Na manhã de 13 de dezembro de 1968, o jornal "O Estado
de S. Paulo" deveria circular com um vigoroso editorial cujo título era
"Instituições em frangalhos".
Seria uma crítica antecipada ao Ato Institucional nº 5, o
mais violento instrumento ditatorial adotado pelo regime inaugurado em 1964.
A edição foi apreendida, pequena amostra das arbitrariedades
que o AI-5 poria em jogo a partir daí.
É todo um compêndio sobre a realidade brasileira o fato de
que uma pesquisadora –no caso, Eloisa Machado, professora de Direito na
Fundação Getúlio Vargas– use, para a Folha, a mesma expressão do editorial
vetado: as instituições estão em frangalhos, de que dá mais uma prova, se ainda
fosse preciso, o episódio Renan Calheiros/STF.
Se, em quase meio século, de 68 até aqui, o Brasil foi
absolutamente incapaz de juntar os cacos de suas instituições, é tentador
concluir que a democracia fracassou.
Como a alternativa (a ditadura) foi também um fracasso, além
de absolutamente inaceitável em qualquer país que se pretenda civilizado, é
justo dizer que estamos no mato sem cachorro (ou sem instituições ou com
instituições em frangalhos).
Nesse triste cenário, vamos combinar que grave não é a Mesa
do Senado decidir desobedecer a determinação de um ministro do Supremo para
afastar Renan Calheiros. Grave é o fato de Renan ter sido eleito para a chefia
de uma das casas legislativas. Afinal, já faz praticamente dez anos que Renan
confessou, indiretamente, falta de decoro, ao renunciar à presidência da Casa,
para evitar ser cassado.
Quem não tem decoro não pode ser nem senador, quanto mais
presidente da chamada Câmara Alta (que está mais baixa do que jamais numa
história republicana que não é exatamente escrita por gigantes).
No entanto, seus pares escolheram-no, não por não saberem
quem ele era mas, provavelmente, exatamente por terem perfeita noção de quem
teriam como chefe.
Agora, temos o seguinte cenário institucional: o deputado
que seus pares elegeram para chefiá-los (Eduardo Cunha) está na cadeia.
O senador que seus pares elegeram para chefiá-los é réu, em
processo na instância competente para parlamentares (o Supremo Tribunal
Federal).
Para não mencionar o fato de que a chefe do Executivo
federal foi afastada pelas Casas indicadas para fazê-lo pela Constituição.
Ainda há mais: o substituto dela não só já foi citado em algum momento da
operação Lava Jato como está pendente de uma decisão da Justiça Eleitoral sobre
o financiamento da chapa Dilma/Temer.
Ah, faltou dizer que há consistentes suspeitas de que mais
de 200 políticos aparecerão na delação dos executivos da Odebrecht.
Como a própria empresa já confessou publicamente
"práticas impróprias" (eufemismo cínico para roubalheira descarada),
os que com ela negociaram já estarão automaticamente rotulados como gente com
"práticas impróprias". Ou, na linguagem parlamentar, falta de decoro,
motivo para cassação.
Dizer, pois, que as instituições estão em frangalhos é dizer
pouco. Estão é podres, imensamente podres.
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