Desde o início da Lava Jato, há três anos, os petistas
tentam emplacar uma narrativa não correspondente aos fatos: a de que a operação
foi forjada para exterminar o PT e colocar atrás das grades o ex-presidente
Luiz Inácio Lula da Silva, impedindo-o de concorrer novamente à Presidência.
Igualmente envolvidos em escândalos de corrupção, cabeças coroadas de PMDB e
PSDB, segundo a mesma tese da vitimização, receberiam a condescendência de uma
Justiça que se apresentaria de olhos vendados para suas práticas nada
republicanas. Na última semana, prevaleceu na Lava Jato a chamada “erga omnes”,
um latinismo utilizado no meio jurídico para designar que a lei e a Justiça
valem para todos, sem distinção: o presidente da República, Michel Temer, do
PMDB, e os tucanos Aécio Neves e José Serra – bem como os petistas Lula e
Dilma, figuras carimbadas de outros escândalos – foram severamente atingidos
pela delação dos empresários Joesley e Wesley Bastista, donos da empresa global
JBS.
O roteiro obedeceu ao script de casos anteriores que
implicaram apenas os integrantes do PT: vazamento pela imprensa dita (por eles)
“golpista”, alguma imprecisão nas informações divulgadas e gravações às
escondidas em que o delator induz diálogos a fim de flagrar a autoridade em
situações embaraçosas. Só que pelo menos num primeiro momento, calculadamente,
não se ouviu da militância organizada um reparo sequer à atuação do Ministério
Público que solicitou – e conseguiu – autorização do Supremo Tribunal Federal
para investigar o presidente da República, justamente no momento em que o País
demonstrava fôlego econômico. Residem aí duas faces antagônicas de uma
importante constatação: a deletéria ao País é que, sim, ainda há uma parcela da
sociedade suscetível a discursos rasos, demagógicos e sem conexão com a
realidade, cujo único propósito é o de guindar de volta ao Palácio do Planalto
aqueles que por 13 anos institucionalizaram a corrupção no País, não só para se
perpetuarem no poder como para enriquecimento próprio. A principal delas, e
fundamental para a consolidação das instituições, é que a tarefa de limpeza
moral e ética da qual se imbuiu os membros da força-tarefa da Lava Jato não
deve mesmo ser interrompida, mesmo diante de pressões de toda ordem.
Conspiração?
A maior prova disso foi dada nos últimos dias. Na
quarta-feira 17, o jornal OGLOBO antecipou trechos da colaboração premiada dos
donos da JBS que implicam Temer. O inteiro teor de áudios, em que o presidente
aparece em conversas constrangedoras com Joesley, foi conhecido no dia
seguinte. Nele, Joesley narra a Temer, em conversa mantida no Palácio do Jaburu
no dia 7 de março, o cometimento de vários crimes: entre eles, o pagamento de
mesadas ao ex-presidente da Câmara, Eduardo Cunha, como forma de comprar seu
silêncio e a cooptação de juízes e procuradores da República, com objetivo de
limpar a barra da empresa no âmbito da Lava Jato. No diálogo, Temer denota
atitude incompatível com o cargo de presidente da República. Num dado momento,
Joesley diz que está tentando trocar um procurador da República, que o estava
investigando. O presidente ouviu e nada fez. Diante da divulgação dos áudios, o
País foi incendiado. O Palácio do Planalto, o Legislativo e o mercado
financeiro ficaram absolutamente aturdidos. Correu no País o rumor de que ele
pediria renúncia do cargo. Ao fim do dia, Temer reuniu a imprensa e disse de
maneira taxativa: “Não renunciarei. Repito, não renunciarei”. E acrescentou:
“sei o que fiz e sei a correção dos meus atos”.
Internamente, no Planalto foi disseminada a tese de um
complô para apear Temer do poder e frear reformas importantes para o País, como
a da Previdência. “Fui vítima de uma conspiração”, disse o presidente a
interlocutores na quinta-feira 18. Independentemente de o Planalto estar correto
ou não quanto à existência de uma armação contra o governo, há elementos
capazes de conferir verossimilhança às alegações. Claro, a crise é grave e o
presidente da República será instado a responder pelos seus atos. Nas
gravações, há evidências de prevaricação, no mínimo, e se incorreu em crime,
Temer como qualquer outro cidadão deste País deve estar sujeito aos rigores da
lei. Mas é importante ter em mente também que o vazamento da delação do
empresário Joesley Batista não foi acidental. Tratou-se de algo muito bem
calculado por todos atores envolvidos, muitos dos quais, seguramente
interessados em provocar instabilidade ao governo, no momento em que a economia
dava sinais de recuperação. Por exemplo, o modus operandi do vazamento foi todo
montado para que o fato político se impusesse, antes mesmo do conhecimento dos
áudios. Inicialmente, consolidou-se na praça a versão de que Temer havia
concedido o aval a Joesley para a compra do silêncio do ex-presidente da
Câmara, com a fatídica frase “tem que manter isso, viu?”. Ou seja, o impacto
político já era irreversível. A lentidão em dar publicidade à gravação acabou
deixando o presidente emparedado.
