Da ISTOÉ
Até a quarta-feira 17, o Brasil ensaiava seus primeiros
passos rumo à saída do atoleiro. A inflação estava controlada, a economia
recuperava o fôlego e os índices de desemprego pareciam desidratar. Ao menos do
ponto de vista administrativo, o presidente da República, Michel Temer,
conduzia o País, até então à deriva, sem maiores sobressaltos.
Os fiadores de seu mandato, nas esferas política e
econômica, exalavam confiança, sobretudo porque as reformas previdenciária e
trabalhista estavam em marcha e perto de serem apreciadas pelo Congresso
Nacional – mesmo que com alguns remendos.
A divulgação de trechos da delação dos donos da JBS empurrou
não apenas o presidente da República, Michel Temer, como o País para o
epicentro de uma nova crise. Desta vez, mais grave que aquela experimentada
pelo Brasil em 2016, quando Dilma Rousseff se inviabilizou política e
administrativamente. Agora, embora a situação do presidente da República se
deteriore a cada átimo de tempo, ainda não há uma convergência sobre quem irá
comandar o Brasil até as eleições de 2018.
Investigado no STF por corrupção, organização criminosa e
obstrução de Justiça, Temer pode até não ter mais condições políticas de
permanecer na cadeira de presidente, e é provável que não as tenha, mas é certo
que todos os caminhos que apontam para o desenlace da crise atual ainda passam
por ele.
E dele dependem diretamente. Os atores políticos têm ciência
disso. Hoje, não há acordo possível sem a anuência do presidente da República.
Afinal, mesmo que amargue uma derrota no plenário do TSE, no próximo dia 6, –
hoje a saída considerada mais rápida e indolor, – uma infindável possibilidade
de recursos arrastaria o País para um buraco sem fundo. E isso ninguém quer.
Por isso, Temer não pode ser descartado do tabuleiro do xadrez político, mesmo
que apenas como articulador da própria sucessão.
Segundo apurou ISTOÉ, no PSDB é ponto pacífico que Temer
perdeu a governabilidade, não conseguirá mais fazer as reformas necessárias,
não é mais útil ao empresariado e que sua permanência só vai gerar
instabilidade política e econômica.
Porém, a postura tucana de se manter em cima do muro neste
momento – tratada em longa reunião da bancada parlamentar na tarde de
quarta-feira 24 a portas fechadas, no Congresso Nacional – guarda relação com a
falta de um acordo sobre quem irá substituir o peemedebista.
Os chamados “cabeças brancas” do PSDB, a ala mais antiga e
de maior ascendência sobre o partido, não aceitam a hipótese de o presidente da
Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), ser o sucessor de Temer. Acham-no um desastre
para o País.
Na avaliação dos tucanos, um eventual triunfo de Maia teria
potencial para incendiar as ruas e desgastar o partido perante a opinião
pública. Para eles, poderia ser mortal à legenda bancar a eleição de mais um
candidato controverso, com implicações na Lava Jato.
Eles contabilizam que, hoje, Maia teria votos suficientes na
Câmara para ser eleito indiretamente. Por isso, tentam ganhar tempo para
articular outro nome. Mas nem no tucanato a fumaça branca do consenso é
possível ser emitida. Enquanto a velha guarda não quer nem ouvir o nome de
Maia, os deputados da legenda já topam uma articulação que envolva a ascensão
de Rodrigo Maia ao Planalto.
Outra ala trabalha diuturnamente para eleger o senador Tasso
Jereissati (CE) por votação indireta. O nome ganhou força nas últimas horas.
Tasso se credencia por cultivar o perfil de conciliador e transitar com
desenvoltura entre todas as agremiações. Ele, inclusive, toparia não concorrer
a uma reeleição, caso fosse alçado ao cargo por meio de um grande acordo
nacional. Pesa contra ele, no entanto, o fato de ser presidente nacional do
PSDB, o que poderia acirrar a divisão do País entre o “nós e eles”, promovida
pelo PT.
