Mônica Bergamo, Folha de S.Paulo
Na véspera do início do julgamento no TSE (Tribunal Superior
Eleitoral) que pode cassar a chapa eleita em 2014 e torná-la inelegível, a
ex-presidente Dilma Rousseff diz, em entrevista à Folha, que Marcelo Odebrecht
"sofreu muitos tipos de pressão" para aceitar virar delator e que
seus depoimentos são "uma coisa absolutamente ridícula".
"Não venham com delaçãozinha de uma pessoa que foi
submetida a uma variante de tortura, minha filha. Ou melhor, de coação",
diz.
Ela também critica a tese de que seria possível separar as
contas da chapa. "Nós pagamos integralmente todas as despesas dele",
afirma, sobre o agora presidente Michel Temer.
*
Folha - O julgamento do TSE começa já com o parecer do
procurador eleitoral Nicolau Dino, baseado nos depoimentos de delatores como
Marcelo Odebrecht, dizendo que a campanha da senhora recebeu R$ 112 milhões de
caixa dois em 2014.
Dilma Rousseff - Eu fico estarrecida, primeiro, com o
cerceamento de defesa do qual estou sendo vítima. [Marcelo Odebrecht] está
fazendo delação de acordo com seus interesses. Portanto, tudo o que ele diz
pode servir de indício para investigar, mas não para condenar. O STF [Supremo
Tribunal Federal, que homologou a delação do empreiteiro] nem abriu
investigação [criminal] ainda. É estarrecedor que um procurador use como prova
o que não é prova.
Em segundo lugar, ele faz uma soma de laranja com banana. O
senhor Marcelo Odebrecht diz que R$ 50 milhões [dos R$ 112 milhões] foram
doados em 2009 e faz uma relação disso com o Refis [ele diz que prometeu os
recursos ao ministro da Fazenda, Guido Mantega, depois que a Odebrecht foi
beneficiada por uma medida provisória. O valor teria se transformado em crédito
que só foi usado na campanha de 2014]. Ora, em 2009 eu tive um câncer e sequer
era candidata a Presidência.
Além disso, terminamos a eleição de 2010 com uma dívida de
R$ 10 milhões. E não usamos nada desses R$ 50 milhões para cobrir esse débito?
Esses R$ 50 milhões são uma ficção, uma coisa absolutamente ridícula.
Marcelo Odebrecht e outros delatores dizem que houve também,
entre outros, pagamentos de R$ 20 milhões para João Santana no exterior e de R$
25 milhões para comprar o apoio de partidos. E afirmam que a senhora sabia da
dimensão dos recursos doados à campanha pela empreiteira.
Eu acho que o senhor Marcelo Odebrecht exagera bastante a
realidade. Ele fala "ah, ela sabia". Eu sabia do nível de
investimentos deles no Brasil. Nós tivemos sete audiências [durante o governo
de Dilma] em que ele fez apresentações exaustivas sobre isso. Nesses encontros,
ele jamais tocou em outro assunto, e nem disse que tocou. As doações oficiais
dele foram de R$ 29 milhões, ou 8% do total que arrecadamos. Então, minha
querida, que grande doador é esse que eu teria de saber o que ele estava
fazendo?
Ele diz que havia uma conta de R$ 150 milhões destinados à
campanha, também via caixa dois.
Para se passar por grande doador, ele fala dessa conta. Em
determinado momento de seu depoimento, diz: "É uma conta corrente que só
eu tinha na cabeça". Ou seja, era uma conta da subjetividade dele.
A senhora indicou o então ministro da Fazenda, Guido
Mantega, para ser interlocutor de Marcelo Odebrecht?
Ele diz que, quando o [Antonio] Palocci saiu [do
ministério], no começo do meu governo, me perguntou com quem trataria. De fato
ele pergunta pra mim. E o que ele queria? Falar sobre crédito, tributos e as
obras que iríamos fazer. Eu disse: ministro Guido é quem trata. Mas o Guido
nunca foi interlocutor de Marcelo Odebrecht para assuntos eleitorais, até
porque estávamos em 2011. Ele [Odebrecht] sempre faz essa confusão. [Elevando o
tom de voz] Esse rapaz jamais ousaria conversar comigo sobre doação. Você acha
que alguém ousaria? Pergunta se alguém ousaria.
Em outro trecho ele diz que sugeriu que eu deveria pedir
doação para empresários porque a campanha estava sem dinheiro, e que eu nunca
me interessei e nunca pedi. Essa narrativa me beneficia, mas essa conversa não
aconteceu. Nunca, querida. É uma conversa estapafúrdia, esdrúxula, uma sandice
desse rapaz.
Eu tenho a impressão de que o senhor Marcelo Odebrecht, para
que sua delação fosse aceita, tinha de falar sobre coisas ilícitas da minha
campanha e inventou essa ficção.
A senhora quer dizer que os investigadores o pressionaram
para envolvê-la?
Olha, eu tenho a impressão de que o senhor Marcelo Odebrecht
sofreu muitos tipos de pressão. Muitos tipos de pressão. Por isso, não venham
com delaçãozinha de uma pessoa que foi submetida a uma variante de tortura,
minha filha. Ou melhor, de coação.
