Artigo de Fernando Gabeira
Seria uma longa reflexão, menos urgente do que pensar
algumas ideias para sair desta maré. Maré brava que desafia a imaginação
coletiva, mas que pode começar na cabeça do indivíduo, por mais precárias que
sejam nossas ideias ou mais ingênuas que possam parecer. Considero um passo
inicial ter os dados exatos sobre o impacto da corrupção nos últimos governos,
sobretudo os que surfaram na onda do petróleo. Essa necessidade me pareceu mais
necessária ainda quando recebi o bilhete de um amigo lembrando que a missão da
sonda Juno, que começou em 2011 e deve terminar em 2017, custou US$ 1,1 bilhão.
A sonda viajou 2,3 bilhões de quilômetros e no momento está na órbita de
Júpiter. Na mesma época, o Rio implantou a linha 4 do metrô, com 16 quilômetros
de extensão e cinco estações. A linha custou US$ 3 bilhões, quase o triplo da
Missão Juno.
Era preciso um balanço geral. A Lava-Jato e outras operações
policiais trataram até aqui de corrupção em obras da Petrobras e de Angra 3. O
único político do PMDB preso era Eduardo Cunha, também por seu papel nacional.
Existe uma operação, a Saqueador, que poderia puxar um dos fios da meada. O
empresário Fernando Cavendish já oferece um anel de R$ 800 mil, mas ainda não
esposou a delação premiada. Com a prisão de Sérgio Cabral talvez se possa ter
uma visão aproximada do peso que a corrupção teve nos últimos anos e também da
fração de recursos que possam ser restituídos ao Rio.
Pesquisas divulgadas esta semana mostram que a Assembleia do
Rio custa mais caro que a de São Paulo e que o Judiciário custa uma vez e meia
o do estado de Minas. Minas tem 853 municípios, o Rio, 92. É preciso uma
revisão geral do custo da máquina. Ela passa pelos salários, mas envolve outras
dimensões, sobretudo o sistema estadual de aposentadoria. Se as instituições
mostrassem o quanto se perdeu com a corrupção e o governo demonstrasse que
ajustou os custos da máquina à realidade de um estado quebrado, talvez pudesse
surgir daí uma centelha de legitimidade. Esta centelha é a única esperança de
conduzir um processo pacífico. É evidente que não existe projeto de
reconstrução que não desperte protestos, mas num clima mais produtivo.
Se o estado, em todos os níveis, se ajusta à sua realidade
falimentar, o diálogo com os funcionários torna-se menos áspero e a própria
confiança da sociedade talvez reacenda. Esta semana li uma longa entrevista de
Henry Kissinger porque queria saber de sua visão sobre o futuro da política
externa americana. No meio do caminho, deparei-me com uma frase em que ele diz
que todas as sociedades humanas, num determinado momento de sua história,
decaem. É uma arrogância supor que os Estados Unidos escapariam desse destino.
Mas observa em seguida: a perda de confiança em si próprio é um sintoma que
pode precipitar a decadência.
Embora tenha feito as escolhas políticas, não foi a
sociedade, mas os dirigentes que jogaram o Rio neste buraco. De um lado, a
exuberância do petróleo, de outro, o estímulo federal para que o estado se
endividasse. E, no meio, a corrupção. Não há razão para que ela perca a
confiança em si própria. O que faliu foi uma visão política, o que se vive é uma
ressaca do petróleo, a descoberta de uma caríssima e incapaz máquina de
governo. O corte decisivo nos gastos públicos, a punição dos corruptos, a
canalização dos recursos salvos do desastre para a saúde e a educação podem ser
um roteiro geral. Sem falar na urgência de manter programas como o aluguel
social e restaurante popular.
O estado vive uma situação tão grave que aquela frase de
Kennedy, tantas vezes citada, por força da realidade, aplica-se aqui: não me
pergunte o que Rio pode fazer por você, mas sim o que você pode fazer pelo Rio.
Desde que haja confiança de que um outro rumo está sendo trilhado. Não vejo
outras saídas, exceto a energia e a criatividade das pessoas, sobretudo quando
as coisas estão desmoronando. Uma época chega ao fim e os que estão por cima
são incapazes de iniciar uma nova.
É apenas uma opinião na esperança de que a intensa troca de
ideias possa nos ajudar a sair dessa maré. Estamos sós, o cenário é desolador,
mas é preciso prosseguir. Mesmo sem saber precisamente para onde e por que, é
preciso prosseguir.
Artigo publicado no Segundo Caderno do Globo em 20/11/2016
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