A onda antipolítica que deságua no mundo todo não é apenas
um risco à democracia, mas uma falácia, diz Marina Silva. "Esta politica
de negar a politica, para mim, é a pior política. E mesmo o que se diz apolítico
faz a política de se dizer apolítico", afirma à Folha por telefone.
A ex-senadora por PT e PV, que em 2015 criou seu própria
sigla, a Rede, diz ainda não saber se concorrerá à Presidência –quando o fez em
2010 e 2014, apresentando-se como a "sonhática" da terceira via, 20%
do eleitorado a apoiou.
Em pesquisa Datafolha de abril, só ela e o juiz Sergio Moro
(que nunca se colocou como candidato) venceriam Lula no segundo turno. No
quadro geral, o deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ) encostou em Marina no segundo
lugar.
Folha - Michel Temer completou na sexta (12) um ano de
governo. Em dezembro, a sra. evocou "Rei Lear" (Shakespeare) em
artigo sobre alguém sem "grandeza para abrir mão de ser rei quando já
perdeu a majestade". Deu a entender que queria a renúncia dele.
Marina Silva - Vamos do mundo das metáforas ao da realidade,
e a que está colocada hoje é a do processo no Tribunal Superior Eleitoral [que
pede a cassação da chapa Dilma-Temer]. O relatório do ministro Herman Benjamin
está muito bem fundamentado sobre ter tido, sim, fraude eleitoral, caixa dois,
propina. O melhor caminho é a Justiça Eleitoral fazer o mesmo que a Criminal
[na Lava Jato], mostrando que o crime da corrupção não compensa.
A figura do antipolítico está na moda. A sra. já representou
o "outsider" da política tradicional. Hoje se fala em neófitos
eleitorais, de João Doria a Luciano Huck. A fadiga com todos os políticos é
geral?
Nunca fiz nenhum discurso de negação da política. Se entrou
com 17 anos [no meio], conheceu Chico Mendes, foi vereadora, deputada estadual,
senadora, ministra do Meio Ambiente, é pessoa com ação política. Aliás, esta
politica de negar a politica, para mim, é a pior política. Mesmo o que se diz
apolítico faz a política de se dizer apolítico. Numa crise, a pergunta que se
deve fazer é: qual a política que se faz para recuperar?
Nome da extrema-direita, Jair Bolsonaro (PSC-RJ) subiu na
pesquisa Datafolha e disputa com a sra. o segundo lugar.
Acho que no Brasil, infelizmente, as pessoas não conseguiram
criar um lugar de fala para quem não está no campo gravitacional da
polarização. Isso acaba ajudando a fortalecer essas formas extremas de
polarizar. PT e PSDB foram [os grandes polos].
Em pesquisa de 2016, a sra. chegou a desbancar Lula para a
corrida presidencial. O ex-presidente recuperou a dianteira em meio a múltiplas
acusações na Lava Jato. Ao que atribui sua resiliência?
Querer cristalizar alguma rigidez [nas pesquisas] pode ser
prematuro. Nesse momento, o trabalho que vem sendo feito pela Lava Jato traz
uma série de problemas ligados à jovem e reconquistada democracia. Outros
querem, dentro da reforma política, dar aos grandes partidos possibilidade de
serem únicos, impedindo um sopro de vida [na vida política]. Nem todos os
partidos se constituem como sigla de aluguel. A tentativa de impor uma cláusula
de barreira para impedir os pequenos partidos, como se apenas eles devessem ser
punidos... Se existe o que foi alugado, alguém alugou. Há o corrupto e o
corruptor. [O ideal é que] a sociedade possa fazer ela própria discernimento e
dar o veredito final, que é a decisão soberana das urnas, mas de fato sem caixa
dois, marketing selvagem, tendenciosidades.
O "Painel" publicou que a sra. conversou com
Joaquim Barbosa e o coordenador da Lava Jato, Deltan Dallagnol, sobre possível
filiação deles à Rede.
Quem passou essa informação, que houve conversa com
Dallagnol, mentiu. Com [Carlos] Ayres Britto e Joaquim [ex-ministros do Supremo
Tribunal] teve conversa, mas não sobre filiação. Essas pessoas têm relevância e
audiência própria para se manifestarem a partir delas mesmas. Não gosto de dar
munição para que fiquem dizendo que o trabalho que fazem foi por interesse
político. E me preocupo menos por eles do que pelos que estão na política e
deveriam estar na barra da Justiça.