Quando foram divulgados os trechos, em áudio, ficou clara a
imprecisão na edição das conversas. Embora estivesse no contexto da compra de
Cunha, a frase “tem que manter isso, viu?” não sucedia outra que versasse
literalmente sobre o pagamento do silêncio do peemedebista preso. Ou seja, não
há a anuência à propina, como se quis vender no início. Ademais, havia trechos
inaudíveis, a gravação continha picotes, que lembram uma edição mal feita. Essa
hipótese ainda poderá vir a ser comprovada por meio de perícia na gravação,
solicitada pelo presidente. Em declaração à imprensa, Temer disse: “A montanha
pariu um rato”, redimensionando o que se achava que teria nas gravações e o que
de fato havia nelas. Outros trechos, sim, sugerem prevaricação, discussão sobre
obstrução de justiça e ciência sobre negociação de vantagem indevida. E o
presidente se fragiliza politicamente por isso. Mas o caldo já estava entornado
de antemão.
O fato é que o áudio é inconclusivo sobre a culpabilidade de
Temer. Analisando mais profundamente o material, é possível notar outro
aspecto. Por exemplo, o enredo é de um empresário que narra crimes em série e
tenta induzir o presidente da República a falar o que ele queria ouvir.
Quem se apresenta indiscutivelmente como o partícipe do
esquema é o deputado Rodrigo Rocha Lourdes (PMDB). O parlamentar foi filmado
pela Polícia Federal recebendo uma mala com R$ 500 mil entregue por Joesley
Batista. As cédulas tinham seus números de série informados aos procuradores e
as malas e mochilas continham rastreadores. A reação do Supremo Tribunal
Federal foi imediata. Logo após a divulgação da conversa, o ministro Edson
Fachin, que conduz os processos da Operação Lava Jato no STF, determinou que
fosse aberto inquérito para investigar as denúncias contra o Temer. Fachin
atendeu a um pedido do procurador-geral da República Rodrigo Janot. É a segunda
vez que um presidente do País é investigado durante exercício do mandato. O
primeiro foi o ex-presidente Fernando Collor, hoje senador, em 1991.
Comprovadas as suspeitas, o procurador oferece denúncia ao
STF, que analisa se torna o presidente réu ou não. A reversão de expectativas
em relação aos áudios, no entanto, arrefeceu a pressão no Congresso. O PSDB e o
PPS que ameaçaram desertar, recuaram aos 45 minutos do segundo tempo, mostrando
serenidade na hora de examinar os fatos, que é o que o Brasil precisa no
momento. Outras agremiações não tomaram o mesmo caminho.
O PSB saiu em retirada. A legenda já vinha demonstrando um
desconforto com as reformas encaminhadas ao Congresso. Embora houvesse
orientação para que sua bancada votasse contra os projetos, a sigla estava
dividida. Dos 30 deputados, apenas 14 se mantinham fiéis ao Palácio do
Planalto. Mas, na quinta-feira 18, um dia após a divulgação do conteúdo da
gravação, a relação azedou. O presidente Carlos Siqueira determinou que o
ministro de Minas e Energia, Fernando Coelho Filho, entregasse o cargo e
reforçasse a bancada do partido na Câmara.
Mesmo com popularidade baixa, o presidente Michel Temer
sempre gozou de prestígio no parlamento. Diferentemente de sua antecessora
Dilma Rousseff, Temer contabilizava uma base ampla na Câmara e no Senado. O
apoio tem sido fundamental para a aprovação de medidas importantes, como a
contenção dos gastos públicos. E seria importante para as futuras batalhas
travadas em torno de reformas da Previdência e Trabalhista. Agora, Temer
procura reconstruir esse apoio. Prevista para ser analisada na quinta-feira 18,
a Reforma Trabalhista foi tirada da pauta do Senado pelo senador Ricardo
Ferraço (PSDB-ES). Na rede social, o senador capixaba justificou o gesto:
“diante da gravidade que vive o País, o bom senso diz que é necessário
priorizar a solução da crise institucional para depois darmos desdobramento ao
debate relacionado à reforma tributária”.
