Sob os escombros das delações da Odebrecht, o personagem
regente de nossas transformações políticas por quase 40 anos submerge ferido de
morte. Luiz Inácio Lula da Silva nunca mais será o mesmo. Talvez, um Silva. Ou
um Luiz Inácio. Nunca mais um Lula. Aquele Lula, nunca mais. Acabou. É como o
Edson sem o Pelé. Para o petista, as delações dos executivos da Odebrecht foram
acachapantes. Restaram claro que a autoproclamada “alma mais honesta”, a quem
um dia milhares de brasileiros confiaram a missão de mudar radicalmente a
maneira de fazer política no País, se beneficiou pessoalmente dos ilícitos – e
estendeu as benesses aos seus familiares. Sem sequer corar a face, o petista
abandonou ao léu sua principal bandeira, a da ética – se é que um dia foi
verdade.
Os fatos –, e eles são teimosos, deles não há como escapar,
– nos conduzem à crença na impostura lulopetista como uma espécie de dogma de
ação. Senão vejamos: segundo Marcelo Odebrecht, Lula chegou a registrar um
saldo de R$ 40 milhões de reais em sua conta-propina, administrada pelo
ex-ministro Antonio Palocci. Desse total, Lula sacou, no mínimo, 30 milhões de
reais. Em dinheiro vivo, conforme antecipou ISTOÉ com exclusividade em
reportagem de capa de novembro de 2016. Gravíssimo. Como explicar tanto dinheiro
na conta ante o povo sofrido do Nordeste? “Nós contra eles”? “Nós” quem, cara
pálida? Também teve mesada em espécie para o irmão, o Frei Chico, pixuleco para
o sobrinho, Taiguara Rodrigues, e pedido de apoio aos negócios do filho caçula,
Luís Cláudio, em troca de azeitar a relação da Odebrecht com o governo de sua
pupila, Dilma Rousseff. Sem falar no pagamento de despesas estritamente
pessoais, como a reforma do sítio de Atibaia, no interior de São Paulo, a
aquisição de imóveis para uso particular e do dinheiro para a instalação do
Instituto batizado com o seu nome. Nem mesmo as palestras ministradas pelo
petista sobrevivem incólume ao escrutínio da Justiça. Tido como homem de Lula
na Odebrecht, Alexandrino Alencar contou aos procuradores que as palestras de
US$ 200 mil – padrão Bill Clinton – a Lula foram uma maneira de compensar a
ajuda do petista à Odebrecht durante seus dois mandatos. E que ajuda!
Atuando com se fosse um embaixador da Odebrecht, o petista
chegou a impedir que a Petrobras adquirisse ativos da Ipiranga para garantir
que o grupo permanecesse com a hegemonia do setor, em detrimento dos interesses
da estatal. “Compreendo que nossa presteza e o nosso volume de pagamentos
feitos a pretexto de contribuição para a campanha contribuíram nas decisões que
tanto o ex-presidente Lula quanto integrantes do PT tomaram durante sua gestão,
coincidentes com nossos interesses”, sapecou o patriarca da família, Emílio
Odebrecht. A promiscuidade era tanta que Emílio pediu a Lula que segurasse sua
turma: “Eles têm a goela muito grande”, afirmou.
Os negócios pessoais do ex-presidente se confundiam tanto
com as decisões de governo que nem o próprio petista conseguia distingui-los
mais. Hoje, há quase um consenso entre procuradores e agentes federais de que
quase todo dinheiro amealhado pelo petista, nos últimos 13 anos, foi produto de
crime. Para a imagem do ex-presidente, a constatação é nitroglicerina pura.