Ele nunca teve essa proximidade comigo [para tratar de verba
de campanha]. Da minha parte sempre houve uma imensa desconfiança dele.
E por quê?
Eu era ministra-chefe da Casa Civil em 2007 e supervisionava
os grandes projetos do governo como as usinas do complexo do rio Madeira, Santo
Antônio e Jirau. E um empresário começou a dizer que estava muito difícil
participar do leilão porque havia uma espécie de cartel organizado pelo senhor
Marcelo Odebrecht. Eu fui averiguar. E havia um processo de cartelização.
Chamada a direção de Furnas [que participou do consórcio], isso foi
imediatamente resolvido. Mas não é só. O leilão já estava marcado e ele disse
em vários locais que ninguém faria lance se o preço mínimo da energia não
ficasse em R$ 130. Decidimos não adiar. E a própria Odebrecht ganhou por R$
78,87.
Faça as contas e veja a diferença de margem de lucro [que a
Odebrecht deixou de ganhar]. Ele nunca deve ter me perdoado.
Marcelo também diz que, já com a Lava Jato em curso, avisou
a senhora, num encontro no México, que a sua campanha poderia ser contaminada,
pois ele havia feito pagamentos ao marqueteiro João Santana no exterior.
Eu viajei ao México para um encontro com o [presidente] Peña
Nieto e depois houve um almoço e uma reunião com empresários. O Marcelo estava
lá. No fim do dia, eu já estava saindo para o aeroporto, atrasada, mas queria
ir ao banheiro. Fui para [o toalete de] uma sala reservada e fiz o que tinha
que fazer [risos]. Quando voltei, tá lá o senhor Marcelo nessa sala. Ele
começou a falar comigo, do jeito Marcelo, tudo meio embrulhado. E eu numa
pressa louca, olhando pra ele. Não entendi patavina do que ele falava. Niente
["nada", em italiano]. Ele diz que me contou que poderia ocorrer
contaminação. Mas eu não tinha conta no exterior. Se o João tinha, o que eu
tenho com o João? Por que eu teria que saber?
A senhora acredita que a chapa pode ser cassada e a senhora
se tornar inelegível?
Mais uma vez vão cometer uma injustiça e com base em um
depoimento [de Odebrecht] absolutamente sofrível. E como o Temer não tem nada a
ver com isso? Na campanha, ele arrecadou R$ 20 milhões de um total de R$ 350
milhões. Nós pagamos integralmente todas as despesas dele. Jatinhos, salários
de assessores, advogados, hotéis, material gráfico, inserções na TV. Separar
essa conta só tem uma explicação: dar tempo para ele entregar o resto do
serviço que ficou de entregar: reforma da Previdência e desregulamentação
econômica brutal.
A senhora afirmou recentemente que conhecia bem o grupo de
Michel Temer no PMDB e disse que não deixou Moreira Franco roubar.
Diz-me com quem tu andas que eu te direi quem és.
A senhora soube de algo que comprometa o Temer?
Não, querida, isso eu não posso dizer. Porque se eu soubesse
ele não demorava nem dois minutos para sair. Já do Moreira eu suspeitava.
Suspeito. O Eliseu Padilha [ministro da Casa Civil] é do Rio Grande do Sul,
como eu. Sai na rua e pergunta para as pessoas quem ele é.
Se a senhora sabia tanto, por que eles ficaram no seu
governo?
Eu soube bem lá pelo fim do governo.
A senhora conviveu muitos anos com eles.
Eu não convivi não, querida. "Yo", no. Agora, há
uma coisa gravíssima no Brasil, que não é se rouba ou deixa roubar, porque isso
você pune, prende.
O problema muito mais grave é que o centro foi para a
direita. Eduardo Cunha [ex-presidente da Câmara] está preso mas tudo o que garantiu
a sobrevivência dele está solto, lá no parlamento.
Há um processo gravíssimo de radicalização. Não adianta
agora as pessoas que criaram esse processo, como o senador Aécio Neves e sua
irmã, irem para as redes sociais gravarem depoimentos emocionados contra esse
tipo de conflito, de vazamento, dizer que queimar a moral de pessoas em praça
pública é condenável. Quem abre a caixa cheia de monstros geralmente é devorado
primeiro.
Fiquei bastante impactada quando li que houve pagamento de
propina no exterior ao Aécio na usina de Santo Antonio. Suamos tanto para fazer
um leilão competitivo e a propina rolando solta? Aí é dose.
Aécio desmente a acusação.
Querida, a mim ninguém nunca acusou de ter conta no
exterior. Mas, enfim, vivemos uma conjuntura complexa que tem também a ver com
a forma como a imprensa espetaculariza certas coisas.
Lula será preso?
Só se eles forem muito doidos. Não dá para continuar nesse
ritmo. Nós precisamos de uma eleição para ver se conseguimos criar um consenso
novo, para que nos encontremos todos e sejamos capazes de fazer um novo pacto.
E a senhora, é candidata?
Eu não quero. Mas posso até ser. Me casse que eu vou passar
o tempo inteiro lutando [na Justiça] para não ser cassada e ser candidata.
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