pelo Supremo é levíssima. Sua proposta era radical:
mudar a Constituição e estabelecer que todos os processos terminassem depois de
julgados pelos tribunais de Justiça ou pelos tribunais regionais federais, com
imediato cumprimento das penas. Os recursos ao STJ e ao STF serviriam apenas
para tentar anular a decisão.
Encabeçados pela OAB, os críticos mais ferozes da tese que
prevaleceu no Supremo apoiam-se na garantia constitucional de inocência até que
uma ação tenha percorrido todos os caminhos possíveis, o que no Brasil chega à
jabuticaba perfeita: o único país do mundo com quatro instâncias, três delas
recursais. Apontam ainda a hipótese de erros cometidos nas instâncias
inferiores, quase que questionando a capacidade dos juízes de primeiro grau e
dos tribunais. No fundo, sabem que estão perdendo a possibilidade de
procrastinar.
Embora velocidade não seja critério de qualidade, a
excessiva morosidade – processos que se arrastam por décadas – beneficia o réu
e pune a vítima.
Depois de dar entrada em um fórum local onde ficará por
alguns meses ou anos, um processo segue para os tribunais de Justiça ou para
tribunais regionais federais, dependendo do tipo de ação. Neles, de forma
otimista, tramitam por outros dois ou três anos.
No STJ e depois no STF, um recurso leva em média cinco anos
para ser julgado em cada uma das casas, sem contabilizar os agravos possíveis
no Supremo. Alguns processos superam 10 anos, outros expiram, simplesmente
prescrevem.
Ainda que a percepção popular aponte no sentido contrário,
os processos mais céleres no Supremo envolvem políticos com fórum privilegiado,
que levam de dois a três anos para ser apreciados. Isso depois da formalização
da denúncia, essa, sim, não raro muitíssimo lenta. O presidente do Senado,
Renan Calheiros, alvo de 12 inquéritos, que o diga.
Para procuradores e advogados de vítimas, a mudança definida
pelo Supremo é mais do que bem-vinda, é determinante. Sem ela, as condenações e
penas impostas pela Lava Jato correriam risco, milhares de culpados
continuariam recorrendo em liberdade. Sem ela, bandidos continuariam a usar a
Justiça para encobrir seus delitos. Com ela, a Justiça, que nem sempre consegue
ser tão justa, aumenta a chance de fazer Justiça.
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