Pá de cal
Nos bastidores da Lava Jato, a condenação de Lula em
primeira instância é tida como questão de tempo. Conforme apurou ISTOÉ, na
quinta-feira 20, em depoimento ao juiz Sergio Moro, o ex-sócio da OAS, Leo
Pinheiro, irá jogar a pá de cal sobre o processo do tríplex, no Guarujá, no
qual Lula é réu por corrupção passiva, lavagem de dinheiro e ocultação de
patrimônio. O empreiteiro confirmará que o imóvel foi, sim, um regalo ao
petista em troca de benefícios fraqueados por Lula à construtora. O
ex-presidente insiste na cada vez mais inverossímil versão de que não é o dono
do apartamento – um argumento incapaz de se equilibrar em pé. O depoimento de
Pinheiro somado às mais recentes revelações do ex-zelador do tríplex,
publicadas com exclusividade por ISTOÉ, sacramenta a tempestade perfeita em
torno do ex-presidente. De acordo com José Afonso, ele viu, numa das visitas ao
tríplex, dona Marisa pedir aos funcionários da OAS para que instalassem o
elevador privativo no imóvel. “Quem pediria para construir um elevador num
apartamento que não é seu?”, questiona o arguto zelador. O aparelho ascensor
constituiu apenas um item da reforma empreendida pela OAS no imóvel. A pedido
do petista, o quarto de empregada e uma área da sala viraram um escritório, o
piso foi revestido de porcelanato e uma generosa área gourmet foi erguida no
último andar, onde há um deck e uma pequena piscina. O acerto envolveu ainda a
compra, junto à Kitchens, dos eletrodomésticos que equiparam a cozinha, com
instalações pré-fabricadas, geladeira e microondas, avaliadas em mais de R$ 200
mil. Tudo isso aconteceu no ano de 2014, sob a coordenação de Leo Pinheiro,
sócio-presidente da OAS. Ou seja, enquanto se dizia vítima das elites, em
palanques País afora, Lula tinha um apartamento reformado pelas mãos da
quintessência dessa mesma elite. Quem, nesse País, desfruta do privilégio de
ter um imóvel remodelado por um presidente de empreiteira e, ainda por cima, de
graça? Nós? Ou ele?
Três fases de Lula
Da glória no movimento sindical à ameaça de prisão por
corrupção
A derradeira fase do processo do tríplex será o depoimento
de Lula a Sergio Moro no dia 3 de maio, quando os dois ficarão tête-à-tête pela
primeira vez. O interrogatório tem tudo para virar um espetáculo. Militantes da
CUT, UNE e do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto, pretendem se revezar em
discursos inflamados do lado de fora. Há mais de um mês, Lula depôs na 10ª Vara
Federal de Brasília, no processo que investiga a tentativa de compra do
silêncio de Nestor Cerveró, ex-diretor internacional da Petrobras. Como tudo o
que envolve Lula, a audiência virou um comício. Como dizia Marx, guru ao qual o
petismo nutre fidelidade quase canina, a história se repetirá. Como farsa.
Sergio Moro, que já foi criticado e agora é adulado por Lula, não parece exibir
um perfil de quem cairá nessa.
Nem todas as ações penais dependem de Moro. Além de
responder pelo apartamento de três decks, Lula é réu em mais quatro processos:
por obstrução de Justiça, por tráfico de influência e corrupção passiva,
acusado de usar sua influência em órgãos do governo e no BNDES para beneficiar
a empreiteira Odebrecht em contratos de obras em Angola, organização criminosa,
por integrar um esquema de venda de vantagens no governo em benefícios de
empresas, e por lavagem de dinheiro, pelo fato de ter recebido propina da
empreiteira Odebrecht na forma da compra de um terreno (avaliado em 12,5
milhões de reais) para a construção do Instituto Lula. Diante das revelações
dos delatores, não há muita escapatória. A briga da defesa de Lula residirá no
ringue da segunda instância, onde os processos desaguarão em 2018. Condenado,
terá como destino a cadeia e se tornará automaticamente um político ficha-suja,
razão pela qual ficará impedido de concorrer a qualquer cargo eletivo. Por
isso, estrategicamente, Lula antecipa sua candidatura ao Planalto. Trabalha
para transformar uma decisão eminentemente jurídica numa contenda
político-ideológica. A ideia é constranger o Judiciário sob o pretenso
argumento de que ele está sendo vítima de táticas de lawfare (guerra jurídica)
e, por isso, “quem deve julgá-lo é o povo”. Nem uma nem outra. Mais uma vez, o petista
quer colocar-se acima das leis. A era dos privilégios, no entanto, parece ter
acabado. Assim como o encanto da população, em quem um dia depositou as mais
sinceras esperanças, se quebrou.
