Morreu nesta quinta-feira (20), em São Paulo, o professor
Marco Aurélio Garcia, 76, assessor da Presidência da República nos governos do
PT e fundador do partido.
Professor aposentado do Departamento de História da Unicamp,
ele sofreu um infarto fulminante e foi encontrado morto em seu apartamento, no
centro de São Paulo, por volta do meio-dia.
Seu corpo será velado às 10h desta sexta (21) na Assembleia
Legislativa de São Paulo.
Garcia ocupava nos últimos tempos uma cadeira no conselho
curador da Fundação Perseu Abramo, função que assumiu após o impeachment da
ex-presidente Dilma.
Ele foi entusiasta do Brics, grupo de países de economia
emergente formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. A Garcia
era creditada parte da projeção internacional do Brasil durante o governo Lula.
Embora sofresse de graves problemas circulatórios, o
ex-assessor participava ativamente da agenda partidária, como o ato em solidariedade
a Lula, na semana passada, após a condenação do ex-presidente pelo juiz Sergio
Moro.
Na sexta-feira (14), apresentou à fundação um texto sofre o
futuro da esquerda.
No fim de semana, fez compras no centro de São Paulo, onde
vivia sozinho em um apartamento com vista para a praça da República. Ele deixa
um filho, Leon.
Foi um dos criadores do arquivo de história social da
Unicamp, apontado como dos mais importantes da América Latina.
Além da Unicamp, ele também foi professor na Universidade do
Chile, na Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais e nas universidades
Paris VIII e Paris X, na França.
Gaúcho, formou-se em filosofia e direito pela Universidade
Federal do Rio Grande do Sul e fez pós-graduação na Escola de Altos Estudos e
Ciências Sociais de Paris.
Garcia foi secretário municipal de Cultura de Campinas
(1989-1990) e São Paulo (de 2001 a 2002), na administração da ex-prefeita Marta
Suplicy (hoje no PMDB).
Iniciou sua trajetória política no movimento estudantil, foi
vice-presidente da UNE (União Nacional dos Estudantes) e vereador na cidade de
Porto Alegre. Exilou-se na França e no Chile durante a ditadura militar. De
volta ao Brasil, em 1979, ajudou a fundar o PT, partido que também presidiu.
POLÊMICAS
Garcia colecionou polêmicas ao longo de sua carreira. Como
conselheiro de Dilma, foi responsabilizado pelo silêncio da ex-presidente sobre
a violenta relação do governo de Nicolás Maduro com opositores na Venezuela.
Foi ainda influente na exclusão do Paraguai do Mercosul, em
2012, após o impeachment-relâmpago do presidente Fernando Lugo.
Um dos fundadores do PT, era chamado de
"professor" entre os amigos.
Dos inimigos, recebeu o apelido de "Top Top", em
alusão a um gesto obsceno que fez, em 2007, ao assistir ao noticiário sobre o
acidente do Airbus A320 da TAM.
Desde então, Garcia lamentava o fato de ter sido filmado, de
fora de seu gabinete no Palácio do Planalto, fazendo um movimento com as duas
mãos enquanto via reportagem sobre o acidente pela TV.
No flagrante, ele comemorava a conclusão de que um defeito
na aeronave provocara o acidente, já que o governo vinha sendo culpado pela
tragédia em São Paulo, que causou 199 mortes.
O assessor era famoso por não ter muitos freios e foi até
repreendido por Dilma após anunciar em entrevista a possibilidade de redução
das taxas de juros no Brasil.
Também causou desconforto de seus pares ao pregar
afastamento de petistas investigados por suspeita de corrupção, como o
ex-tesoureiro João Vaccari Neto.
Era ainda um dos defensores da formação de uma frente de
partidos de esquerda, nos moldes da coalizão governista uruguaia, como saída
para a esquerda brasileira e mesmo para o PT.
CRISE
Em uma entrevista à Folha, o ex-assessor contou ter sido
alvo de hostilidade nas ruas em meio à crise enfrentada por seu partido.
"No domingo, uma pessoa passou de carro e me insultou.
Num restaurante um senhor idoso veio fazer críticas. Mas este foi muito educado,
tive a oportunidade de conversar com ele por dez minutos. Fico chateado. É uma
consequência de um conservadorismo muito agressivo de um setor.
Nunca insultei ninguém. Nunca me vali de uma situação que
pudesse ser favorável para fazer igual ao que está acontecendo", relatou.
Rechaçava o rótulo de organização criminosa associado ao PT.
"Uma coisa é dizer que pessoas no PT se envolveram em
malfeitos. Outra é tentar qualificar o PT como uma organização criminosa. Não
estou de acordo. Não me considero criminoso. Não tenho nada a ver com
isso."
Recentemente expôs críticas à política internacional do
governo Temer. Em uma gravação ao site Nocaute, do escritor Fernando Morais,
disse haver uma partidarização do Itamaraty.
Reclamou do ingresso do Brasil no Clube de Paris, segundo
ele "uma imposição desses quadros jovens neoliberais que infestam a equipe
econômica. Alguns estão plantados também na Casa Civil".
REPERCUSSÃO
"A morte do professor Marco Aurélio Garcia, meu amigo
querido, é extremamente dolorosa (...) Hoje é um dia de dor para todos nós, que
compartilhamos com ele seus muitos sonhos, histórias e lutas. Era um amigo
querido, de humor fino e contagiante, sempre generoso e cheio de ideias, dono
de uma mente arguta e brilhante."
Dilma Rousseff, ex-presidente da República
"Profundamente entristecido com a morte do Marco
Aurélio Garcia. Um colega exemplar e um grande amigo. Um humanista com visão
política ampla e do lugar do ser humano nos processos históricos. Um verdadeiro
intelectual de esquerda como já não se fazem hoje em dia. Deixa uma grande
lacuna no pensamento democrático e progressista."
Celso Amorim, ex-ministro das Relações Exteriores e da
Defesa
"Destacou-se como um dos mais importantes arquitetos da
integração latino-americana e da ampliação das relações com países da África e
dos Brics. Contribuiu decisivamente para que o Brasil tivesse uma política
externa ativa e altiva."
Gleisi Hoffmann, senadora (PR) e presidente nacional do PT
"Dificilmente alguém pode escrever a história da
América Latina nesses últimos 15 anos sem falar no Marco Aurélio Garcia. Ele
ajudou a escrever a política exterior do Brasil."
Paulo Teixeira (PT-SP), deputado federal
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