Se as divergências ainda prevalecem, existe algo sobre o
qual os tucanos em peso concordam: a escolha do sucessor presidencial precisa
ser referendada pelo próprio presidente Michel Temer. Para convencê-lo a
aceitar um “acordão”, a proposta seria a seguinte: o PSDB se comprometeria a
apoiar a saída mais honrosa para a biografia do peemedebista, qual seja, a
cassação pelo TSE. A solução permitiria a Temer responsabilizar a antecessora
pelas irregularidades na arrecadação de fundos à campanha e o pouparia de
partir para uma renúncia – o que soaria como uma confissão de culpa.
Essa saída, no entanto, até semana passada, ainda esbarrava
num obstáculo que os tucanos ainda tentavam remover internamente: “Quem vai
colocar o guizo no pescoço do gato? Eu que não”, disse à ISTOÉ um tucano de
alta plumagem. Não havia quem ousasse propor a Temer essa solução.
Por isso, o discurso ao público, por ora, é o de só tomar
uma decisão definitiva depois do julgamento da chapa Dilma-Temer no Tribunal
Superior Eleitoral. Reside aí outro entrave. No final da última semana, o
presidente mantinha a disposição de tentar postergar ao máximo o processo na
corte eleitoral.
O adiamento seria feito através de questões de ordem,
pedidos de discussões preliminares e recursos de advogados. O governo ainda se
articula para que algum ministro aliado peça vistas do processo, expediente que
permitiria que o julgamento fosse interrompido por prazo indefinido. Ou seja,
mesmo fragilizado, Temer ainda detém o controle sobre o leme que dá direção às
ações políticas. Resta saber se isso lhe garantirá sobrevida e por quanto
tempo.
Em meio às conversas de coxia nos últimos dias, o principal
articulador tucano ao lado de Tasso Jereissati, o ex-presidente Fernando
Henrique Cardoso, nutriu preocupação com o timing da crise. FHC teme que se o
presidente ficar “sangrando” na cadeira presidencial, a pressão por eleição
direta possa recrudescer.
Este caminho atende às conveniências do PT. “O País só deve
dar um passo pensando nos seguintes. Como preservar a Constituição, como tocar
as reformas, compondo também com interesses populares. Não basta dar rumo ao
mercado, as pessoas e o país contam. É preciso ter um discurso crível e
insistir muito nele”, afirmou o ex-presidente.
Somente uma jogada – inconcebível, por sinal – poderia fazer
a cúpula do PT desistir das Diretas: que uma concertação nacional garantisse
que Lula não fosse condenado pela Justiça em instâncias superiores, já que uma
derrota na primeira instância é considerada favas contadas até no seio do PT.
Por mais absurdo que possa parecer, já há costuras nesse
sentido. Ao menos um ministro do Supremo foi consultado para endossar um acordo
que contemple o indulto a Lula. Conforme apurou ISTOÉ, um dos emissários do
acerto seria Nelson Jobim, hoje considerado no meio político como um preposto
do ex-presidente, embora também cultive uma relação azeitada com o alto
tucanato.
Na última semana, o ex-ministro de FHC, Lula e Dilma esteve
cotado nas bolsas de apostas para suceder Temer. O próprio, no entanto, negou o
vôo solo em jantar para cinqüenta integrantes do mercado financeiro, na
quinta-feira 25. “Não contem comigo”, asseverou. O BTG Pactual, banco do qual é
sócio e onde investiu grana pesada, é o maior impeditivo. Além de não rasgar
dinheiro, Jobim enfrenta resistências internas. Leia-se André Esteves, fundador
e controlador do banco.
Outro nome que surgiu nas rodas de conversa foi o do
ministro da Fazenda, Henrique Meirelles. Embora seja bem visto pelo mercado
financeiro e empresários, por ter contribuído para interromper a recessão,
reduzir a inflação, a taxa de juros e os índices de desemprego, Meirelles tem
contra ele a ligação estreita com a JBS, protagonista da crise que fragilizou o
atual governo: o ex-ministro foi presidente do Conselho Consultivo da empresa
de 2012 a 2016.
O que quase todos concordam em Brasília é que Meirelles
deveria permanecer na Fazenda. Se a articulação para guindar Tasso ao Planalto
for bem sucedida, a manutenção de Meirelles ganha força. Na última semana,
chegou- se a aventar a hipótese de alçar o ex-presidente do Banco Central,
Armínio Fraga, ao posto, mas a troca no comando da economia embute riscos e
tudo o que o Brasil não precisa neste momento são de solavancos desnecessários
nessa área.