Se as eleições fossem hoje, o petista poderia até alcançar o
segundo turno, a julgar pelas recentes pesquisas, mas com uma rejeição acima de
50% estaria impossibilitado de regressar à Presidência. E a repulsa tende a
aumentar, com o acréscimo dos fatos novos. O ex-presidente da Câmara dos
Deputados e conhecido político mineiro José Bonifácio de Andrada, tetraneto do
Patriarca da Independência, costumava repetir pelos corredores do Congresso:
“Em política, todos os compromissos e determinações devem ser cumpridos, menos
quando surgem o fato novo e o fato consumado.” Os dois fatores, combinados ou
não, justificaram as mais importantes reviravoltas políticas ao longo da
história. Aqui, o fato novo, representado pelas delações dos executivos da
Odebrecht, encontra-se associado ao fato consumado, a morte política de Lula.
Não foi sempre assim. Nas últimas quatro décadas, a
expectativa do poder pessoal de Lula serviu como uma bússola da política
nacional. Guindou-o, aos olhos do regime militar, ainda em meio às greves do
ABC, a um adversário mais empedernido do que muitos dos inimigos tradicionais
da ditadura como Miguel Arraes e Ulysses Guimarães. Fundador de um PT que ainda
engatinhava, soube alimentar, durante a campanha das Diretas-Já e o governo
José Sarney, uma dicotomia em que era tratado, pelo resto da oposição, ora como
potencial aliado, ora como virtual adversário. Saiu da primeira eleição direta,
em 1989, como uma grande força política, sofreu duas duras derrotas eleitorais,
mas ressurgiu como uma fênix para dois mandatos consecutivos e a ascensão a
mito. Em 2010, elegeu a sucessora e o resto já é história.
A farsa do caixa 2
A reputação ilibada do petista começou a ruir no longínquo
ano de 2005. Ainda está bem viva na memória da maioria a célebre entrevista em
Paris em que Lula, cândida e calmamente, diante das câmeras, tentou justificar
o mensalão, reduzindo-o a mero caixa dois: “O que o PT fez, do ponto de vista
eleitoral, é o que é feito no Brasil sistematicamente. Se o partido cometeu
erros, tem de explicar para a sociedade onde errou, porque errou e o que vai
fazer para consertar o erro. Mas não é por causa do erro de um dirigente ou de
outro que você pode dizer que o PT está envolvido em corrupção”. Ali,
brasileiros concederam a ele e ao PT o benefício da dúvida. A presunção da
inocência. Anos depois, descobriu-se que tudo não passava de uma tentativa de
dourar mais uma narrativa. Concomitante ao mensalão, veio o aparelhamento da
máquina do Estado a serviço de um projeto de perpetuação no poder. O Petrolão
representou a sofisticação do escândalo anterior. A ele, foi embutido, além do
projeto de poder, o benefício pessoal e o enriquecimento próprio, por meio de
uma corrupção institucionalizada responsável por sangrar estatais. A farsa se
materializou. “A corrupção deveria ser considerada crime hediondo. E, quem
saqueia o Estado, merece ir direto para a cadeia”. A frase é da lavra de um
autor conhecido: o ex-presidente Lula, em entrevista concedida a um jornal
operário ainda na década de 80. Aquele Lula acabou.
Delação de Alexandrino Alencar, ex-diretor da Odebrecht
“Remuneramos Lula pelo que ele fez para o nosso grupo”
“ Nosso objetivo inicial foi conseguir um projeto que
pudesse remunerar o ex-presidente Lula, face o que ele fez durante muitos anos
para o grupo. E que fosse de uma maneira lícita, transparente.
Buscamos, então, algo que é uma prática comum com
ex-mandatários, de vários países, inclusive do Brasil.
Usaram como referência (para pagar US$ 200 mil para
palestras de Lula) os valores pagos para o presidente americano Bill Clinton.
Aliás, subiram um pouco a régua. Até porque era um novo player no mercado”
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