Num momento de turbulência nacional, a sra. é cobrada por
adotar postura mais discreta.
Tenho me pronunciado todos os dias nas redes sociais. Quando
[a imprensa] pede para falar comigo, falo com vocês [a Folha esperou dois meses
por esta entrevista]. Fui a única que dedicou o programa de TV do partido para
defender a Lava Jato. Com a greve-geral, a mesma coisa: me manifestei sobre a
legítima ação democrática.
A sra. diz que a reforma da Previdência é necessária, mas
que ela está sendo implementada de forma arbitrária.
Nem Dilma nem Temer colocaram o debate sobre essas reformas
no plano de governo. Aliás, o Brasil estava tão perfeito no marketing deles que
não precisava fazer mais nada, era como se fosse o fim da história. Agora
Temer, sem popularidade ou credibilidade, faz reformas delicadas sem diálogo.
Em 2014, quando declarei ser preciso atualizar a legislação trabalhista, veio
aquela frase [da Dilma]: as coisas não aconteceriam nem que a vaca tossisse.
A sra. se encontrou com Marcelo Odebrecht hotel perto do
aeroporto de Guarulhos e, em seguida, a empreiteira doou à sua campanha R$ 1,25
milhões (sem contrapartida e caixa dois, segundo delator). É possível fazer
política sem dialogar com essas forças empresariais onipresentes?
A minha campanha dialogou com todos os grandes empresários,
trabalhadores, centrais sindicais... A diferença é que [a reunião com Marcelo],
como relatado pelos próprios depoentes, foi republicana. Fui senadora por 16
anos, ministra por 5,5 anos. Por minha mão passaram vários projetos
importantes, e graças a Deus ninguém apontou [ilicitudes]. O errado não é
conversar, é usar conversas para fazer coisas espúrias.
Liderados pelo antropólogo Luiz Eduardo Soares, oito
intelectuais debandaram da Rede em 2016, alegando "vazio de posicionamento
político". A sigla teve desempenho tímido em 2016: elegeu seis prefeitos
de 154 candidatos lançados. A Rede errou?
Foi o desempenho de um partido que tinha menos de um ano, em
sua primeira eleição. Nossas escolhas foram coerentes com nosso programa –sem
candidaturas artificiais, com pessoas muito jovens, participando de política
pela primeira vez. Se comparar com o PSOL, que tem mais de dez anos, tivemos
desempenho muito bom.
A sra., ministra de Lula e contemporânea de Dilma na
Esplanada, ficou surpresa com o depoimento de João Santana e Monica Moura sobre
eles?
As denúncias são muito graves. Além do dinheiro da
corrupção, dizem que houve obstrução de justiça. Já tinha vindo com a nomeação
de Lula para a Casa Civil [Dilma supostamente tentou torná-lo ministro em 2016
para lhe garantir foro privilegiado]. Antes a gente achava inclusive que a
"Carta ao Povo Brasileiro" [documento de Lula para acalmar o mercado
na eleição de 2002] tinha sido invenção dos economistas do PT. Agora Emílio
Odebrecht diz que foi sugestão dele. Acredito no trabalho da Justiça. Ninguém a
priori é condenado nem inocente.
Quando decidirá se sai ou não candidata em 2018?
Estamos em processo de discussão, de diálogo com outros
partidos. Neste momento a questão é quais são as ideias, não quais são os
nomes.
Em 2014, a sra. saiu como vice de Eduardo Campos. Cogita
para 2018 uma nova aliança?
Diferentemente de 2014, em que foi negado nosso registro da
Rede [no TSE], hoje temos um partido. Claro que temos, sim, mantido diálogo com
outras lideranças.
Parte da esquerda a execrou pelo apoio dado ao tucano Aécio
Neves no segundo turno de 2014. Ele agora está implicado na Lava Jato.
Arrepende-se?
As acusações pairam sobre os grandes partidos da
polarização, PT, PMDB e PSDB, com o mesmo nível de comprometimento. Na época,
aquela realidade não estava posta. Naquelas circunstâncias, achei que era o
melhor a fazer.
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