IMPEACHMENT Caso o TSE não casse Temer, ele só deixa o cargo
se renunciar ou se sofrer processo de impeachment. Eram 13 requerimentos nesse
sentido até quinta-feira 25, quando o presidente da OAB, Cláudio Lamachia,
apresentou novo pedido. O impedimento é um processo longo e doloroso
Até a sexta-feira 26, o PT ainda fazia de tudo para encaixar
Nelson Jobim no novo quebra-cabeças da Esplanada. No dia seguinte à negativa de
Jobim, quanto à possibilidade de assumir o País em eleição indireta, os
petistas fizeram circular a versão de que o homem do BTG poderia ser guindado à
Justiça num governo Tasso.
O recado estava dado: o PT até poderia digerir um tucano na
Presidência desde que conseguisse controlar a Justiça. Tudo muito bom, tudo
muito bem, desde que o motivo não fosse nada republicano. A trama é outra, mas
a intenção é a mesma – ou seja, bem rasteira: a de emplacar um aliado na Justiça
para salvar a pele de Lula.
Estabelecido o impasse, FHC poderia surgir com um tertius na
disputa. O próprio, no entanto, parece não exibir mais musculatura política
para entrar numa bola dividida. “Candidato, eu? Olha para a minha cara, minha
idade”, afirmou semana passada. A interlocutores, porém, FHC confidenciou que
poderia aceitar a missão, desde que houvesse um chamamento nacional permitindo
que ele fosse ungido ao cargo, sem restrições de quem quer que seja.
Nessa altura do campeonato, seria de fato o melhor dos
mundos para o País. Mas setores da esquerda ainda fazem reservas à solução FHC.
“O ex-presidente só pacificaria o País se fizesse muitas concessões a Lula, o
que a opinião pública não engoliria nesse momento”, disse um parlamentar bem enfronhado
entre alas importantes do Congresso Nacional.
Embora o cenário indicasse favas contadas no início da
semana, é indiscutível que nas últimas horas o Planalto ganhou um respiro. O
principal motivo não é outro senão a falta de consenso em torno dos nomes para
suceder Temer. Em seu terceiro pronunciamento público, desde a eclosão da
crise, o presidente se esmerou em demonstrar que, apesar das turbulências
políticas, o governo ainda mantém a ascendência sobre a pauta do Congresso.
“Continuamos avançando e votando matérias importantíssimas.
Deputados e senadores continuam a trabalhar em favor do Brasil e aprovaram
número expressivo de medidas provisórias. Sete em uma semana”, afirmou. Ao fim,
agradeceu a base aliada: “Ainda há muito o que fazer”, sapecou.
Segundo fontes do PMDB, os caciques, principalmente os da
Câmara, decidiram lutar até o fim. Desmoralizar Temer agora significaria
promover um corte na própria carne, entende a turma. De acordo com esse mesmo
raciocínio, num futuro governo, o partido responsável por pautar a agenda
econômica liberal perderia relevância. “Entregar Temer aos leões agora, para o
PMDB, é partir para um abraço de afogados no futuro”, disse um integrante da
cúpula da legenda.
O PIVÔ DA CRISE O deputado afastado Rodrigo Rocha Loures
(PMDB-PR) foi gravado pela PF pegando uma mala com R$ 500 mil da JBS. O
dinheiro seria para o presidente Temer, segundo o MPF. Ele nega. Esta semana,
Loures devolveu o dinheiro. Agora, ele prepara uma delação premiada, o que pode
comprometer ainda mais o presidente da República. (Crédito:Mateus Bonomi)
O fato insofismável é que, com Temer fora ou não, haja
convergência ou não em torno do nome para sucedê-lo, é condição sine qua non
para o Brasil seguir no caminho das reformas. Como bem sublinhou a The Economist,
na última semana, “com Temer ou sem ele, a melhor esperança para o Brasil agora
é ter no Planalto um líder que consiga concluir o que o atual presidente
começou. O ocupante do Palácio do Planalto importa menos que a continuidade das
reformas econômicas”. Perfeito. Sem elas, todos chegaremos em 2018 sem o
direito de sonhar.
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