Artigo de Gaudêncio Torquato
Alguma coisa está mal explicada: o presidente da República é
impopular, mas seu governo está tirando o Brasil do fundo do poço, bastando ler
os sinais de recuperação da economia. Os componentes dessa equação podem ser
assim alinhavados:
Parcela da mídia, com seu extraordinário poder destrutivo,
não consegue afastar Michel Temer do Palácio do Planalto, conforme defende em
editoriais e no tiroteio expressivo sobre a figura do presidente.
Grandes manifestações, organizadas por movimentos sociais,
intensas por ocasião do impeachment de Dilma Rousseff, mostram-se cansadas e
longe das ruas.
Populações do Brasil profundo se interessam por coisas da
micropolítica – casa própria, escolas, hospitais e remédios, transporte e
alimentos baratos – não tomando posição aberta em assuntos como afastamento do
presidente da República.
No topo e no meio da pirâmide, empresários, executivos,
entidades da produção e profissionais liberais aplaudem as medidas do governo
para resgatar a economia.
Como explicar a aparente contradição entre impopularidade do
presidente e os avanços por ele comandados? Analisemos. A primeira observação é
a de que a avaliação negativa do governo não é um fenômeno isolado. Reflete a
imagem que a sociedade tem da política e seus protagonistas. Desde o mensalão,
compra de deputados na era petista, denúncias invadem a intimidade dos lares,
trazidas pela tuba de ressonância dos meios de comunicação. Construiu-se a
paisagem de um imenso lamaçal que, a cada dia, recebe toneladas de dejetos.
Mesmo dando nota baixa à política, o eleitor continua
demonstrando simpatia pelo parlamentar de sua proximidade. Aspecto de nossa
cultura. A inserção de todos os políticos no inferno imagético é um fato. As
pesquisas não mostram isso porque o alvo dos Institutos é a figura do dirigente
da Nação.
A opinião pública
Convém lembrar que a formação da Opinião Pública é um
processo que leva em conta o nível de conhecimento/informação das pessoas. Que
acabam registrando em seus sistemas cognitivos parte dos conteúdos que lhes
chega por meio das mídias eletrônicas (rádio, televisão, redes sociais) e
impressas (jornais e revistas). Dois tipos de receptores aparecem: os que
recebem mensagens dos telejornais/rádios e os que têm acesso aos meios
impressos, além dos eletrônicos.
É difícil resistir ao bombardeio midiático de um poderoso
telejornal, com imagens de dutos
enferrujados jorrando dinheiro, sob a voz de tenor de William Bonner e dos
agudos de Renata Vasconcelos. Os índices de audiência bruta (que a publicidade
designa como GRP – Gross Rating Points) -
são cavalares, somando mais que pesadas campanhas publicitárias juntas
de grandes grupos. Os telespectadores
acabam “comprando” o cenário negativo que cerca os personagens do tiroteio
televisivo. O estrago sobre sua imagem é fatal.
O poder destrutivo é tanto mais letal quanto mais forte seja
o calibre da arma. Maior a dose, maior o efeito. O mais visto dos telejornais dedica a maior
parte de seu horário à política. E mais: a cobertura da Operação Lava-Jato é
farta de imagens repetidas. Logo, imagem da pessoa que carrega uma mala de
dinheiro acaba colando no personagem central do noticiário, no caso, o
presidente da República. Mesmo sem prova de que o dinheiro foi entregue a ele.
A repetição da cena tem a força de um furacão. Os personagens descritos no
roteiro da cobertura noticiosa acabam todos com a marca de malfeitores.
O dono da flauta dá o tom
Eventuais respostas ao bombardeio midiático por parte dos
atores políticos ganham pouco espaço, sobrando sempre para os “donos do poder
informativo” a sua “verdade”. Pincemos a lição do capitulo VI, de Minha Luta,
de Hitler, que diz: “o êxito de um anúncio, seja ele comercial ou político, se
deve a persistência e assiduidade (periodicidade) usadas”. Goebels chegou a
alinhar princípios da propaganda, entre eles, os da orquestração e da
repetição.
Somam-se ao bombardeio midiático os bastiões oposicionistas,
que juntam, principalmente, parlamentares do PT e do PSOL, e movimentos
sociais. Mostram tenacidade, bastando ver a bateria de mensagens nas redes
sociais com análises negativas sobre o governo. Perda de direitos de
trabalhadores, precarização do trabalho, escravidão em que são jogados milhões
de trabalhadores compõem a pauta anti-governista, abafando, com seus refrãos,
os desastres da era lulopetista: a maior recessão econômica da história, o
rombo de R$ 140 bilhões nas contas públicas, 13 milhões de desempregados.
Nos palanques a serem armados no Nordeste, a partir de 17 de
agosto, quando Lula iniciará sua caravana pela região, pode-se ter certeza de
que a planilha da catástrofe será jogada no colo de Michel Temer. Luiz Inácio é
exímio na arte da mistificação das massas. Um prestidigitador da arte de
confundir pela palavra. Portanto, na frente da comunicação, PT e seus planetas
têm sido mais eficientes do que a orquestra de comunicação governamental. O
fato novo no arquipélago de porta-vozes é o retraimento de movimentos sociais.
Um sentimento de saturação permeia esses batalhões, tirando-os das ruas.
Parecem cansados de slogans e descrentes de mudanças.
Quanto ao topo e ao meio da pirâmide, que abrigam fortes
núcleos de apoio ao governo, o que se vê uma expressão contida, que não chega a
causar barulho. As ondas que saem de suas gargantas se espalham para cima e
para baixo, porém de maneira lenta. Daí a hipótese de que, só depois de bom
tempo, chegará nas margens uma avaliação positiva do governo. Nas bases da
pirâmide, concentram-se os blocos de carências. Pragmáticos, inclinam-se a
perfilar ao lado dos feitores da micropolítica, dirigentes municipais em
primeiro lugar. A imagem do governante maior é uma abstração, algo distante.
Por essas veredas, trafega a avaliação positivo/negativa do
Governo.
Gaudêncio Torquato é jornalista, professor titular da USP,
consultor político e de comunicação
Via Blog do Noblat
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