Fabio Giambiagi, O Globo
O debate acerca da natureza da Economia como espaço de
conhecimento é infindável. De um lado, estão os economistas que defendem que
ela deve ser considerada como um ramo do conhecimento associado às Ciências
Exatas, enquanto que, de outro, estão os que entendem que se trata de um ramo
assemelhado com a Sociologia e que deve ser avaliada sob um prisma que a frieza
dos números seria incapaz de retratar.
Aqueles que, saindo dos bancos da faculdade, tentamos no
debate público enquadrar a temática econômica no arcabouço formal da
aritmética, aprendemos que nem sempre as equações são suficientes para
expressar os dilemas com os quais as autoridades se defrontam no mundo real.
E nem precisamos pensar em países nos quais o pensamento
mágico costuma encontrar um terreno mais fértil para sua difusão. Mesmo nas
economias avançadas, se uma greve colocar em risco a sobrevivência do governo,
o presidente ou o primeiro-ministro provavelmente vai mandar o seu ministro da
Fazenda atender, nem que seja parcialmente, ao pleito, por mais que isso não
seja recomendável à luz dos ensinamentos da teoria econômica.
Ao mesmo tempo, é ilusório, para quem julga que a Economia
seja uma “ciência social” (querendo com isso insinuar que sua relação com o
rigor dos números seria bastante elástica), querer driblar algumas realidades.
Cite-se aqui um caso: se o gasto público aumentar, o desequilíbrio terá que ser
financiado de alguma maneira e, cedo ou tarde, as consequências irão aparecer.
A literatura deu o nome de “pensamento mágico” ao raciocínio
conforme o qual certas ações que trazem uma sensação de bem-estar na economia
podem ser dissociadas das consequências que irão acarretar. Em um texto
publicado há mais de 25 anos, Rudiger Dornbusch e Sebastian Edwards definiram
populismo macroeconômico como “a política econômica que enfatiza o crescimento
econômico e a distribuição de renda e não dá ênfase aos riscos da inflação, do
financiamento do déficit público e das restrições externas” (“Macroeconomic
populism”, Journal of Development Economics, 1990).
Na América Latina, o script do populismo envolve
ingredientes clássicos. Na fase 1 das políticas, a bonança permite adotar
políticas amplamente generosas, sem maior cuidado com o que virá depois. Na
fase 2, aumenta-se a dívida — como no Brasil — ou queimam-se os estoques — como
na Argentina. Isto último equivale a “torrar a herança”, na forma de utilizar
reservas internacionais para financiar desequilíbrios do balanço de pagamentos,
ou de se apropriar dos recursos dos fundos de pensão privados para fazer
proselitismo ou, ainda, de reduzir o estoque de cabeças de gado, que é o que
ocorre quando, num país onde se come muita carne como o vizinho do Sul, o
governo entra em guerra com os produtores do campo.
No final, na fase 3, chega-se à negação da realidade: num
país que consome seus recursos, os governantes tendem a viver num mundo de
fantasia. É o que constatou Héctor Méndez, um dos líderes da indústria na
Argentina quando, após sair de uma reunião na Casa Rosada, reconheceu em 2014
que “é muito difícil falar da realidade nos encontros com a presidente”.
Qualquer semelhança com nossa trajetória recente não é mera coincidência. A
fase 4, enfim, é o colapso.
Quando se assiste à argumentação dos que resistem a qualquer
forma de ajustamento, percebe-se a força do pensamento mágico entre nós. Se a
todo ajuste se resiste e os governos cedem, a grande pergunta é: o que impedirá
a dívida pública de continuar crescendo?
Por maior que seja a influência dos fatores políticos e
sociais na determinação das variáveis econômicas, o economista que lida com as
questões macroeconômicas tem a obrigação profissional de levar em conta duas
coisas. Primeiro, a visão do conjunto e os efeitos agregados das políticas.
Segundo, as consequências de médio e longo prazo das decisões adotadas.
Frédéric Bastiat, defensor do livre mercado no século XIX, já tinha manifestado
que “há apenas uma diferença entre um economista ruim e o bom economista.
O primeiro fica limitado aos efeitos visíveis. O segundo
leva em conta tanto os efeitos que podem ser vistos, como aqueles que podem ser
previstos”. Políticas muito equivocadas levaram o Brasil ao desastre de
2014/2016. Teremos aprendido a lição?
Fabio Giambiagi é economista
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