Votação no TSE
Com o novo cenário, Temer corre o risco não apenas de ser
derrotado em votações importantes no Congresso, como também ter seu mandato
ameaçado na Casa. Ao todo, foram encaminhados oito requerimentos de impeachment
na Câmara. Cabe ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), aceitá-los ou
não. Por ora, no entanto, a tendência é pelo não encaminhamento dos pedidos. Ou
seja, esse não é o caminho mais provável. Mas a panela pode ferver para Temer
no TSE. O julgamento está previsto para ser retomado em 6 de junho. Serão
julgadas quatro ações do PSDB por abuso de poder econômico e político da chapa Dilma-Temer.
Com a cassação da chapa, abre-se chance para que ocorram eleições indiretas.
Nesse caso, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, ficaria
encarregado de convocar o Congresso para eleger o sucessor de Temer em 30 dias.
Outra hipótese, é Temer optar por renunciar ao mandato, possibilidade que está
afastada nesse momento.
Pesa contra essa modalidade o fato de ele não ter mais
direito ao foro especial. O caso seguiria para a Justiça de primeira instância.
Ficaria mais fácil de ele ser processado e ter até um mandado de prisão
decretado, pois não dependeria da composição do plenário do STF.
Tanto nesse caso quanto na possibilidade de impeachment, o
Congresso escolhe novo presidente para governar até 2018 em eleição indireta.
Ocorre que, no meio desse caldeirão, grupos interessados no retorno de Lula ao
poder já articulam a volta das “Diretas Já”. Só há possibilidade de eleição
direta se o Congresso aprovar uma PEC. O portador dessa proposta indecente, na
semana passda, foi o deputado Miro Teixeira (Rede-RJ), que ressuscitou uma
proposta antiga de sua autoria. O texto prevê a realização do pleito até seis
meses antes do final do mandato, caso a Presidência fique vaga.
Desde 1954, quando Getúlio disparou um tiro no peito e
deixou a vida para entrar na história, o Brasil não enfrentava uma crise tão
grave. O destino do País é incerto. As portas de saídas permanecem obscuras. O
certo é que as investigações devem continuar.
A recuperação da economia precisa continuar
Nos últimos meses, o noticiário econômico deu ao mercado
financeiro muito pouco do que se queixar. A inflação e a taxa básica de juros,
a Selic, tiveram consecutivas quedas. O PIB do primeiro trimestre foi positivo.
O país voltou a gerar empregos e abriu quase 60 mil vagas em abril. A
recuperação da economia, comandada pela política do ministro da Fazenda
Henrique Meirelles, caminhava satisfatoriamente, mas ainda dependia da
consolidação das reformas trabalhista e previdenciária para continuar
avançando. E isso precisa ser mantido, para a criação do ambiente de segurança
jurídica e econômica que Temer prometeu aos empresários no ano passado.
Por isso, o mercado financeiro entrou em pânico na manhã de
quinta-feira 18, com o surgimento de detalhes da delação da JBS. A perspectiva
de ver essa recuperação ameaçada, levou a Bolsa de Valores de São Paulo
(Bovespa) a interromper os negócios durante trinta minutos para controlar a
queda de 10,47%. As ações da Petrobras e papéis do setor financeiro recuaram
quase 20% e o dólar chegou a ser cotado a R$ 3,40, obrigando o Banco Central a
vender US$ 2 bilhões para conter a queda. Na sexta-feira 19, contudo, após
Michel Temer dizer que não renunciaria, o mercado começou a reagir, com o dólar
caindo e a Bovespa se valorizando. (Barbara Libório)
Os cenários para superar a crise
REFORMAS
Manutenção da atual política do governo Temer de realizar as
reformas da Previdência, Trabalhista, Tributária e Política, o que seria a
saída menos turbulenta
RENÚNCIA
A renúncia é uma das possibilidades, mas depende de um gesto
individual de Temer, que tem dito que não pretende renunciar
TSE
A chapa Dilma/Temer pode ser cassada no próximo dia 6 de
junho
ELEIÇÃO INDIRETA
Se Temer renunciar ou for cassado pelo TSE, o presidente da
Câmara, Rodrigo Maia, assume por 30 dias e convoca eleição indireta no
Congresso. O problema é que quase todos os congressistas estão envolvidos em
denúncias de corrupção. A solução seria alguém de fora, de reputação ilibada,
como a ministra do STF Cárrnen Lúcia
IMPEACHMENT
Caso Temer não renuncie ou não seja cassado pelo TSE, pode
sofrer processo de impeachment, mas esse processo é mais demorado e o País não
agüenta mais um longo período de indefinição política
ELEIÇÃO DIRETA
Para que aconteça eleição direta para presidente, o
Congresso precisa aprovar uma PEC (Proposta de Emenda Constitucional)
estabelecendo eleições gerais já, conforme propõe o deputado Miro Teixeira.
Esse processo também é demorado e deixaria um vazio no poder enquanto não se
escolheria o novo presidente
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